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"Fortalecimento militar pode significar maior repressão"

Nádia Issufo / Lusa24 de fevereiro de 2015

Angola e Alemanha reforçam cada vez mais a cooperação militar. Para o especialista Ramos Buta, essa parceria deveria abranger outras áreas. "Não faz sentido adquirir barcos sofisticados quando há gente a morrer de fome."

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Em 2011, a chanceler alemã Angela Merkel propôs a venda de barcos patrulha a AngolaFoto: picture alliance/dpa

Desde a passada sexta-feira (20.02), encontra-se em Luanda uma missão da Marinha alemã no contexto do combate à pirataria. A visita da missão, que termina esta terça-feira (24.02), tem por objetivo formar militares angolanos e dar apoio técnico.

Esta terça-feira, as marinhas dos dois países realizaram, ao largo de Luanda, um exercício naval conjunto. "A visita desta força [da Alemanha] pode ser vista como o primeiro passo visível na intensificação da cooperação militar entre as nossas duas nações", sublinhou o capitão-de-mar-e-guerra Andreas Seidl, que lidera esta força.

"Angola é um parceiro muito poderoso e influente em África e que tem uma bela história para contar", afirmou também o embaixador alemão em Angola, Rainer Müller, na apresentação dos meios navais na capital angolana. Acrescentou que é um "orgulho" para a Alemanha ter o país africano como "parceiro na área da Defesa".

Este exercício segue-se à visita à Alemanha, em novembro do ano passado, do ministro da Defesa angolano, João Lourenço, que terminou com a assinatura de um acordo de cooperação na área da Defesa entre os dois países.

Sobre a intensificação da cooperação entre Angola e Alemanha, a DW África entrevistou Ramos Buta. O especialista angolano em questões militares defende que a cooperação entre Angola e Alemanha deveria ser "mais abrangente" e estender-se a áreas como a economia e a saúde, passando até pela cidadania e os direitos humanos.

DW África: A necessidade de combate à pirataria e proteção das águas angolanas justifica a forte militarização que Angola está a viver?

Ramos Buta (RB): As relações e a cooperação entre Estados são sempre salutares. Mas há também a questão de determinados investimentos que podem ser tidos em conta e em função do contexto do país. Claro está que existe o perigo da pirataria e a questão da soberania na protecção das águas territoriais. Acho que essa cooperação militar não devia ficar só por aqui. Há áreas onde a cooperação entre os dois Estados poderia trazer maiores benefícios para o país.

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Não é má de todo essa cooperação. Contudo, seria bom que, já que não pode ser da iniciativa do Governo angolano, deveria ser iniciativa do Governo alemão que essa cooperação fosse mais abrangente, de forma a incluir outros sectores, como a economia, a saúde e até mesmo a cidadania e os direitos humanos. Não faz muito sentido às vezes fazer uma cooperação ou adquirir barcos sofisticados quando ainda há muita gente a morrer de fome no país. E este ano vai ser um ano muito mais difícil.

DW África: Que avaliação faz do interesse que a Alemanha demonstra em vender barcos de guerra e equipamento a Angola? É realmente uma preocupação pela sua protecção ou não passa de um negócio lucrativo para este país europeu?

RB: Já sabemos que quem quer vender faz todos os possíveis para vender. Ainda que saiba que o país não tenha essa necessidade no imediato – essa necessidade não é premente –, quem quer vender, vende e tenta convencer as pessoas a comprar.

DW África: Quer com isso dizer que não é realmente uma necessidade, é mais uma vontade de fazer negócio?

RB: Exatamente. Por exemplo, nós podemos proteger as nossas fronteiras com menos equipamento, com aparelhos menos sofisticados. O fortalecimento de um Estado militarmente pode ser visto sob dois ângulos. Um deles é realmente a defesa da sua soberania.

DW África: Sendo Angola um país considerado pouco democrático e até repressivo, este aprimoramento em termos de formação e aquisição de equipamento militar não será algo intimidatório?

Angola Ramos Buta
Ramos Buta, especialista angolano em questões militaresFoto: privat

RB: No nosso contexto sociopolítico, em que Angola não é realmente uma democracia e existem ainda focos de repressão à oposição, aos dissidentes e às vozes discordantes, esse fortalecimento militar também pode significar uma maior repressão em terra. E isso pode não ser bem visto pelas outras pessoas. Angola está a querer projetar-se internacionalmente, não só no aspecto económico, mas acima de tudo no aspecto militar.

É praticamente do conhecimento de todos que Angola pretende tornar-se uma potência em África. E se não é economicamente, porque a África do Sul, a Nigéria e outros países estão à frente de Angola, militarmente está a tentar fazer isso. Prova disso é a intervenção de Angola no conflito na região dos Grandes Lagos. Mas isso pode também fazer com que se calem mais vozes dentro do país.

DW África: A Alemanha é um país que critica a violação dos direitos humanos, a falta de liberdade de expressão e que, por outro lado, fomenta a militarização de um país como Angola, repressivo e antidemocrático. Como é que vê este paradoxo?

RB: Respondo-lhe quase com uma resposta do meu pai, que há uns anos me foi visitar quando estudei na Alemanha. Em colóquios com estudantes, fizeram-lhe perguntas sobre as causas da guerra em Angola e quando iria acabar. E o meu pai disse: "Quando vocês fecharem as vossas fábricas, então a guerra em Angola poderá acabar."

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