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A "maldição" dos recursos já é uma realidade em Moçambique

Romeu da Silva (Maputo)23 de maio de 2013

Moçambique pode estar na situação de “maldição dos recuros naturais”, advertem ONGs nacionais e estrangeiras. Num encontro em Maputo elas criticaram vários aspetos da gestão dos recursos, e também deixaram sugestões.

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Minas de carvão mineral em Moatize, província de Tete
Minas de carvão mineral em Moatize, província de TeteFoto: DW/ J.Beck

Nos dias 22 e 23 de maio aconteceu na capital moçambicana a "Conferência Internacional sobre Governação da Economia Extractiva", cujo tema foi "Recursos Naturais: Benção ou Maldição".

O CPI, Centro de Integridade Pública, criticou, por exemplo, o secretismo na celebração dos contratos entre as multinacionais e o Governo.

De acordo com Adriano Nuvunga, diretor da organização, o Estado não tem metade do que se sabe sobre as receitas da produção do gás natural da petroquímica sul-africana Sasol: “ A desproporção é tão grande que estas empresas estão preparadas não só para se beneficar por via de cláusulas contratuais excessivamente generosas, como também, e sobretudo, através de todos os esquemas que vão fazer para não pagar.”

Em África, as multinacionais exploram recursos há mais de 10 anos, mas continuam pobres e dependentes da ajuda externa. Segundo a IBIS, uma ONG dinamarquesa, a situação é inexplicável.

Anne Hoff, da IBIS, fundamenta o seu argumento: “Nalguns países africanos, a existência e exploração não se tem traduzido em crescimento económico que se converta em desenvolviento humano, embora os mesmos estejam a ser explorados há décadas."

Face a esses exemplo a colaboradora da organização dinamarquesa deixa uma sugestão ao Executivo de Armando Guebuza: "Daí justificar-se que Moçambque reflita sobre o que pretende que seja a sua situação, aprendendo com o que sucedeu ou está a suceder noutros contextos.”

Ponderação em nome do desenvolvimento social

Lória Macanjo vive na aldeia Capanga, em Tete. Ela se recusa a deixar a sua casa. A Rio Tinto irá operar aqui uma mina
Lória Macanjo vive na aldeia Capanga, em Tete. Ela se recusa a deixar a sua casa. A Rio Tinto irá operar aqui uma minaFoto: DW/Marta Barroso

Por seu lado, a embaixadora da Suécia em Moçambique, Ulla Andrén, disse que o mais importante para que os recuros não sejam uma maldição, é a existência de um quadro legal claro, eficaz e não só.

Ulla Andrén alerta ainda para uma visão a longo prazo: “É fundamental que haja uma boa governação para que as pessoas se possam beneficar para alcançar o desenvolvimento social, económico e ambiental desejado. Não só hoje mas também amanhã.”

O político e um dos fundadores do Estado moçambicano, Sérgio Vieira, critica as multinacionais, afirmando que elas apenas querem tirar tudo de África sem beneficar os africanos: “O que se lhes dá em troca. Uma casa a dezenas de quilómetros quando nunca pediram uma casa? Uma machamba quando já possuíam? Um local de pasto quando já pastoreavam? O que ganha o investidor, dezenas ou centenas de milhões de dólares."

A crítica esteve centrada no reassentamento de oleiros em Cateme, na província central de Tete, uma região árida e onde a população não tem as mesmas condições de vida que na zona de origem. Estes tiveram de ceder as suas terras à empresa mineira Vale para explorar carvão mineral.

Governo chamado a intervir

Aliás, a organização de defesa dos Direitos do Homem Human Rights Watch (HRW) acaba de publicar um relatório sobre o assunto, no qual recomenda ao Governo de Moçambique a trabalhar com as multinacionais Vale e Rio Tinto, para que a população tenha terras férteis.

Alberto Vaquina, primeiro ministro de Moçambique. Também foi governador de Tete até finais de 2012
Alberto Vaquina, primeiro ministro de Moçambique. Também foi governador de Tete até finais de 2012Foto: Marta Barroso

"O que é uma casa sem alimentos?" é o título do relatório da HRW que também denuncia que comunidades estão a viver períodos de incerteza alimentar ou ficam
na dependência direta da Vale e da Rio Tinto, as duas companhias com as
maiores concessões mineiras no distrito de Moatize.

Este problema está a afetar 1.429 residentes em Tete, uma província onde se estima
possam vir a ser extraídas 23 mil milhões de toneladas de carvão, de acordo
com informações governamentais divulgadas em 2012.

A pesquisadora daquela organização internacional, Nisha Varia, disse ter constatado que os oleiros não dependiam de ninguém para a sua sobrevivência: “Era uma comunidade auto-sustentada. Vivia igualmente de outras profissões, como a extração de ouro e agricultura. Havia mercados perto para vender os seus produtos ou comprar. Agora têm de percorrer 40 quilómetros para encontrar mercados, em Moatize.”

A pesquisadora refere que a população devia ter terra fértil para continuar a produzir comida. Como tal, o Governo deve assumir estas responsabilidades no reassentamento: “Quando o Governo publicou um decreto em 2012, para retirar a população, esta não foi consultada, nem algumas organizações não governamentais foram ouvidas."

Nisha Varia questiona ainda o processo de reassentamento: "Não houve transparência e quando a população é transferida não deve esperar muito tempo para que as condições da sua vida melhorem.”

Entretanto, em comunicado, a empresa brasileira Vale reagiu às críticas da Human Rights Watch, afirmando que respeitou "os direitos humanos e padrões internacionais".



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