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É “impossível” fazer a desminagem total em Angola

4 de abril de 2012

Especialista alemão que trabalhou no terreno aponta falta de infraestruturas no país como uma razão para as dificuldades na desminagem. Outro analista diz que ainda há muito por fazer para livrar o país das minas.

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Campo minado em Kuningha
Campo minado em KuninghaFoto: picture-alliance / dpa

Um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado nesta quarta-feira (04.04) dá conta de que mais de 870 milhões de metros quadrados de terra foram desminados desde 2008 em Angola. Citado pela agência noticiosa Lusa, o estudo divulgado no website do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lembra ainda que as minas mutilaram ou mataram mais de 80 mil pessoas desde o início da guerra civil angolana, que durou 27 anos e terminou precisamente há dez anos, em 4 de abril de 2002, com a assinatura do Acordo de Luanda.
 
Os números foram divulgados num momento em que se assinala o Dia Internacional de Sensibilização para o Perigo das Minas. “Angola está entre os 13 países que têm mais de cem quilômetros quadrados 'contaminados' por minas terrestres”, constatou Firoz Alizada, da Campanha Internacional para o Banimento de Minas em Genebra, em entrevista à DW África. Alizada, ele próprio uma vítima de minas antipessoais, comparou o país ocidental africano ao Afeganistão, à Bósnia-Herzegóvina, ao Camboja, ao Marrocos, ao Irã e até ao Iraque – este último país, segundo a ONU, seria um dos países mais minados do mundo.
 
“A diferença é que o Iraque está a enfrentar um conflito, o que não é o caso em Angola”, constatou Alizada. “Deveria haver mais interesse político em Angola sobre o tema da desminagem, deveria ser uma prioridade nacional, com alocação de mais recursos para acelerar o processo”, afirmou o especialista, que comparou as ações de desminagem no país africano com a situação no Camboja, onde a limpeza das minas teria alta prioridade.
 
Para Alizada, algo que é “muito preocupante” em Angola é o facto de a média anual de vítimas – mortas ou feridas – das minas terrestres no país ser de cerca de 80 pessoas. Um número que o especialista considera “alto” e que seria resultado, entre outros, da falta de financiamento e corte de fundos das organizações que trabalham com desminagem em Angola. Isto teria levado várias dessas organizações a deixarem o país a partir de 2008.
 
Falta de infraestruturas
 
A DW África também conversou com Hans Georg Krüßen, diretor da organização não-governamental alemã “Menschen gegen Minen” (Pessoas contra Minas), por ocasião do Dia Internacional de Sensibilização para o Perigo das Minas, mas também no dia em que se assinalam os dez anos da paz em Angola.
 
O alemão Krüßen disse à DW África que, em Angola, o impacto das minas terrestres ainda se faz sentir, mas que a situação, como em Moçambique, está bem melhor que quando terminou o conflito civil – hoje em dia, as pessoas não têm mais tanto medo das minas. Krüßen, que trabalhou com desminagem em Angola de 1992 até há três anos atrás, afirmou ainda que não espera conseguir desminar Angola totalmente, porque “um dos maiores problemas do país é a falta de infraestrutura”, com falta de estradas e difícil acesso a locais mais afastados da capital Luanda. Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Em termos de minas, o especialista Firoz Alizada compara Angola à Bósnia-Herzegóvina (na foto)
Em termos de minas, o especialista Firoz Alizada compara Angola à Bósnia-Herzegóvina (na foto)Foto: DW / Camdzic
O mais difícil em Angola é o acesso às áreas, diz Hans Georg Krüßen
O mais difícil em Angola é o acesso às áreas, diz Hans Georg KrüßenFoto: PA/dpa

Hans Georg Krüßen (HGK): Em Angola, por exemplo, o impacto das minas ainda se faz sentir, mas não como se sentiu logo depois do fim da guerra, em 2002, quando muitas partes do país não eram acessíveis. Agora estamos a falar de algumas zonas que ainda são altamente contaminadas, mas estamos a trabalhar para diminuir o problema. A população sente que já pode voltar a algumas partes, embora a outras partes ainda não, mas a suspeita já não é geral. Nas províncias do Bengo e do Cunene a situação já melhorou bastante e acho que a maioria das pessoas que queria voltar já voltou. Por exemplo, agora estamos ainda a trabalhar no Cuando-Cubango, que é uma zona muito longe de Luanda e nunca houve muita populaão, mas os poucos que estão lá ainda estão impedidos de circular livremente. Aí ainda faz falta a desminagem.

DW África: Considera que instrumentos como o Tratado de Ottawa, de banimento das minas antipessoais, é um instrumento eficaz?

HGK: Sim, acho que deu resultado. Chamou muito a atenção pública, porque o assunto foi muito discutido na imprensa internacional. Mas continuam a produzir-se minas. O Tratado de Ottawa não proíbe minas que podem matar pessoas, como as minas anti-veículo. Uma mina que tem capacidade de destruir ou de danificar um veículo é considerada uma mina anti-veículo e o Tratado de Ottawa não inclui essas minas. Ao contrário do que muita gente pensa, a Alemanha ainda as produz. As minas anti-veículo fazem parte da estratégia das Forças Armadas de todos os países que conheço.

DW África: Que especificidades encontrou em Angola?

HGK: Em Angola o mais difícil é o acesso às áreas. Sempre foi difícil. Já era difícil quando não havia minas e com as minas ficou ainda mais difícil, porque Angola é muito grande e tem umas terras que são muito remotas, muito longe das infraestruturas. No tempo do colonialismo quase nem chegaram lá e depois surgiu essa guerra que ainda trouxe mais problemas. As pontes foram destruídas, as estradas ficaram esburacadas ou já não existem. O país para se desenvolver ainda precisa de reparar todas essas infraestruturas. Esse é o maior problema de Angola.

Autora: Renate Krieger
Edição: Madalena Sampaio/António Rocha