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Walter Reuter

13 de junho de 2010

Nos últimos 200 anos, houve diferentes ondas migratórias da Europa para a América Latina. Dentre elas, destaca-se a biografia do fotógrafo Walter Reuter, um dos chamados "emigrantes perdidos".

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Lothar Schuster com uma foto de Walter ReuterFoto: DW

Pobreza, crises econômicas e duas guerras mundiais provocaram sucessivas ondas migratórias da Europa em direção ao continente americano nos últimos 200 anos. Até catástrofes naturais determinaram a emigração ao "novo mundo", como a poderosa erupção do vulcão Tambora na Indonésia, refletida em invernos rigorosos e verões frios e úmidos na Europa em 1816 e 1817.

Entre 1845 e 1855, uma grande recessão provocou a maior onda migratória do século 19. Alimentada pela febre do ouro na Califórnia, a crise foi interrompida até a deflagração da Guerra da Secessão nos Estados Unidos em 1861. Durante o período entre-guerras, os anos de hiperinflação levaram alemães ao êxodo em busca de um futuro melhor na Argentina e no Brasil.

Com a ascensão dos nazistas ao poder em 1933 e o início da perseguição aos judeus, quem pôde emigrou a tempo. Dentre os alemães que deixaram o país na época, destacam-se figuras célebres como Albert Einstein, Thomas Mann, Heinrich Mann, Anna Seghers, Bertolt Brecht, Marlene Dietrich e Billy Wilder. Apenas no ramo da indústria cinematográfica, estima-se que cerca de 2 mil profissionais abandonaram a Alemanha pouco depois daquele ano.

Destino aventureiro

Também se perdeu o rastro de vários outros artistas e intelectuais menos conhecidos na época e que jamais voltaram à terra natal. Um dos casos mais notáveis foi o do fotógrafo alemão Walter Reuter, nascido em Berlim em 4 de janeiro de 1906.

Pouco depois do incêndio do Reichstag em 27 de fevereiro de 1933, Walter Reuter fugiu da cidade acompanhado de sua namorada de origem judia, Sulamith Siliava. Na bagagem, levava sua câmera fotográfica Laica e um violão. Costurada dentro da calça, trazia consigo a credencial do Arbeiter Illustrierte Zeitung (AIZ), um semanário de esquerda muito influente na época em que Reuter trabalhou como fotógrafo.

O casal atravessou a Suíça e a França antes de chegar à Espanha, onde sobreviveu cantando em praças e cafés. Quando a guerra civil teve início, Walter aderiu à causa republicana como soldado e, em seguida, como fotógrafo. Dois anos mais tarde, foi preso na França e enviado com outros combatentes espanhóis ao Marrocos.

De lá, foi transferido à Argélia, onde trabalhou para a Legião Estrangeira na construção da ferrovia transaariana. Em 1942, conseguiu fugir em um navio que partiu de Casablanca, no Marrocos, em direção ao continente americano. Quando desembarcou na Cidade do México, o alemão tinha perdido tudo pela quinta vez.

Em solo mexicano, Reuter começou a fotografar com uma câmera emprestada e, três anos depois, havia se tornado um dos repórteres fotográficos de maior renome do país. Durante uma década, trabalhou como operador de câmeras e fotógrafo, retratando a vida de comunidades indígenas na floresta Lacandona e na serra Mazateca em Oaxaca, no sudeste do México, e produzindo imagens de alto valor histórico.

Encontrado por acaso

Num capricho do acaso, Walter Reuter foi encontrado pelo compatriota Diethart Kerbs, historiador de arte e pedagogo. Kerbs se interessava justamente por fotógrafos alemães que haviam lutado no lado dos republicanos durante a guerra civil espanhola.

Um dia, folheando um livro sobre o exílio nos Países Baixos e na Espanha editado na antiga República Democrática Alemã (RDA), Diethart se deparou com uma imagem com vários fotógrafos incluindo Walter Reuter. "O nome me soou familiar porque era mencionado num livro que eu havia devorado anos antes, escrito por Max Fürst, um amigo", recorda o historiador.

Logo, ele se deu conta de que Reuter era um dos chamados "emigrantes perdidos" que haviam fugido da Alemanha nazista. Depois da descoberta do paradeiro do fotógrafo no México, ambos se encontraram em 1985 em Berlim.

Com mais de 80 anos de idade, Walter Reuter ainda participou da produção de um filme pelo cineasta Lothar Schuster, no qual falou de sua infância e juventude em Berlim. Em 1990, foi inaugurada na capital alemã a exposição "Walter Reuter –Berlim, Madri, México- 60 anos de fotografia e cinema 1930-1990".

Arquivo em Madri

A fotógrafa alemã Ursula Tjaden, cuja tese de doutorado trata dos artistas envolvidos na guerra civil espanhola, também se encontrou diversas vezes com Walter Reuter e visitou a Biblioteca Nacional de Madri, onde as obras do alemão estão guardadas. Dentre as informações dadas pelo fotógrafo, constam detalhes de quando ele conheceu Federico García Lorca graças a contatos com ciganos em Granada, além de informações sobre episódios vivenciados durante a guerra civil espanhola.

Tjaden se lembra especialmente da falta de vaidade demonstrada por Walter Reuter durante um encontro. Segundo ela, o fotógrafo revelou: "O mais importante para nós era informar com nossas imagens. Se alguém ia a uma agência de notícias em Paris ou no exterior, lhe dávamos nossos negativos. Nenhum de nós pretendia fazer carreira ou ficar famoso; considerávamos a fotografia apenas como um meio de luta".

Reuter não fotografou a crueldade da guerra. Seu principal foco era o que acontecia por trás das batalhas. Ele documentou o abastecimento das tropas pelo povo. "Walter se interessava pelo que acontecia com as pessoas durante a guerra, tanto com os soltados quanto com o povo, o que demonstra esse lado humano na sua obra", comenta Tjaden.

Calma e otimismo

Foram inúmeras as dificuldades enfrentadas por Reuter ao longo de suas andanças. Um dos piores períodos foi quando, depois de três semanas viajando com a esposa, o filho Jasmin e cerca de 800 judeus e 200 perseguidos políticos, o navio San Thomé ancorou no porto de Veracruz, no México, em 1942. O presidente Manuel Ávila Camacho se negava a aceitar os vistos dados pelo seu antecessor, Lázaro Cárdenas. Somente depois de dez dias de espera é que os passageiros puderam pisar em solo firme.

Ursula Tjaden conta que a calma e a atitude positiva de Reuter ao longo de sua vida foram impressionantes. "Ele nunca se queixou nem tinha rastros de amargura, apesar das dificuldades por que passou", conta.

Diethart Kerbs guarda a mesma imagem do emigrante alemão e recorda: "Quando alguém lhe perguntava como ele estava, ele sempre dizia: 'Sinto-me uma maravilha'. Depois descobrimos que ele caminhava torto e tinha dores nas costas, mas ele nunca reclamou. Ele sempre espalhou otimismo, foi alguém fora do comum que soube sair na frente apesar das situações mais adversas".

Autora: Eva Usi (eh)

Revisão: Roselaine Wandscheer