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Sociólogo acende polémica sobre regime de Angola

Márcio Pessôa14 de março de 2014

Paulo de Carvalho terá defendido que o fato de Rafael Marques estar vivo é a prova de que, em Angola, vigora uma democracia. Marques e o escritor José Eduardo Agualusa, em resposta, falam em "ameaça" e "ditadura".

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Foto: António Cascais/DW

O sociólogo angolano Paulo de Carvalho envolveu-se ao longo da semana numa polémica com outros nomes da intelectualidade agolana, nomeadamente o jornalista Rafael Marques e o escritor José Eduardo Agualusa. Carvalho teria defendido, conforme a Agência Lusa, que o fato de Marques estar vivo é a prova de que, em Angola, não vigora uma ditadura. Mais tarde, à imprensa angolana, o professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto divulgou nota se retratando.

"Em momento algum eu terei dito que o 'activista Rafael Marques estar vivo prova que Angola é democracia', como erradamente se afirma no título do artigo", diz a nota.

"Esta afirmação é de autoria do articulista e não de minha autoria. O caso de Rafael Marques foi realmente citado, para dar conta que às vezes nos excedemos dizendo que há ditadura em Angola, quando de facto está em curso um processo de democratização. E só quem nunca viveu em ditadura pode achar que, em ditadura, Rafael Marques estaria vivo e viajaria para onde bem lhe apetece, entrando e saindo de Angola também quando lhe apetece. Em relação a Rafael Marques, foi isto que foi dito apenas. E o caso citado ocorreu de facto. Só me faltou dizer ontem que, depois da minha intervenção, obviamente que ninguém na sala da Fundação Mário Soares a terá contestado", lê-se na nota publicada no Rede Angola.

Rafael Marques
Jornalista e ativista angolano Rafael MarquesFoto: DW/C. Vieira Teixeira

"Uma ameaça velada", diz ativista angolano

O debate teve lugar no Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas de Lisboa. O tema era "Sistema democrático e direitos de cidadania em Angola".

Rafael Marques, autor do livro "Diamantes de Sangue", publicado apenas em Portugal pela editora Tinta-da-China, é alvo de um processo movido, em Lisboa, por nove oficiais angolanos visados pelo trabalho de investigação sobre as violações dos direitos humanos nas Lundas, zona diamantífera de Angola. Mesmo após a retratação do professor, Marques afirma conhecer "a atitude de Paulo de Carvalho", garantindo que as suas palavras são "uma ameaça velada que tem estado a ser feita por vários membros do regime e aqueles que procuram mostrar trabalho ao presidente José Eduardo dos Santos como seus defensores".

"Há um prémio maior para aqueles que procuram derrotar, destruir a imagem e mesmo colocar em perigo ou eliminar Rafael Marques", garante o jornalista. "Tenho estado "a receber indivíduos que me vêm fazer propostas - uns em nome do presidente, outros em nome próprio - sempre com a ideia de que quem me tirar fora do jogo terá uma recompensa muito grande e o Paulo de Carvalho é o tipo de intelectual orgânico que segue nessa linha", explica.

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Agualusa rejeita existência de avanços no processo democrático

Outro que se manifestou contrário à declaração de Carvalho foi o escritor José Eduardo Agualusa. Para o escritor, os avanços democráticos que eram esperados no fim da guerra não foram constatados. "Pelo contrário", afirma, "se há uns 10 anos atrás a esperança era de que Angola caminhasse para uma democracia, hoje a percepção já não é essa, infelizmente".

Der angolanische Schrifsteller José Eduardo Agualusa
Escritor angolano José Eduardo AgualusaFoto: DW

"Nos últimos anos não se tem avançado nesse sentido", diz Agualusa, lembrando que se aprovou "uma Constituição menos democrática, que reforça todos os poderes do Presidente da República" e se assiste "ao enriquecimento da família presidencial" e a "um assalto à imprensa independente por pessoas próximas do Presidente". "Tudo isto são sinais de que não estamos a caminhar para uma democracia. Muito pelo contrário, estamos a aproximar-nos da ditadura".

Agualusa acha que este tipo de declaração marca "um estágio de desenvolvimento " da academia angolana. "Ainda não avançou muito e, portanto, os académicos têm pouca possibilidade de se fazerem ouvir e pouca liberdade", considera o escritor. "De qualquer forma, penso que há algumas universidades, sobretudo privadas, que têm feito algum esforço no sentido de criar um pensamento angolano independente, livre. Mas tudo isso depende do resto, do contexto geral, do regime", acrescenta.

Rafael Marques promete não se deixar intimidar

"O que o Paulo de Carvalho ignorou aqui é que a minha vida não é representativa de todos os angolanos", frisa. "O facto de haver um crítico não significa que os outros não tenham sido mortos e que a vida dos outros valha menos. Vários cidadãos angolanos têm demonstrado como países como Cuba, que tem críticos na cadeia e em liberdade, nem por isso é considerada uma democracia porque não conseguiu matar todos os críticos", afirma.

"Como cidadão, tenho uma mensagem para o Presidente da República, que é o mandante destes assassinos: eu continuarei a falar com toda a liberdade que a minha consciência ditar e defenderei sempre os mais fracos e os que não têm voz", conclui Rafael Marques.

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