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Rio relembra Asta Nielsen, primeira grande estrela do cinema

Marco Sanchez13 de agosto de 2014

Com quatro dos mais importantes filmes da atriz dinamarquesa, mostra resgata a maior estrela do cinema mudo e um dos grandes nomes da era de ouro do cinema alemão.

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"O bebê esquimó", de 1916, é um dos filmes da mostra no Instituto Moreira SallesFoto: Filmmuseum München

Uma figura forte, com grandes olhos pretos e um rosto que transborda mistérios, mas sem jamais perder o carisma. A dinamarquesa Asta Nielsen foi a primeira grande estrela do cinema. Mulher forte e independente, ela abriu caminho para as grandes estrelas dos anos 1930, como Great Garbo e Marlene Dietrich.

A mostra 4 filmes de Asta Nielsen e o início do cinema, em cartaz no Rio de Janeiro, é uma oportunidade para o público conhecer um dos maiores ícones de uma arte que estava em transformação e que ganhou novos paradigmas e proporções depois que começou a falar.

"O trabalho de Nielsen é pouco conhecido entre nós. Temos mais referências a ela em livros de história do cinema do que um real contato com seus filmes. O recente restauro desses quatro títulos – que o Instituto Moreira Salles conseguiu graças ao apoio do Instituto Goethe – é uma oportunidade única de conhecer a atriz que se tornou um mito no começo do século 20", diz o curador da mostra José Carlos Avelar, em entrevista à DW Brasil.

Nascida na Dinamarca, Nielsen se mudou para a Alemanha no começo da década de 1910 e se tornou a grande estrela da era de ouro do cinema alemão. No entanto, sua popularidade não se restringiu apenas ao país, mas se espalhou por toda a Europa.

Vinda do teatro, Nielsen foi uma das responsáveis por transformar a atuação cinematográfica, representando com um estilo mais natural. Para o roteirista e teórico de cinema húngaro Béla Balázs (1884-1949), "o que Asta Nielsen diz com o seu rosto nem mesmo o maior escritor poderia traduzir em palavras".

Die Retrospektive Asta Nielsen
Nos EUA, filmes dela foram censurados. Fora da Europa, permaneceram obscurosFoto: Filmmuseum München

Grande mulher, grandes personagens

Nascida numa família da classe trabalhadora, sua aspirações teatrais conseguiram se tornar realidade numa Dinamarca onde o movimento feminista ganhava cada vez mais força. Aos 21 anos, ela engravidou e decidiu ser mãe solteira, algo chocante para a época.

Em 1902, estreou no palcos e, em 1910, estrelou seu primeiro filme, Avgrunden. O filme foi como uma janela onde o mundo pôde ver o nascimento de uma estrela. A presença de Nielsen é marcante, cheia de sensualidade e com um estilo minimalista na atuação, algo até então inédito no cinema mudo.

"Nielsen foi uma das primeiras intérpretes de cinema a deslocar a atenção do espectador da cena propriamente dita para a personagem em cena. O processo de invenção do cinema ainda não terminara quando Nielsen – não apenas ela, mas ela principalmente – criou uma personagem – ou uma personalidade – cinematográfica que passou a transportar de filme para filme", explica Avelar.

Depois de mais alguns filmes em seu país natal, ela se mudou para a Alemanha. Nos próximos anos, Nielsen atuou em diversos filmes, nos mais diferentes papéis. Mesmo durante a guerra, sua popularidade se manteve inabalada por toda a Europa.

"A apresentação desses filmes neste momento nos permite ter uma imagem da Europa e do cinema europeu às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Assim, temos Nielsen em dois exemplos das reivindicações femininas de então, o direito de atuar na vida política (Die Suffragette) e na vida econômica (Die Börsenköningin). E em dois exemplos de comédias ligeiras do cinema mudo (Das Liebes ABC e Das Eskimobaby)", diz o curador.

Os quatro filmes que fazem parte da mostra – A sufragete, ABC do amor, A rainha da bolsa, O bebê esquimó – foram realizados entre 1913 e 1916.

No entanto, nem todas as parte do mundo estavam prontas para Nielsen. Devido às mulheres fortes representadas por ela nas telas e ao erotismo em sua atuação, seus filmes foram fortemente censurados nos Estados Unidos. Fora da Europa, seu trabalho permaneceu obscuro.

Die Retrospektive Asta Nielsen
Presença marcante na telaFoto: Filmmuseum München

"Em lugar de ir ao cinema, em lugar de ir ver um filme, o espectador ia ver Asta Nielsen, tal como pouco depois passou a ver Max Linder ou Carlitos, e mais tarde Theda Bara, Dietrich ou Garbo, o ator e a atriz, mais do que o filme. Esse pedaço sensual de toda a imagem cinematográfica, que toca os olhos e se espalha à flor da pele do espectador, como coisa viva de verdade, ganhou uma presença viva de verdade", afirma Avelar.

Uma carreira sem palavras

Nielsen continuou trabalhando na Alemanha até o surgimento do cinema sonoro. Seu primeiro filme falado, Unmögliche Liebe (1932), foi também o último filme de sua carreira. Ela voltou então a atuar apenas nos palcos.

"Os primeiros anos do cinema falado deram a sensação de que o mudo era uma expressão incompleta. Privilegiou-se então a fala nas composições cinematográficas, deixaram de existir histórias e personagens feitos para atores que inventaram um modo de atuar. O cinema mudo foi uma expressão completa, independente, acabada em si mesma, e várias das lições de então só vieram a ser reincorporadas à linguagem do cinema bem depois dos primeiros filmes sonoros", explica José Carlos Avelar.

Durante o governo nazista, Nielsen foi convida para tomar chá com Adolf Hitler, que queria convencê-la a retornar ao cinema. Ele tinha interesse na forte presença da atriz na tela. Mas ela negou o convite e trocou a Alemanha pela sua Dinamarca natal em 1936.

Além dos quatro filme estrelado por Nielsen, a retrospectiva ainda conta com o programa de curtas A Europa antes de 1914. Dividido em duas partes – O cinema entre o espetáculo de circo e o teatro de variedades e O cinema entre o registro da atualidade e a atualidade ficcionada –, o programa traz cópias restauradas de produções ficcionais e documentais feitas no continente até a Primeira Guerra.

Para Avelar, os curtas mostram como estava o cinema europeu no tempo de Nielsen e como a Europa estava antes da guerra. "São documentários e cenas de ficção que mostram o cinema em tempo de se inventar e o mundo em tempo de se desinventar com a estupidez da guerra", diz o curador, que destaca A tragédia na mina, de Ferdinand Zecca, e a copia colorida à mão de O rei dos dólares, de Segundo de Chomón, entre os curtas selecionados.

A mostra 4 filmes de Asta Nielsen e o início do cinema está em cartaz no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro até 28 de agosto.