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Show de Francis e Olivia Hime mistura bossa nova, Chico e Caymmi

Felipe Tadeu16 de abril de 2013

Apresentação em Frankfurt homenageia compositores como Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Dorival Caymmi. Francis Hime confirma estreia de ópera sobre futebol nas vésperas da Copa.

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Foto: DW/F. Tadeu

Mesmo antes de aterrizar na Alemanha, Olivia Hime já tinha um novo nome para o espetáculo que ela e o marido Francis apresentam no Brasil, com repertório baseado no disco Almamúsica, de 2011. "Esse show que faremos aqui na Alemanha se chama Almadeutsch. Sou descendente de alemães dos dois lados, eu com meus olhos verdes e cabelos louros", disse Maria Olivia Leuenroth Hime na véspera do concerto, durante uma conversa descontraída com a reportagem da DW Brasil. "Mas seria impossível para mim sobreviver aqui, pois sou daquelas que dormem de cobertor até no verão carioca", completou a cantora, compositora e diretora da prestigiada gravadora Biscoito Fino.

Parece brincadeira, mas era a primeira apresentação dos dois na Alemanha, um fato que soa ainda mais estranho por Francis ter vivido cinco anos (de 1955 a 59) na Suíça, em Lausanne. Foi uma época memorável para o pianista (então com 16 anos) que mais tarde ficaria famoso como um dos mais iluminados parceiros de Chico Buarque.

"Eu vivia assistindo apresentações de música clássica, muitas orquestras, era ótimo", relembra. Mas seu destino era mesmo o Brasil. "Eu cheguei a me apaixonar por uma moça. Se tivesse me casado com ela, não teria tido essa minha carreira, não haveria minha relação com a Olivia, nada", conta ele, que já vive com a esposa há admiráveis 48 anos e que, por pouco, não se tornou engenheiro de profissão.

Brasilien Musik Jazz Francis und Olivia Hime in Konzert
Músicas de Vinicius de Moraes dominaram boa parte do espetáculoFoto: H. Madeira

Aura Vinicius

A apresentação de duas horas na noite deste domingo (14/04), com os espectadores aliviados pelo fim de um inverno que se insinuava eterno, foi uma prova do esplendor da bossa nova, das parcerias de Francis Hime com Chico Buarque e do cancioneiro de Dorival Caymmi.

No primeiro set, que durou cerca de 40 minutos e contou com a participação do baterista brasileiro radicado na Alemanha Claudio Willer, Francis mostrou no piano desde seu xaxado com Gilberto Gil, intitulado Um carro de boi dourado, até Teresa sabe sambar, essa feita com o seu "padrinho" Vinicius de Moraes. "Em 2013 comemoramos o centenário de Vinicius e tem muitas coisas dele no nosso show", destacou Francis.

O "poetinha" é mesmo um capítulo muito especial nas vidas de Francis e Olivia. Vinicius foi o primeiro parceiro de Francis e um de seus maiores incentivadores, e Olivia não só cantou com ele no começo da carreira, como também cansou de visitá-lo na clínica de reabilitação onde Vinicius era internado para se limpar dos excessos etílicos. "Eu também fiz parte do coro que acompanhou Vinicius, Tom Jobim, Toquinho e Miúcha", lembrou Olivia, referindo-se à antológica turnê do quarteto no Brasil dos idos dos 70, que foi sucesso de bilheteria e de vendagem de discos.

Como não poderia deixar de ser, Francis também destacou suas obras-primas criadas com Chico, indo de Atrás da porta, a primeira composição da dupla, até o chorinho Meu caro amigo, com Francis subvertendo o verso da carta-musical letrada por Chico Buarque endereçada ao exilado Augusto Boal, substituindo o seu próprio nome pelo do amigo, ao entoar "o Chico aproveita e também manda lembranças".

Depois, ao anunciar em inglês a música Pivete, o pianista comentou, sensível: "essa canção é sobre os meninos que vivem nas ruas do Brasil e que têm que lutar muito para sobreviver". E, com muito carisma, soltou sua voz de poucos recursos tímbricos, mas cheia de um encanto muito próprio.

Brasilien Musik Jazz Francis und Olivia Hime in Konzert
Com Olivia em cena, espetáculo ganhou tom mais intimistaFoto: H. Madeira

Chaplin, Montand e Wagner

Quando Olivia entrou em cena, o espetáculo ganhou uma conotação mais intimista. O baterista deixou o tablado e o casal desfiou também canções estrangeiras de Charles Chaplin a Yves Montand, citando ainda Michel Legrand, Bill Evans e Richard Wagner. Até uma rara parceria em inglês, All mine, escrita por Francis Hime e Ruy Guerra, foi apresentada.

No show promovido pelo Centro Cultural Brasileiro em Frankfurt houve espaço também para que Olivia pudesse inserir algumas canções praieiras de Dorival Caymmi, compositor homenageado por ela no álbum Mar de algodão, de 2003.

Seguindo o conceito inicial do Almamúsica, o de ser um relicário musico-sentimental dos Hime, a dupla interpretou O mar, Morena do mar e Quem vem pra beira do mar, do chamado Buda Nagô (apelido carinhoso dado por Gilberto Gil).

Em 1980, Francis, Olivia e Dorival Caymmi fizeram parte de um grupo de artistas brasileiros que foram se apresentar em Angola, entre eles também Chico Buarque, Martinho da Vila, Djavan e Clara Nunes. Na ocasião, Olivia cantou em dueto com o grande compositor dos mares, num dos momentos mais intensos da carreira dela.

Se Olivia não se desdobrasse na exigente função de diretora artística da Biscoito Fino, o público alemão certamente teria conseguido assistir à dupla mais cedo. Mas o investimento pessoal na gravadora situada no Rio de Janeiro, numa casa bem à sombra do Corcovado, é compensador. Com um catálogo valioso que inclui o selo Biscoitinho, Olivia se orgulha de a Biscoito Fino ter se tornado referência e estímulo para que surgissem outros selos fonográficos de música brasileira com prioridade na qualidade artística.

A novidade

Indagado pelo paradeiro da ópera sobre futebol que teria começado a compor em 1999, Francis Hime abriu o jogo, contando mais detalhes à DW Brasil. Ela será apresentada ano que vem, mais precisamente em maio, semanas antes da abertura da Copa do Mundo.

"A ópera conta a história de um ídolo do futebol brasileiro e de seus dois filhos. Um deles cresce e se torna também um craque, enquanto o outro entra para o tráfico de drogas." A ópera, escrita a quatro mãos com Silvana Gontijo, é calcada em gêneros musicais brasileiros como o samba, o choro e o baião.

Comentando a brasilidade da obra de Francis, o jornalista Ruy Castro o definiu da seguinte forma: "no passado, Francis escreveu sinfonias, peças de câmera e concertos para violão. Mas a música erudita é um país em si, supranacional, e Francis é brasileiro demais para se mudar para ele".

Como ilustre torcedor do Vasco da Gama, assim como Silvana e seu amigo Guinga, com quem lançou recentemente um CD, Francis não deixou de falar sobre o esporte das multidões, interpretando seu tema instrumental Falcão, um tributo ao ex-integrante da seleção canarinho, de um tempo em que o futebol no Brasil ainda era encarado como arte. Dessa que Francis Hime e Olivia também sabem fazer.