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Por que Vlad 3º, o Drácula histórico, chorava sangue

Alexander Freund | Augusto Valente
26 de agosto de 2023

Ele podia não sugar a jugular de suas vítimas, mas boa coisa o príncipe não era, pois mandou matar milhares de um modo especialmente cruel. Daí o cognome "Vlad, o Empalador". Suas cartas revelam que sofria de hemolacria.

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Voivode Vlad 3º da Valáquia
Voivode Vlad 3º da Valáquia não era nenhum modelo de bondadeFoto: United Archives/IMAGO

"Drácula": basta escutar esse nome para ficar de cabelos arrepiados. Um morto-vivo que durante o dia dorme num ataúde, só saindo à noite para sugar o sangue de suas vítimas com uma mordida na jugular.

Enfim: o mito do vampiro clássico, imortalizado sobretudo pelo cinema. Até aqui, é só ficção. Mas agora uma pesquisa vem confirmar que o Drácula histórico de fato sangrava pelos olhos.

Histórias de terror: a fascinação pelo macabro

A personagem que inspirou o romance homônimo do irlandês Bram Stoker, publicado em 1897, foi o voivode (príncipe) Vlad 3º (ca. 1428-1477), apelidado Drăculea (Filho do Dragão), que reinou com crueldade extrema na Valáquia, atual Romênia: a ele se atribuem mais de 80 mil mortes.

Cerca de 550 anos atrás, ele mandou empalar milhares de presos otomanos, também crianças. Esse suplício consistia em introduzir uma estaca ou lança pelo ânus da vítima e deixá-la morrer lenta e dolorosamente por hemorragia. Daí seu outro cognome: Vlad, o Empalador.

Proteínas misteriosas nas cartas do príncipe

Para saber mais sobre esse modelo histórico do mito dos vampiros, uma equipe liderada por Maria Pittala, da Universidade de Catânia, Itália, examinou três cartas manuscritas, enviadas por Vlad 3º entre 1457 e 1475 aos governantes da cidade de Sibiu. Duas delas jaziam há mais de cinco séculos, basicamente intocadas, nos arquivos municipais.

Ao todo, os cientistas encontraram 575 peptídios (cadeias de aminoácidos menores do que as proteínas) de origem humana diferentes: mesmo no simples ato de escrever uma carta, escamas da pele, suor e sebo se acumulam no papel, e suas proteínas são detectáveis até séculos mais tarde.

Além disso, pressionou-se sobre o documento uma película de acetato-vinilo de etileno (EVA, na sigla em inglês), que aglutina proteínas e peptídeos. As moléculas assim isoladas são classificadas pela técnica de espectrometria de massa.

Christopher Lee como: Drácula, o Vampiro
Christopher Lee, como: Drácula: romance de Bram Stoker conquistou a cultura popular através do cinemaFoto: akg-images/picture-alliance

Hemolacria: quando os olhos vertem sangue

Dos 575 peptídeos encontrados, isolaram-se 16 provavelmente pertencentes a Vlad. Deles, três eram de suas secreções lacrimais e sangue. Deduziu-se que ele sofria não só de infecções das vias respiratórias e da pele, mas de uma afecção rara que o fazia "chorar sangue".

"Ele provavelmente sofria, pelo menos nos últimos anos de vida, de hemolacria. Ou seja: vertia lágrimas misturadas com sangue", explica o professor Vincenzo Cunsolo, da Universidade de Catânia.

Em casos raros, infecções e lesões podem causar hemolacria – sangue nas secreções lacrimais. Outra causa possível é a presença de um tumor nas glândulas lacrimais.

Mais raramente ainda registra-se também esse fenômeno insólito durante a menstruação. Daí as narrativas de lágrimas de sangue em freiras ou mulheres profundamente beatas, como estigma religioso.

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Para além das lágrimas, a peste

Por mais espetacularmente macabra que pareça a noção de que o cruel Drácula chorava sangue, é preciso considerá-la com cautela: afinal, mesmo fechadas durante séculos nos arquivos de Sibiu, as cartas entraram em contato com diversos indivíduos.

Mas os autores do estudo argumentam: "De fato, não podemos decartar que na Idade Média outros também tenham pegado nessas cartas, mas é válido inferir que as proteínas mais acentuadas partam de quem as escreveu e assinou: Voivode Vlad 3º."

Além das sensacionais lágrimas de sangue do "vampiro" histórico, os pesquisadores de Catânia detectaram vestígios de Yersinia pestis, o extremamente perigoso bacilo da Peste Negra. "De 1347 até 1352, essa bactéria causou mais de 25 milhões de mortes na Europa: foram necessários 150 anos para a população do continente se recuperar dessa catástrofe", relata a equipe de Maria Pittala.

"O sul da Romênia era um local estrategicamente importante, servindo como ponto de encontro para soldados, escravos e comerciantes de toda a Europa e do Oriente." Assim, as massas em migração constante transportavam os patógenos causadores de catastróficas epidemias.