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A experiência arriscada da Itália

18 de maio de 2018

Casamento populista de conveniência que ocorreu no país é um perigo para a União Europeia, tanto do ponto de vista financeiro como na política externa, afirma o correspondente Bernd Riegert.

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Italienische Euroskeptiker verhandeln über Regierung
Grafite em Roma ironiza "romance" entre Luigi di Maio, do Cinco Estrelas, e Matteo Salvini, da LigaFoto: picture-alliance/dpa/A. Medichini

"O verdadeiro perigo para a Europa é a Liga." "O Movimento Cinco Estrelas seria a ruína da Itália." Essas duas frases, que os oponentes populistas usaram para se referir um ao outro, durante a campanha eleitoral, não valem mais.

O agrupamento antiestablishment Movimento Cinco Estrelas e os populistas de direita da Liga deitaram juntos na cama do poder e, num tempo relativamente curto, fecharam uma coalizão de governo. Uma coisa une esse dois grupos, um à direita e o outro mais à esquerda: eles não têm convicções, suas bandeirolas tremulam ao sabor do vento.

É assustador que a Itália, um dos países fundadores da União Europeia, tenha caído nas mãos de eurocéticos. Mas a maioria das eleitoras e dos eleitores, profundamente frustrados com o atual sistema partidário, preferiu assim.

Bernd Riegert
Bernd Riegert é correspondente em Bruxelas

O líder do Cinco Estrelas, Luigi di Maio, chamou essa aliança populista de conveniência de "histórica". Ainda há uma barreira a ser superada: falta chegar a um consenso sobre quem será o primeiro-ministro. As lideranças partidárias querem decidir isso até segunda-feira.

O programa de governo que os populistas amarraram é sobretudo uma coisa: caro. Ele promete redução de impostos para a clientela da Liga e bondades sociais para os eleitores do Cinco Estrelas. Os aposentados serão beneficiados e, ao mesmo, a economia será alavancada. Como isso tudo vai ser financiado, ninguém sabe.

Por ora, um consolo para os vigilantes orçamentários em Bruxelas é que também esse novo governo da Itália quer respeitar as regras de déficit orçamentário da União Europeia. Fica a esperança de que a realidade fiscal sirva de terapia de choque e cure as fantasias populistas.

Por enquanto nada indica que o Cinco Estrelas e a Liga serão tão folgados quanto o partido radical de esquerda Syriza foi na Grécia, em 2015. Os italianos aprenderam a lição do drama grego. Mas os dois partidos exigem renegociações dos tratados europeus e querem mudar as regras a favor da Itália. Isso será um processo moroso, que poderá ter efeitos sobre todos os campos políticos.

O novo governo italiano quer uma mudança radical na política migratória, não quer receber novos refugiados e quer deportar centenas de milhares de pessoas, se necessário também para outros países europeus. A Liga, um partido nacionalista que é associada a populistas de direita franceses, alemães e holandeses, planeja uma política à la Trump, ou seja, "a Itália em primeiro lugar".

Para os políticos tradicionais em Bruxelas, isso ainda poderá se tornar muito desagradável. É hora de parar de especular se a Alemanha e a França conseguirão se acertar sobre a reforma da zona do euro. Muito mais urgente é se a Itália, o terceiro maior país a adotar a moeda comum, ainda está no barco ou vai adotar um outro caminho.

A fórmula que dominou a campanha eleitoral italiana foi: a União Europeia é culpada por quase tudo e deve pagar – por exemplo pelos créditos podres de muitos bancos à beira da falência na Itália. O novo governo italiano pode se sentir tentado a criar uma moeda virtual paralela, com validade apenas entre o fisco e as empresas italianas. Com esse truque, ilegal pelas leis europeias, os populistas poderiam tentar diminuir artificialmente as enormes dívidas do país.

A questão central é: os mercados financeiros internacionais, que até aqui encararam de forma tranquila essa convulsão econômica histórica, vão continuar assim tão tranquilos. Os juros dos títulos italianos subiram levemente, mas ainda estão dentro do esperado. Antes da eleição, investidores chamaram uma grande coalizão populista de "pesadelo". Agora o pesadelo virou realidade. Por quanto tempo isso vai continuar bem?

O casamento populista na Itália também poderá virar um pesadelo para os europeus na política externa. Principalmente a Liga, mas também o Cinco Estrelas, cultivam excelentes relações com o Kremlin. Ambos defendem posições da Rússia. E ambos rejeitam com veemência sanções à Rússia. Nesse contexto, a posição da Itália em relação à guerra civil na Síria e ao acordo nuclear com o Irã vai mudar.

Uma coalizão de não políticos que é eurocética, pró-Rússia e economicamente aventureira indica que haverá tempos agitados na Europa – históricos, de fato, e também perigosos e extraordinariamente emocionantes.

Uma questão bem diferente é quanto tempo essa aliança vai durar. Se por acaso houver eleições antecipadas no próximo ano, o zumbi político chamado Silvio Berlusconi deverá voltar ao ringue. Esse manipulador experiente pode colocar os populistas em apuros. Aí os italianos teriam a opção de escolher entre o mal maior, Berlusconi, e o mal ainda maior, os populistas.

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Bernd Riegert
Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.