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"Negacionistas vão prosperar sem testemunhas do Holocausto"

Rebecca Ritters | Christoph Strack
18 de janeiro de 2023

Em entrevista à DW, diretor do Memorial do Holocausto em Israel diz ver aumento do antissemitismo no mundo. "Se você esperar para agir, o antissemitismo vai se tornar uma metástase de dimensões monstruosas."

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O diretor-executivo do Yad Vashem, Dani Daya, posa para foto no Memorial do Holocausto em Jerusalém.
O diretor-executivo do Yad Vashem, Dani Daya, diz ver aumento do antissemitismo no mundoFoto: Tania Kraemer/DW

"Infelizmente, o antissemitismo está se fortalecendo no mundo inteiro". A constatação é de Dani Dayan, diretor-executivo do Yad Vashem, o mais importante memorial do Holocausto do mundo, localizado no Monte da Recordação, em Jerusalém.

Aos 67 anos, Dayan, que já atuou como empresário e diplomata, visitará a Alemanha pela primeira vez na vida em 22 de janeiro para abrir uma exposição de objetos pessoais de judeus obrigados a fugir do regime nazista, que será exibida no Bundestag (Parlamento), em Berlim.

Nascido em 1955 na Argentina, Dayan mudou para Israel com a família em 1971, aos 15 anos. Entre 2007 e 2013, foi líder do Conselho Yesha, que representa assentamentos ilegais de Israel na Cisjordânia ocupada. Por esse motivo, sua nomeação como embaixador de Israel em Brasília teria sido rejeitada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, embora a diplomacia brasileira jamais tenha justificado a negativa. De 2016 a 2020, foi cônsul-geral de Israel em Nova York.

Em entrevista à DW no Yad Vashem antes da visita, o diretor do memorial diz que seu passado político não importa mais, já que sua missão atual é "sagrada".

Na entrevista, Dayan também comentou o reaparecimento do antissemitismo no mundo e sua relação com a distância temporal do Holocausto. "[Quando não houver mais testemunhas vivas do Holocausto] estou convencido de que será um momento feliz para os negacionistas, para quem minimiza [a realidade], pessoas que também existem hoje. Eles vão prosperar. E essa é uma das razões pelas quais estamos numa corrida contra o tempo", alerta.

DW: O senhor jurou que nunca visitaria a Alemanha, país responsável pelo assassinato de seis milhões de judeus. Mas, agora, o senhor está de fato indo a Berlim com uma exposição especial do museu aqui de Yad Vashem. Por que mudou de ideia?

Dani Dayan: Tomei a decisão de nunca visitar a Alemanha quando era muito novo. Mas não tem nada a ver com ódio ou algo assim. Pelo contrário, tem tudo a ver com memória.

Existe uma tradição judaica muito interessante. Há judeus que mantém um pequeno pedaço de um muro no seu apartamento, no seu lar, sem pintá-lo. Por quê? Para lembrar a destruição de Jerusalém há 2 mil anos – toda vez que veem [o pedaço sem tinta], lembram que Jerusalém foi destruída há 2 mil anos. Na época, o templo foi destruído.

Essa é a razão pela qual tomei essa decisão. É minha mancha na parede. Quando olho para o mapa com os lugares que visitei, vejo uma mancha branca no mapa da Europa. É a Alemanha. E lembro que não visito a Alemanha. É para demonstrar meu respeito aos 6 milhões de judeus que foram assassinados.

Por que é tão difícil acabar com o antissemitismo?

Mas a mesma razão que me impediu de visitar a Alemanha até hoje é o motivo que agora me leva à Alemanha como diretor-executivo do Yad Vashem. Porque, como diretor do Yad Vashem, ao visitar a Alemanha, tenho a habilidade de amplificar a memória da Shoah, de amplificar o respeito às vítimas – não só num plano pessoal, mas com uma base muito mais ampla, porque [a visita] será documentada e vista, e a exposição será vista por muitas pessoas. Basicamente, é a mesma decisão – as circunstâncias mudaram. Minha decisão, não.

O Yad Vashem está completando 70 anos. Como ele foi desenvolvido nessas sete décadas como o principal memorial às vítimas do Holocausto?

Desenvolveu-se completamente. Em primeiro lugar, o fato de o Yad Vashem ter sido estabelecido por uma lei do Knesset (Parlamento israelense) em 1953, mas na realidade a coleta de documentação de arquivo começou até antes disso. Foi no final dos anos 1940, antes mesmo do estabelecimento do Estado de Israel. Mas penso que o que começou como um arquivo e um monte de monumentos evoluiu para uma instituição multifacetada que é, como você disse, a mais proeminente, a mais importante instituição de memória do Holocausto no mundo.

Alguns dos artefatos que temos aqui levam qualquer ser humano às lágrimas assim que colocam os olhos neles: a maior biblioteca, a maior coleção de arte. Coleção de arte – a arte que foi produzida durante o Holocausto ou imediatamente depois, o que é algo extraordinário.

É um arquivo notável que o senhor conseguiu recolher ao longo de anos. Mas, infelizmente, à medida que os anos passam, sabemos que muitos sobreviventes estão morrendo e continuarão morrendo. Um dia, não restarão, naturalmente, sobreviventes vivos do Holocausto. Como o senhor pensa que o fato de não haver mais sobreviventes afetará a memória da Shoah, e qual é a melhor forma de manter viva essa memória?

Será um grande desafio. É evidente que o nosso trabalho será muito mais difícil, mas ele também será muito mais importante. Porque, quando isso acontecer, estou convencido de que será um momento feliz para os negacionistas, para quem minimiza [a realidade], pessoas que também existem hoje. [Quando não houver mais testemunhas vivas do Holocausto] Eles vão prosperar. E essa é uma das razões pelas quais estamos numa corrida contra o tempo.

Estamos vendo um aumento no antissemitismo em todo o mundo. Trata-se de um fenômeno sobre o qual o senhor já falou muito. De que maneira o senhor enxerga esse fato se concretizando?

Vou contar uma história pessoal. Cheguei a Nova York em agosto de 2016 para atuar como cônsul-geral de Israel lá, convencido de que o antissemitismo seria uma das últimas prioridades da minha agenda. Mas, durante meu período em Nova York, 15 judeus foram mortos nos Estados Unidos em ataques antissemitas. Não foram apenas atacados, foram assassinados.

Então, o antissemitismo está voltando a prosperar no mundo. O que eu digo aos líderes mundiais que vêm ao Yad Vashem – especialmente aos líderes mundiais – é: quando você vê antissemitismo, aja imediatamente. Não espere. Se você esperar, o antissemitismo vai se tornar uma metástase de dimensões monstruosas e será impossível pará-lo.

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O senhor já falou nisso, mas acredito que esse também é um ponto importante: a distância temporal entre o Holocausto e os dias atuais. O senhor considera que há uma correlação com o reaparecimento do antissemitismo?

Sim e não. Antissemitismo é antissemitismo é antissemitismo. Mas não estamos na Alemanha dos anos 1930. A diferença entre a nossa geração – a geração contemporânea, judeus e não-judeus – e a geração dos anos 1930 (judeus e não-judeus) é que temos experiência. Sabemos o que pode acontecer.

Provavelmente, eles tinham o privilégio de acreditar, ou a ingenuidade de acreditar, que podiam queimar livros e que podiam queimar sinagogas, mas que nunca queimariam seres humanos.

Nós não temos esse privilégio. Sabemos que podemos chegar a queimar seres humanos. Essa é a diferença. E isso nos dá uma responsabilidade adicional de combater o antissemitismo e o racismo e a xenofobia, não só o antissemitismo.

Mas o antissemitismo é, empiricamente, a forma mais letal de racismo. Por isso, temos que agir agora.

Como o senhor enxerga o papel do Yad Vashem no combate ao antissemitismo?

O papel do Yad Vashem é lembrar e fazer lembrar a Shoah. Somos uma organização. Penso que seis milhões de judeus que foram massacrados na Shoah têm direito a uma organização e instituição dedicada exclusivamente a eles. Mas a própria essência da memória da Shoah é uma ferramenta muito poderosa para combater o antissemitismo.

Vou dar um exemplo das últimas semanas. Houve duas celebridades americanas muito conhecidas que fizeram declarações muito preocupantes. Uma delas é Kanye West. Ele é claramente um antissemita. Eu não convidaria Kanye West a vir ao Yad Vashem porque é perda de tempo. Provavelmente, ele até gostaria do Yad Vashem porque o museu tematiza judeus mortos. Whoopi Goldberg, por outro lado, disse que a Shoah não era uma questão de raça, que foi um choque, um conflito entre dois grupos brancos, o que é besteira. Isso não é antissemitismo, é ignorância.

Ela simplesmente não conhece os fatos de os nazistas terem visto o povo judeu – com ou sem razão – como uma raça. E não houve conflito entre os judeus e os nazistas. Houve um massacre dos judeus pelos nazistas. Portanto, em vez de suspender Whoopi Goldberg por duas semanas, a emissora dela devia tê-la enviado ao Yad Vashem. Porque Goldberg pode ser educada. Já Kanye West é perda de tempo.

Não tentamos reeducar quem é antissemita. Tentamos educar pessoas razoáveis – que acredito serem a grande maioria – para se posicionarem contra o antissemitismo.

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Quais suas expectativas, esperanças ou até temores durante sua visita à Alemanha?

Tenho reservas pessoais, mas isso resolvo comigo mesmo. Além de abrir a exposição no Bundestag Parlamento alemão) com a presidente da Casa [Bärbel Bas], vou encontrar toda a liderança [política] alemã: o presidente [Frank-Walter Steinmeier], o chanceler [federal, Olaf Scholz], diversos ministros, líder da oposição.

Precisamos pensar juntos. Quero pensar junto com eles para dar-lhes – com toda modéstia – conselhos sobre como manter a chama da memória do Holocausto acesa.

Há uma discussão acadêmica sobre se a Shoah é única ou sem precedentes. "Única" quer dizer que aconteceu uma vez e que não se repetirá. "Sem precedentes" quer dizer que não aconteceu antes, mas que pode acontecer novamente.

Como manter a Shoah única? Educando, legislando e aplicando as leis para garantir que esse terrível evento do século 20 nunca aconteça de novo. Nem contra o povo judeu, nem contra qualquer outro povo, nem na Alemanha, nem em qualquer outro país.

Christoph Strack Repórter, escritor e correspondente sênior para assuntos religiosos@Strack_C