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"Mesmo com mudanças, reforma tributária continua favorável"

Fábio Corrêa
10 de novembro de 2023

Texto aprovado no Senado prevê alíquotas reduzidas para vários setores. Para pesquisador, mesmo com as mudanças, a reforma tributária é positiva. "Ela simplifica nosso sistema tributário, um dos mais complexos do mundo"

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Foto: rafapress/Zoonar/picture alliance

O Senado aprovou, na quarta-feira (08/11), a Proposta de Emenda à Constituição 45/2019, que trata da reforma tributária brasileira. O texto teve 53 votos favoráveis e 24 contrários em ambos os dois turnos. Agora, o projeto volta à Câmara para ser apreciado novamente.

Entre as principais mudanças está a unificação de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) em dois, o CBS e o IBS. A promessa é que seja mantida a arrecadação atual, e a transição do sistema atual para o proposto pela PEC ocorrerá num processo de sete anos, até 2032. Em 2033, os impostos atuais serão substituídos pelos novos tributos. Esses impostos únicos, chamados também de IVAs, terão alíquotas únicas, que devem ficar entre 25% e 27,5%.

Alguns setores, como serviços de educação, saúde, medicamentos, transporte e alimentos terão alíquotas reduzidas. Profissionais liberais, como advogados e engenheiros, também deverão ter um incentivo de 30%, de acordo com a versão do texto que passou no Senado.

Para Fabrício Costa Resende de Campos, professor do Departamento de Ciências Contábeis da Unifesp e pesquisador em direito tributário da Universidade de Leeds, na Inglaterra, e sócio do escritório Manucci Advogados, mesmo com as mudanças na tramitação, a reforma tributária é positiva.

"O IVA simplifica a sistemática de apuração, cria uma base ampla de tributação e de creditamento, o que possibilita uma redução da carga tributária final ao consumidor, tornando mais adequada a tributação, inclusive com o que se pratica no mundo. Não precisamos inventar a roda”, diz ele.

DW Brasil: O texto da reforma tributária sofreu várias alterações, desde a proposta inicial, de 2019. Houve alterações na Câmara e, mais recentemente, no Senado. O texto que foi aprovado nesta quarta-feira pelos senadores continua sendo capaz de melhorar e simplificar as condições tributárias do país?

Fabrício Costa Resende de Campos: Mesmo que a reforma tributária que tenha passado no Senado tenha algumas emendas, ela ainda continua sendo muito favorável. Ela simplifica nosso sistema tributário, que é um dos mais complexos do mundo e foi estabelecido em um formato em que os diferentes entes políticos tinham competências tributárias específicas.

Hoje, essa reforma visa instituir uma sistemática como um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que é basicamente praticado no mundo inteiro, excluindo o Brasil. O IVA simplifica a sistemática de apuração, cria uma base ampla de tributação e de creditamento, o que possibilita uma redução da carga tributária final ao consumidor, tornando mais adequada a tributação, inclusive com o que se pratica no mundo. Não precisamos inventar a roda.

Um dos principais pontos da reforma é justamente a criação desse imposto único, que vai unificar tributos: PIS, Cofins e IPI, de competência da União, viram Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); já ICMS, que é do Estado, e o ISS, municipal, viram o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será dividido entre Estados e municípios. Qual o impacto dessa mudança?

Um bombom de chocolate é um exemplo clássico. Ele antes era classificado como chocolate, que tem uma alíquota de IPI maior que biscoito. Mas, hoje, eles colocam a informação do produto como sendo biscoito recheado. Porque mudaram algo que antes era muito comum? Justamente para adotar uma alíquota de IPI menor. Faz-se uma suposta modificação na apresentação do produto ou até a forma como se nomeia esse produto no mercado, para poder enquadrá-lo numa alíquota menor.

Esse é o grande problema. Se adotamos alíquotas diferenciadas, os agentes econômicos racionais vão indicar classificações de serviços e produtos como de menor alíquota. Você cria um incentivo para pagar menor carga possível. Não é que isso seja condenável, mas é o que a realidade.

Querendo ou não, todo mundo quer maximizar a lucratividade. Se adoto uma alíquota única, tiro essa complexidade do sistema de forma que os agentes se conformem à realidade. Pouco importa se meu chocolate é biscoito ou o biscoito é chocolate: há só uma alíquota.

Muitos setores reclamam que vão ter que pagar mais impostos. Alguns dizem que o IVA, que pode chegar a 27%, seria um dos maiores do mundo. Existe uma conta possível de se fazer, no sistema tributário pré-reforma, que indique quanto pagamos de imposto em média – a título de comparação?

Essa conta é impossível de ser realizada na sistemática tributária brasileira. Sabemos que há diversos tributos incidentes de diversos entes políticos. Dentro dessa cadeia, tenho vários tributos diferentes, que são extremamente cumulativos.

Não consigo estabelecer, de uma forma clara, qual é a alíquota efetiva para o consumidor final. Talvez o governo federal fale em algo em torno de 25%, mas também há manifestações mais recentes com 27,5%, porque a União é dotada de informações dos contribuintes.

Ainda há exceções dentro da reforma tributária, como para taxistas, SAFs do Futebol e profissionais liberais, por exemplo. Esse tratamento diferenciado é justificado?

Não acho justificável. Alguém vai ter que pagar essa conta. Isso vai implicar no aumento de tributação geral em todos os produtos e serviços. Meu questionamento é se a redução da alíquota para esses setores e produtos realmente implicará numa redução de preço.

Não consigo afirmar isso de forma categórica. O que essa redução dá é aumento de margem de lucro para varejista, não significa que será repassado para o consumidor final.

Muito tem sido dito que a reforma tributária vai reduzir a tributação progressiva do consumo, que, na prática, faz com que as classes mais baixas paguem mais impostos que quem está no topo da pirâmide. Com todas as mudanças que aconteceram, podemos dizer que a reforma vai tornar nosso sistema de impostos mais justo?

Sim. Com o IVA, sabemos que conseguimos tributar o consumo de uma forma mais adequada para aqueles que possuem maior condição econômica. Ele vai permitir uma tributação mais adequada para as pessoas mais ricas.

O rico tem uma condição de fazer mais poupança que o pobre, o que significa que os rendimentos dele não são integralmente destinados a produtos de consumo. Quem tem menos poder aquisitivo destina o salário quase integralmente ao consumo: alimentação, energia, aluguel. São pessoas que vivem no fio da navalha, dificilmente fazem poupança. Com o IVA, fazemos as pessoas mais ricas, que consomem produtos de maior valor agregado, arquem com uma tributação mais elevada.

Onde e quando o cidadão brasileiro vai perceber, no dia a dia, os efeitos dessa reforma?

Acho que, no dia a dia, não vamos perceber. Não é uma reforma que vai fazer com que os preços caiam na gôndola do supermercado imediatamente. O que nós tributaristas entendemos, o que implicará para a população, é que isso representará um maior transparência nas informações.

Vai haver também uma atratividade maior do capital estrangeiro para investimento no Brasil, pois vamos ter um sistema tributário semelhante ao que é feito nos demais países do mundo. Isso facilita a geração de negócios, pode tornar o país mais atrativo e acabar gerando mais empregos para geração. Há estudos que mostram aumento no PIB com a reforma, justamente pela facilidade de geração de negócios.

Entre estados, municípios e União: algum desses entes vai perder arrecadação com a unificação dos impostos?

Em termos de arrecadação global, não é o objetivo da reforma tributária reduzi-la. Não vamos ter um impacto de redução da arrecadação geral.

Mas o que provavelmente vai acontecer é que, com o fim da guerra fiscal, o movimento, por exemplo, de uma indústria de São Paulo para Minas Gerais pode deixar de acontecer.

Vamos ver essas indústrias e empresas nos locais onde elas deveriam estar de verdade, o que fomentaria negócios de forma mais eficiente, não levando em consideração os impostos.

Como a arrecadação vai ser centralizada e distribuída de forma equânime, não vai haver uma redução imediata de arrecadação. Mas os municípios e estados que perderem essa atratividade com o fim da guerra fiscal vão ter impactos outros, como a perda de empregos e de toda uma cadeia acessória, que fica próxima a essas indústrias.

Vamos ter modificações, até sobre a perspectiva demográfica, com novos fluxos de pessoas. Isso vai exigir do governo federal, principalmente, investimentos mais massivos em outras estruturas, como cadeias logísticas, para manter essas empresas em outros estados que tenham dificuldades de mão de obra e insumos. Estamos falando de estradas, sistema ferroviário – investimentos que não têm acontecido há alguns anos.