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Genética é nova chave para tratamento de esclerose múltipla

Carla Bleiker
29 de junho de 2023

Cientistas identificam variante genética que acelera o avanço da EM. Em contraste com medicação puramente sintomática, abre-se esperança de se desenvolverem novos tratamentos, atacando o caráter progressivo da doença.

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Homem sentado em cadeira de rodas
Até agora, medicação contra EM tem se voltado para minorar surtosFoto: Dragos Condrea/colourbox

Uma equipe científica internacional descobriu a primeira variante genética relacionada à progressão da esclerose múltipla (EM). Para tal, analisaram-se dados de cerca de 22 mil pacientes, num estudo abrangendo todo o genoma humano, empregando técnicas estatísticas para minuciosamente associar variantes genéticas a características específicas.

Os pesquisadores da Universidade da Califórnia, San Francisco (USCF) e de Cambridge, no Reino Unido, concluíram que herdar essa variante de ambos os genitores acelera o período até serem necessários dispositivos de suporte de caminhada em quase quatro anos, em média, em comparação com outros portadores de EM.

Novo estudo aponta conexão entre esclerose múltipla e vírus

A variante em questão se localiza entre dois genes, um envolvido no reparo de células danificadas e o outro no controle de infecções virais. Ambos são ativos no cérebro e na medula espinhal.

"Esse é um indício convincente de como o grau de severidade da esclerose múltipla é profundamente influenciado pela capacidade do cérebro de resistir aos ataques ao sistema imunológico", comenta Stephen Sawcer, professor de neurologia da Universidade de Cambridge e coautor do estudo publicado na revista Nature.

Tendo se ocupado da EM desde meados da década de 90, ele considera a identificação da variante um grande avanço na pesquisa: "Venho trabalhando nisso há várias décadas, e essa é a coisa mais importante que já descobri."

Amplo leque de sintomas

A esclerose múltipla é uma enfermidade autoimune, em que o sistema imunológico equivocadamente ataca o cérebro e a medula espinhal, danificando a mielina, a estrutura adiposa que circunda e isola as fibras nervosas. Isso compromete a capacidade do sistema nervoso de transmitir sinais elétricos.

Os surtos de EM apresentam sintomas diversos, incluindo dormência e formigamento dos membros, rosto ou tronco, alterações de humor, lapsos de memória, dor, fatiga, cegueira e paralisia. A gravidade e frequência desses ataques varia grandemente, de caso para caso.

Imagens de crânio humano em monitor de tomógrafo
Identificação de variante genética mostra que progressão da EM é detida pela capacidade do cérebro de resistir aos ataques ao sistema imunológicoFoto: Jens Wolf/dpa/picture-alliance

"Alguns pacientes não apresentam nenhum sintoma, às vezes só se constata post-mortem que tinham EM", explica Sawcer. "Podem ter sintomas bem brandos que os afligem uma época e aí não voltam por muito tempo. Na semana passada, atendi uma paciente que havia visto pela primeira vez 15 anos atrás, que esteve perfeitamente bem no meio tempo, e agora voltava com um novo episódio. Ou os sintomas podem ser muito graves: a mulher na cama do lado estava muito incapacitada, mal conseguia se alimentar."

Todas as variantes genéticas relacionadas à esclerose múltipla identificadas anteriormente influenciavam o grau de risco de desenvolver a doença. A atual é a primeira a dar uma ideia de onde o paciente deverá se situar no espectro de gravidade dos sintomas: um dado importante para o desenvolvimento de tratamentos.

Atacando a progressão da EM

Atualmente encontram-se no mercado diversos medicamentos para tratar os sintomas da esclerose múltipla, mas nenhum que aborde seu avanço global. Assim, alguns pacientes pioram mais rápido do que outros.

"Todas as drogas desenvolvidas para controlar os surtos são imunomoduladoras, o que condiz com a genética das mais de 200 variantes associadas ao risco de EM", explica um dos principais autores do estudo, professor de neurologia da UCSF Sergio Baranzini. "A genética da severidade da doença agora sugere que o sistema nervoso central deveria ser o alvo dessa nova classe de terapia."

Sawcer enfatiza que o fato de os pacientes que herdaram duas cópias da variante recém-identificada precisarem mais cedo de auxílio de caminhada não significa que se possa fazer previsões personalizadas sobre o decorrer da EM. Para tal, será necessário identificar muitas outras variantes, em estudos abarcando todo o genoma humano.

Ainda assim, agora que é possível apontar uma variante específica associada à progressão da enfermidade, e como ela envolve genes normalmente ativos no cérebro, é muito mais provável que as companhias farmacêuticas passem a investir no desenvolvimento de um remédio direcionado para a progressão.

"A principal necessidade não atendida dos pacientes de esclerose múltipla é um medicamento, um tratamento para o aspecto progressivo da doença", reforça o neurologista. "E as perspectivas de se obter isso modificaram-se radicalmente hoje."