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Erros do governo Merkel alimentaram a guerra na Ucrânia?

9 de abril de 2022

Críticos veem na invasão uma prova do fracasso da política alemã de apaziguamento e dependência em relação à Rússia. Reprimendas são especialmente dirigidas a Merkel, mas também a outras personagens políticas.

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Merkel e Putin em agosto de 2021
Merkel recebe flores de Putin em visita a Moscou em agosto de 2021Foto: Sputnik/REUTERS

Ao comentar o massacre de civis em Bucha, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, culpou as tropas russas, mas também fez sérias acusações à  ex-chanceler federal alemã Angela Merkel. Ele a convidou para visitar Bucha e ver "a que conduziu a política de concessões à Rússia em 14 anos", disse Zelenski.

Há 14 anos, em uma cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em Bucareste, Merkel e o então presidente francês Nicolas Sarkozy, em particular, agiram para que a Ucrânia não recebesse um convite para ingressar na aliança militar ocidental. Eles tentavam evitar provocar a Rússia. Hoje, Zelenski chama isso de "erro de cálculo", que, segundo ele, fez com que a Ucrânia esteja passando agora "pela pior conflito da Europa desde a Segunda Guerra Mundial".

Nord Stream 2 aprovado após anexação da Crimeia

O governo Merkel também se recusou a entregar armas à Ucrânia após a anexação russa da Crimeia em 2014. E ainda aprovou o gasoduto Nord Stream 2 pouco tempo depois, contornando a Ucrânia como país de trânsito de gás. "De que outra forma Moscou deveria entender isso, a não ser como uma aceitação tácita de uma mudança violenta de fronteiras?" questiona Henning Hoff, do Conselho Alemão de Relações Exteriores.

O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, também se dirigiu diretamente a Merkel: "Senhora chanceler, você tem estado em silêncio desde o início da guerra. No entanto, é precisamente a política da Alemanha nos últimos 10, 15 anos, que levou à força da Rússia hoje, com base no monopólio da venda de matérias-primas". E, sob o chanceler federal Olaf Scholz, a Alemanha está bloqueando sanções mais decisivas da UE, acusou Morawiecki.

Merkel e Scholz não são os únicos que estão sob fogo no momento. Andrij Melnyk, embaixador da Ucrânia em Berlim, acusou o presidente alemão e ex-ministro do Exterior, Frank-Walter Steinmeier, no jornal Tagesspiegel de ainda encarar cegamente a relação com a Rússia como "algo fundamental, mesmo sagrado, não importa o que aconteça, nem mesmo a guerra de agressão desempenha um papel importante". Provavelmente nunca antes na história da República Federal da Alemanha um embaixador estrangeiro foi tão duro com um chefe de Estado alemão.

Política externa de Berlim foi "grande autoengano"

As críticas não atingem apenas os indivíduos, mas toda a política externa, de segurança e comercial alemã dos últimos 30 anos. "Houve demasiado diálogo e muito pouca dureza em relação ao Kremlin", afirmou o embaixador Melnyk.

O cientista político Stephan Bierling, da Universidade de Regensburg, confirmou esta avaliação à DW: "Todos os governos alemães desde que Putin assumiu o poder têm sinalizado que relações descomplicadas com Moscou são mais importantes do que o destino da Ucrânia. Isto encorajou o Kremlin a lançar seu ataque".

Bierling já havia classificado a política externa alemã dos últimos anos como um "grande autoengano" na revista política Cicero em 24 de março. Sob a constante proteção militar dos EUA, a Alemanha teria "cedido às ilusões pacifistas" e se concentrado apenas em seus próprios negócios.

Ingenuidade em relação a Pequim

Bierling também vê este padrão na política da China: "Agradar para receber vantagens econômicas, aplicar ideias ingênuas de influência liberalizante de um império a partir do exterior, sacrificar ideais democráticos como os direitos humanos e a liberdade de expressão para não irritar os que estão no poder".

É verdade que vários governos europeus, assim como Washington, criticaram durante anos a política da Alemanha em relação à Rússia −  e também à China. Mas isso não foi ouvido em Berlim − até que o exército russo invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro.

Steinmeier admite erros

Quando a guerra começou, o chanceler federal Olaf Scholz falou de um "ponto de virada". Será que ele também quis dizer "mudança fundamental na política externa alemã?"

Presidente alemão Steinmeier
Steinmeier admitiu erros na política com a RússiaFoto: Michael Sohn/AP/picture alliance

Na última terça-feira, o presidente Steinmeier reconheceu publicamente que errou em relação à Rússia, especialmente sobre a questão do Nord Stream 2, que custou muita credibilidade à Alemanha.

"Nós falhamos em construir uma casa europeia comum", disse Steinmeier. "Eu não acreditava que Vladimir Putin abraçaria a completa ruína econômica, política e moral de seu país por causa de sua loucura imperial", acrescentou. "Nisto, eu, como outros, estava enganado."

Entretanto, quando Putin tomou posse, não havia como saber como ele se comportaria com o tempo, completou Steinmeier.

Henning Hoff discorda: Desde a segunda guerra da Tchechênia, iniciada em 1999, quando Putin era ainda primeiro-ministro, já era possível reconhecer o caráter "criminoso, hipernacionalista" do líder russo, argumenta.

Alexander Dobrindt, chefe do grupo parlamentar do partido conservador CSU, na oposição ao governo Scholz atualmente, é um dos poucos políticos alemães que ainda defende a política tradicional de incentivar mudanças através do comércio. Ele afirma que o objetivo dela era garantir a paz e criar prosperidade comum. No entanto, Putin destruiu isso. "Mas, na época, essas decisões não estavam fundamentalmente erradas", disse Dobrindt.

Merkel: Ucrânia não deve entrar na Otan

Com exceção de uma declaração divulgada imediatamente após a invasão russa na Ucrânia, Angela Merkel tem evitado se manifestar. O que se sabe é que ela não lamenta sua decisão, em 2008, de bloquear a adesão da Ucrânia à Otan.  Ela "mantém suas decisões em relação à cúpula de Bucareste em 2008", anunciou uma porta-voz da Merkel.

E esta posição ainda é o consenso dentro da própria Otan: a maioria dos membros da aliança militar está feliz por não ser obrigada a prestar assistência militar à Ucrânia porque não quer ser arrastada para uma guerra direta com a Rússia.

Olaf Scholz
Scholz é acusado de bloquear maior rigor contra RússiaFoto: Christoph Reichwein/IMAGO

O sucessor de Merkel, Olaf Scholz, também vê as coisas dessa maneira. Entretanto, ele tem incentivado mudanças na área de defesa. Hoje, o governo alemão, chefiado por um social-democrata  e um vice-chanceler federal verde, anunciou que querrearmar maciçamente a Bundeswehr (as Forças Armadas da Alemanha) e também está fornecendo armas para a Ucrânia, "numa ruptura com longas tradições", como definiu Scholz na quarta-feira.

Bundeswehr é "motivo de piada"

O que os dois especialistas em política externa aconselham ao governo alemão? Sanear a Bundeswehr, que é "percebida como motivo de piada" tanto por nações aliadas quanto inimigas, aconselha Bierling. O governo alemão deve desenvolver primeiro uma estratégia de segurança europeia e depois uma estratégia de segurança global. E ele sente falta de "políticos na Alemanha especializados em questões de segurança. Com poucas exceções, nenhum dos partidos têm muito a oferecer".

De acordo com Hoff, o objetivo deve ser: o abandono ainda mais rápido do uso de combustíveis fósseis; no aspecto militar, a Alemanha deve "tornar-se um player capaz de desempenhar um papel na Otan e na UE de forma proporcional ao seu peso econômico"; e ainda incentivar uma "política de europeização da Rússia e da China".

Mediação alemã ainda é necessária

Isso no entanto não significa que a diplomacia e a mediação alemãs não sejam mais necessárias.  O embaixador da Ucrânia pede armas alemãs, mas também apelou aScholz para ser mais ativo na mediação do conflito Rússia-Ucrânia.

"Precisamos da liderança pessoal do chanceler federal Olaf Scholz hoje em particular" para negociações com Putin, disse Melnyk em uma entrevista. "Isso seria um teste decisivo para a nova política externa alemã".

Neste contexto, Melnyk também defende o chamado "Formato Normandia", ou seja, reuniões regulares entre França, Alemanha, Rússia e Ucrânia, que se originaram em grande parte no governo Merkel. "Pedimos ao chanceler federal Scholz que convoque a Cúpula do Formato Normandia o mais rápido possível".

Entretanto, a composição atual não é suficiente para Melnyk, e isto pode refletir uma certa desconfiança em relação a Berlim: "Também está claro que precisamos dos americanos a bordo para negociar com Putin com uma só voz e a partir de uma posição de força."