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Enzimas podem ajudar a resolver a crise do plástico?

Alistair Walsh
19 de maio de 2023

Ciência avança na pesquisa sobre enzimas capazes de decompor plástico, abrindo caminho para nova forma de reciclar esse vilão do meio ambiente. Mas com o planeta produzindo-o cada vez mais, seria uma solução realista?

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Mulheres em meio a montanha de lixo plástico
Montanha de lixo plástico: cerca de 600 bilhões de garrafas PET são produzidas globalmente por anoFoto: Joy Saha/ZUMA Press/picture alliance

Foi debaixo da terra, do lado de fora de uma fábrica de plástico, que o pesquisador Uwe Bornscheuer, da Universidade de Greifswald, na Alemanha, encontrou sua descoberta.

As bactérias que vivem ali continham enzimas com capacidade de quebrar o poliuretano – o polímero usado para criar a espuma de tênis de corrida, colchões e isolamento doméstico.

Cerca de 16 milhões de toneladas de poliuretano à base de combustíveis fósseis são descartadas a cada ano, e dois terços acabam em aterros sanitários ou incinerados para geração de energia. O pouco que é reciclado é em grande parte triturado e transformado em produtos de qualidade inferior, como forro de carpete.

Mas Bornscheuer afirma que suas enzimas, conhecidas como uretanases, podem revelar uma nova maneira de reciclar o polímero. Usando funções naturais, elas são capazes de decompô-lo rapidamente em suas partes constituintes, que podem ser usadas para gerar um novo poliuretano de uma maneira mais ecológica.

"Pegamos pedaços de material de poliuretano, jogamos em um recipiente, jogamos a enzima. E ele foi completamente decomposto depois de dois dias", conta Bornscheuer. "Estou muito confiante de que, com os métodos usados no meu campo [de estudo], pode-se projetar enzimas para fazer isso em poucas horas."

Feita dessa maneira, a reciclagem de polímeros como o poliuretano criaria um produto final de qualidade muito superior ao da reciclagem mecânica – além de que seria mais sustentável e eficiente do que a reciclagem química disponível hoje.

Pequenas enzimas contra montanhas de plástico

César Ramírez-Sarmiento, professor associado do Instituto de Engenharia Biológica e Médica da Pontifícia Universidade Católica do Chile, descreve as enzimas, que são um tipo de proteína, como "as entidades que realmente cuidam de unir as coisas ou separá-las".

Mas com 460 milhões de toneladas de plástico à base de petróleo e gás fabricadas em 2019 – um volume que deve triplicar até 2060 – e apenas 9% dele reciclado por meios convencionais, as enzimas que desintegram plástico precisariam trabalhar em montanhas de lixo: cerca de 1 bilhão de toneladas anualmente até 2060.

Já houve algum sucesso no uso das enzimas chamadas PETase para quebrar o tereftalato de polietileno, ou PET, que é comumente usado em garrafas, roupas e embalagens.

A empresa francesa Carbios – parcialmente financiada por gigantes de bens de grande consumo como a Nestlé e a PepsiCo, além de companhias de roupa e beleza como Patagonia, Puma e L'Oréal – desenvolveu uma fábrica de demonstração na região francesa de Clermont-Ferrand que seria capaz de decompor duas toneladas de PET em dez horas usando enzimas modificadas.

Estrutura tridimensional de enzimas que degradam plástico ligadas a um pedaço de um polímero de PET
Estrutura tridimensional de enzimas que degradam plástico ligadas a um pedaço de um polímero de PETFoto: Cesar A. Ramirez-Sarmiento

Os PETs descartados são primeiro transformados em pastilhas, as quais as enzimas PETase reduzem a monômeros e impurezas. Esses monômeros – moléculas orgânicas que formam polímeros sintéticos – podem então ser usados para fabricar produtos PET 100% reciclados. Eles também podem dar origem a itens totalmente diferentes, como medicamentos. As impurezas e as enzimas, por outro lado, são incineradas.

A empresa está atualmente construindo um local de produção com capacidade para decompor 50.000 toneladas por ano – o equivalente a 2 bilhões de garrafas plásticas. A previsão é que esteja em funcionamento em 2025.

Enquanto cerca de 600 bilhões de garrafas PET são produzidas globalmente a cada ano, pesquisadores de todo o mundo trabalham para encontrar novas enzimas capazes de quebrar o PET de maneira mais eficiente e rápida e sob várias condições de temperatura e pressão. Ramírez-Sarmiento tem pesquisado até na Antártida em busca de novas enzimas que operem a temperaturas baixas.

E os outros plásticos?

O interesse pela tecnologia de degradação por enzimas aumentou nos últimos anos, depois que países da Ásia passaram a recusar lixo plástico de outras nações, afirma Dongming Xie, professor associado de engenharia química da Universidade de Massachusetts Lowell, nos Estados Unidos.

"Acho que essa será a direção do futuro. Temos que fazer dessa forma. Não apenas com plásticos PET", diz Xie.

Uma descoberta feita por acaso em 2012 pela bióloga molecular Federica Bertocchini mostrou-se promissora para o polietileno (PE), que é usado em sacolas plásticas, embalagens de alimentos e recipientes, e representa cerca de 30% do plástico gerado.

Apicultora por hobby, Bertocchini estava extraindo traças da cera de suas colmeias e as coletando em um saco plástico quando percebeu que as larvas haviam criado buracos no saco.

Isso levou a uma pesquisa de anos com foco nas enzimas, conta Bertocchini, pesquisadora principal do Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha e diretora de pesquisa da Plasticentropy, focada em degradação de plástico por enzimas.

Mão segura recipiente de vidro com traças da cera
Traças da cera contêm enzimas capazes de quebrar o polietilenoFoto: Cesar Hernandez/CSIC/ROPI/picture alliance

A saliva das traças da cera continham duas enzimas capazes de decompor o polietileno em suas partes componentes. Ao contrário do PET, no entanto, esse tipo de plástico não pode ser usado facilmente para produzir um novo polietileno. Tampouco são considerados lixo. Em vez disso, pesquisas iniciais mostram que os produtos podem ser reciclados para outros usos industriais.

O que resulta da decomposição do PET, por exemplo, pode ser transformado no principal componente de sabor e aroma da baunilha. E possibilidades semelhantes provavelmente existem também para o polietileno decomposto, afirma Bertocchini.

A pesquisa da bióloga italiana mostrou que as enzimas da traça da cera também podem ser capazes de degradar o poliestireno, e estudos estão em andamento com o polipropileno.

Apesar dos resultados promissores a um nível experimental, Bertocchini e sua equipe têm lutado para garantir financiamento, o que significa que o laboratório pode estar prestes a fechar.

Não é a única solução

Mas a tecnologia de degradação por enzimas levará muito tempo para atingir a maturidade. Ramírez-Sarmiento afirma que, enquanto isso, a sociedade precisa gerenciar melhor o plástico que chega ao mercado, do que ele é feito e como é descartado. A má gestão do lixo é uma das principais fontes de plástico no oceano.

Dongming Xie alerta que os fabricantes de plástico precisam fazer sua parte. "A indústria do plástico precisa trabalhar em conjunto com os biólogos", diz, destacando a necessidade de que se considere a degradabilidade dos plásticos para que estes possam ser transformados em novos produtos após o uso.

Grupos que defendem o fim do plástico não estão convencidos de que a tecnologia enzimática possa realmente fazer diferença. A única opção seria parar de produzir plástico como um todo, afirmam.

"O uso de enzimas provavelmente não resolverá o problema dos plásticos. Não será capaz de lidar com a enorme quantidade de plástico que inunda o mercado todos os anos", diz Judith Enck, presidente da Beyond Plastics, projeto que visa acabar com a poluição plástica no mundo. "A única solução real para o problema da poluição plástica é produzir menos plástico."