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"Alemanha pode e vai ajudar Museu Nacional"

21 de setembro de 2018

Em entrevista à DW, especialista da Unesco Tiago de Oliveira Pinto, professor em universidades alemães, afirma que tragédia abre espaços para parcerias com museus europeus.

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Incêndio destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro, poucos dias após o incêndio
Incêndio destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro, poucos dias após o incêndioFoto: Getty Images/AFP/M. Pimentel

O incêndio que destruiu o prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, consumiu também 90% do acervo que estava guardado no local. Recuperar essa história perdida é um dos grandes desafios para a restauração. 

Para o especialista da Unesco em patrimônio intangível Tiago de Oliveira Pinto, a tragédia abre espaço para o diálogo e novas parceiras, voltadas, por exemplo, a organizar exposições após a reconstrução do prédio do Museu Nacional. Há objetos originários do Brasil atualmente em museus de vários países, como a Alemanha.

Em entrevista à DW Brasil, o especialista, que também é professor no Departamento de Musicologia das Universidades de Música Franz Liszt de Weimar e Friedrich Schiller de Jena, falou sobre os desafios para a recuperação do Museu Nacional e como instituições na Alemanha, que já enviaram dois especialistas ao Rio de Janeiro, podem contribuir para revitalizar o local.

DW Brasil: Qual é o maior desafio para a restauração do Museu Nacional?

Tiago de Oliveira Pinto: Temos dois desafios: um é o próprio prédio, a recuperação, restauração e reconstrução. Depois deste susto e diante das críticas que surgiram sobre o descuido do governo brasileiro em relação ao museu, isso deve acontecer muito em breve. O segundo desafio é bem mais complicado, que é refazer um museu reconstruído, que está sem objetos e patrimônio, já que grande parte do seu acervo se perdeu.

É possível recuperar parte do acervo perdido no incêndio?

Grande parte das peças estava documentada. Existem réplicas, fotografias, descrições e cópias de resultados das pesquisas, mas os objetos em si são, em grande parte, irrecuperáveis. Do ponto de vista da história indígena do Brasil, o Museu Nacional guardava as primeiras gravações acústicas feitas em 1917 de Mato Grosso pelo antropólogo Roquette-Pinto. Esses originais estão perdidos, foram queimados. Parte deles foi digitalizada, mas havia alguns que estavam sendo restaurados para se fazer essa cópia Estes exemplares foram perdidos para sempre.

Existem cópias ou registros semelhantes em outros museus?

Registros semelhantes existem, mas semelhante não é idêntico. Para a ciência e pesquisa, quanto mais exemplos de determinado elemento cultural se têm, melhor. Esses registros não existem mais. Agora, em termos de registros sonoros, a maioria coleção dos indígenas brasileiros desta época está no Museu Etnográfico de Berlim.

Além dos áudios, há outros objetos semelhantes aos do Museu Nacional que estão na Alemanha?

Há muitos objetos de comunidades indígenas. Somente do Brasil são milhares de peças. Na Alemanha, há atualmente um debate sobre objetos que foram retirados de povos num contexto colonialista e sua devolução. Acho interessante retomarmos o diálogo com representes de povos cujos objetos estão nestes museus, para se pensar em novas exposições com outros discursos. E não falo somente do Brasil. Diante da tragédia ocorrida no Rio, surge um ensejo para se pensar em novas parcerias tendo em vista os grandes acervos de importância para o Brasil que estão aqui.

Neste sentido, como a Alemanha e seus museus poderiam contribuir para a recuperação do acervo do Museu Nacional?

A Alemanha pode e vai contribuir para esse diálogo, que sai do discurso político da cultura institucional. Existe aqui uma posição favorável, obviamente, não em repor um acervo que queimou e não pode ser recuperado e substituído por outras peças, mas em fazer com que esse novo Museu Nacional ganhe outra vida, no sentido da ideia de que patrimônio cultural sempre é ligado a determinado país, mas, ao mesmo tempo, é um patrimônio de todos, algo que pertence ao mundo.

Então, em vez de devolverem esses objetos, os museus deveriam emprestá-los para exposições no Museu Nacional?

Exato, é nesse sentido que eu vejo. As exposições, porém, devem ser organizadas sempre em diálogo com representantes brasileiros. Além disso, deveriam ser expostas aqui e também no Rio de Janeiro, para preencher essa lacuna que o incêndio deixou. A devolução neste caso nem faz sentido, ninguém tem interesse nisso neste momento. O interesse é dar uma nova vida ao Museu Nacional, fazer dele uma fênix que surge das cinzas.

Os museus estariam abertos a essa opção na Alemanha?

Os museus e suas diretorias certamente estão abertos. Essas primeiras ideias inclusive já surgiram, mas até algo se concretizar ainda leva tempo e tem também toda a questão formal, logística e financeira, não é algo que decidimos hoje e realizamos amanhã. A abertura, no entanto, existe e acredito que os diálogos vão surgir em breve.

Como você vê a tragédia que ocorreu no Museu Nacional?

Duas coisas me surpreenderam: em primeiro lugar foi a revolta dos brasileiros, que ficaram chocados, e as muitas observações no sentido de que a queima do acervo representava também o fim da nossa história. A questão de que o museu simboliza a nossa história é um valor imaterial, ou seja, o fogo que destruiu objetos físicos destruiu também valores que não são materiais, que são intangíveis. Isso mostra a importância do museu.

Além disso, fiquei impressionado com a repercussão na imprensa mundial. Foi uma noticia de grande impacto. Por conta disso, esse museu enquanto prédio será restaurado e, em relação à questão de como preencher esse escapo, acredito que haverá colaboração e diálogo com museus no mundo todo, inclusive contando com ação da comunidade, não só indígena, mas também artística e científica que também manteve o Museu Nacional desde a sua fundação.

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