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ReligiãoLíbano

Ramadão 2022: Quase de volta ao normal

Jennifer Holleis
4 de abril de 2022

Muitos países atenuaram as restrições da Covid-19, porém, o aumento dos preços e a escassez de alimentos devido à guerra na Ucrânia estão a ter repercussões sobre o mês sagrado do Ramadão.

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Foto: ZUMA Wire/IMAGO

No período que antecede o Ramadão, que iniciou a 2 de abril na maioria dos países, as cidades do Médio Oriente começam a preparar-se para o mês sagrado. 

As ruas e lojas são decoradas com o símbolo da lua crescente, e há lanternas e faixas com votos de "Ramadan Kareem" (Que o Ramadão seja generoso) ou "Ramadan Mubarak" (Feliz Ramadão).

Mas na capital do Líbano, grande parte das decorações à venda para casas particulares ficou por vender este ano.

"Lembro-me dos tempos em que costumava comprar decorações para o Ramadão e convidar os meus irmãos para uma grande refeição à noite. Este ano não podemos sequer pagar a nossa própria refeição 'iftar', que quebra o jejum após o pôr do sol", disse Randa Mohsen, enfermeira e mãe de quatro filhos em Beirute, à DW.

Para preparar "fattoush", uma salada tradicional do "iftar", Mohsen diz que teria de comprar ingredientes que custam cerca de 4 dólares (3,60 euros). Dado que o rendimento familiar é de 80 dólares (74,8 euros), essa refeição está fora de questão.

"Para nós, enquanto família, não importa se as restrições pandémicas são removidas ou não, não temos dinheiro para sair de qualquer forma, mal nos podemos dar ao luxo de comer. Pelo menos, a Covid-19 foi uma desculpa para ficar em casa", disse Randa Mohsen à DW.

Ägypten | Ramadan Kairo
As lanternas do Ramadão estão à venda neste mercado iluminado antes do mês sagrado dos muçulmanos, no Cairo, EgitoFoto: AA/picture alliance

Quase como em 2019

Nos últimos dois anos, ou seja, desde o início da pandemia, as tradições do Ramadão, como o encontro de familiares e amigos para refeições após o pôr do sol, foram restringidas ou proibidas em toda a região. 

A partir deste Ramadão, só continua a obrigação de usar máscaras, além de, por vezes, haver períodos de oração reduzidos e distanciamento social dentro das mesquitas.

"Antes deste Ramadão, a maioria dos governos do Médio Oriente removeram ou aliviaram as restrições quase para um nível pré-pandémico", afirma Simon Wolfgang Fuchs, professor de Estudos Islâmicos e do Médio Oriente na Universidade alemã de Friburgo, à DW.

O Sheikh Mohammed Abu Zaid, presidente do Tribunal Sunni e imã da maior mesquita de Saida, perto de Beirute, confirma.

"No Líbano, todas as mesquitas estão abertas e as pessoas são bem-vindas para se reunirem e rezarem. Os imãs são livres de pedir distanciamento social ou o uso de máscaras. Contudo, a maioria concordou em aconselhar os idosos e os que têm doenças crónicas a não frequentarem mesquitas", disse Abu Zaid à DW.

Abu Zaid aconselhou os fiéis a usarem máscaras durante as orações prolongadas da manhã e da noite na sua mesquita. No entanto, com o fim de muitas restrições relacionadas com a pandemia, há novos problemas que surgem no mês sagrado.

Ägypten | Ramadan Dekoration in Kairo
Nos preparativos para o Ramadão, um pai e um filho decoram a sua rua no CairoFoto: Mohammed Magdi/DW

Novos problemas

"A inflação e a insegurança alimentar começaram a afetar muitos países da região a um nível sem precedentes", afirma o professor Simon Wolfgang Fuchs.

No Egito, os preços subiram e a moeda desvalorizou antes deste Ramadão. "Este Ramadão deverá ser extremamente duro, pois o aumento dos preços aconteceu poucos dias antes do mês sagrado", diz Haitham El-Tabei, diretor executivo da organização não-governamental "Abwab Elkheir", no Cairo.

Na sexta-feira, um dia antes do início do Ramadão, cerca de 20 voluntários reuniram-se de madrugada na sede da ONG no bairro Mokattam, no Cairo, para preparar cestos de comida com carne e tâmaras.

Durante o Ramadão, os voluntários aguardam a chegada das famílias que vêm recolher os alimentos doados. "Este ano, a situação é exacerbada por uma diminuição das doações e um aumento acentuado dos preços", disse El-Tabei à DW.

Até agora, a organização tem conseguido cobrir os custos adicionais. "Num período tão duro, não podemos desapontar as famílias durante o mês sagrado", acrescentou.

Lua crescente na Arábia Saudita

O Ramadão é assinalado mundialmente por cerca de 1,6 mil milhões de muçulmanos. Os adultos que se encontram física e mentalmente saudáveis não podem beber, comer ou fumar do nascer do sol ao pôr do sol durante 30 dias. O mês anual de jejum e oração é considerado um dos cinco pilares do Islão.

Os muçulmanos acreditam que Deus revelou os primeiros versos do Alcorão ao Profeta Maomé durante o nono mês do calendário islâmico, há cerca de 1.400 anos.

Literalmente, a palavra Ramadão deriva de "al-ramad", que significa calor intenso ou fogo e simboliza as dificuldades do jejum e da queima dos pecados. O início exato do Ramadão, porém, depende do primeiro vislumbre da lua crescente e, por isso, difere de país para país. Tradicionalmente, o dia e a hora são calculados por especialistas em astronomia localizados na localidade de Hautat Sudair, na Arábia Saudita.

Em 2022, o Ramadão começou a 2 de abril na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Omã, Kuwait, Egito e Bahrein. No Líbano, Marrocos e Síria, o Ramadão iniciou este domingo, 3 de abril.

Assim como a maioria dos outros países da região, também a Arábia Saudita levantou a maior parte das suas restrições. Contudo, os peregrinos são obrigados a usar máscaras e a utilizar a aplicação Tawakkalna ou Eatmarna quando se inscrevem para um espaço de oração em Meca e Medina.

A utilização da aplicação governamental Tawakkalna tornou-se obrigatória para os cidadãos sauditas durante a pandemia. A Autoridade de Dados e Inteligência Artificial da Arábia Saudita desenvolveu a aplicação para monitorizar o movimento dos cidadãos durante as horas de recolher obrigatório.

Simon Fuchs encara a utilização obrigatória prolongada destas aplicações como pretexto. "A pandemia deu aos regimes autoritários novos instrumentos para controlar a sua população sob o pretexto da saúde", comenta.

Apesar dos esforços para se tornar um novo centro turístico e de investimento estrangeiro, a Arábia Saudita também tem sido acusada, nos últimos anos, de negligenciar os direitos humanos e condenar ou matar dissidentes, como Loujain al-Hathloul ou Jamal Khashoggi.

Weltspiegel 10.05.2021 | Corona | Saudi-Arabien Mekka | Gebet mit Abstand
Durante o ano passado, era preciso manter distância e usar máscaras dentro do complexo da Grande Mesquita em MecaFoto: Saudi Press Agency VIA REUTERS

Kuwait e Marrocos

Para além da Arábia Saudita, outros países da região decidiram manter as restrições da pandemia. No Kuwait, as reuniões "iftar" continuam a ser proibidas dentro e fora das mesquitas, só é permitida a distribuição gratuita de refeições pré-cozinhadas.

O Governo de Marrocos prolongou o estado de emergência em curso até 30 de abril, por receio de um novo aumento de casos de Covid-19, apesar do baixo número de infetados neste momento.

O país tem também enfrentado uma seca grave, e a situação é exacerbada pelas preocupações com a segurança alimentar, devido à redução das importações de trigo devido à guerra na Ucrânia.

O estado de emergência deverá terminar a 30 de abril. Se não for prolongado, a celebração do "Eid al Fitr", que marca o fim do Ramadão, poderá ser celebrada com amigos e familiares a 3 de maio.

Razan Salman (Beirute) e Mohammed Magdi (Cairo) contribuíram para este artigo.

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