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Militares controlam Tombuktu; crescem temores de abusos no Mali

28 de janeiro de 2013

Tropas da França e do Mali controlam totalmente a cidade histórica de Tombuktu, onde grupos fundamentalistas islâmicos queimaram manuscritos antigos. Tropas malianas teriam executado sumariamente tuaregues e árabes.

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Soldado maliano na entrada de uma ponte estratégica sobre o rio Níger
Soldado maliano na entrada de uma ponte estratégica sobre o rio NígerFoto: Eric Feferberg/AFP/Getty Images

Soldados franceses e malianos controlam totalmente a cidade de Tombuktu, no norte do Mali, onde grupos fundamentalistas islâmicos armados – alguns deles ligados à rede terrorista internacional Al Qaeda – que dominam o norte do país africano puseram fogo num edifício contendo preciosos manuscritos, segundo noticiou a agência AFP. Os islamistas fugiram.

Mais cedo nesta segunda-feira (28.01), militares franceses e malianos divulgaram que dominavam os acessos à cidade histórica, além do aeroporto.

Para controlar os acessos a Tombuktu, os militares nacionais e franceses, cuja intervenção para a reconquista do norte começou no dia 11.01, fizeram uma manobra conjunta – terrestre e aérea – com pára-quedistas. No décimo oitavo dia da intervenção militar francesa no Mali, os militares nacionais e europeus controlam a chamada "malha do Níger" entre as duas principais cidades do norte do Mali – Tombuktu e Gao.

Tombuktu é considerada cidade "bastião" do Islã na África Subsaariana e fica a cerca de 900 km a nordeste da capital maliana, Bamako. A cidade histórica tornou-se a capital intelectual e espiritual do Islã na África no século XV e XVI, além de ser um pólo de caravanas naquela altura.

A queima dos manuscritos – alguns deles da era pré-islâmica – no Centro de Altos Estudos e Pesquisas Islâmicas Ahmed Baba, que guardava entre 60 mil e cem mil manuscritos, de acordo como o ministério maliano da Cultura, foi confirmada pelo prefeito de Tombuktu, Halley Osmane, que estava em Bamako na altura da tomada da cidade pelos militares malianos e franceses.

Instituto Ahmed Baba em Tombuktu: islamistas queimaram biblioteca com manuscritos históricos
Instituto Ahmed Baba em Tombuktu: islamistas queimaram biblioteca com manuscritos históricosFoto: picture-alliance/dpa

Kidal, o terceiro alvo

No último sábado (26.01), uma ofensiva relâmpago dos militares retomou Gao, a segunda cidade mais importante do Mali e um dos bastiões de combatentes islamistas. Nas duas cidades, ataques aéreos precederam as ações terrestres. Soldados do Chade e do Níger também controlavam, nesta segunda-feira, as cidades de Ménaka e Anderamboukane, no nordeste do Mali, próximo à fronteira com o Níger. A informação é de fontes militares regionais.

A reconquista de Gao, a cerca de 1.200 km de Bamako, foi antecedida por uma operação dos militares franceses no aeroporto e uma ponte estratégica para a região. Em seguida, por via aérea, tropas do Chade e do Níger chegaram para garantir a segurança da cidade. Segundo a AFP, "uma operação que o Exército francês parece resistir em protagonizar nas cidades retomadas dos grupos radicais islâmicos armados".

Mais de 6 mil soldados da África ocidental deverão ser enviados ao Mali para assumir a luta levada a cabo pelos militares franceses. Porém, os soldados africanos chegam aos poucos e enfrentam problemas logísticos e de financiamento para irem ao Mali.

A próxima cidade alvo dos militares nacionais e franceses poderá ser Kidal, no extremo nordeste do Mali, próximo à fronteira com a Argélia. Kidal é a terceira maior cidade do norte do país e é considerada bastião dos islamistas do grupo Ansar Dine ("defensores do Islã"). Nesta segunda-feira (28.01), os combatentes independentistas tuaregues do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA) disseram controlar a cidade, abandonada pelos antigos aliados islamistas.

Aeroporto de Gao, reconquistada por militares franceses e malianos no fim de semana (26.01)
Aeroporto de Gao, reconquistada por militares franceses e malianos no fim de semana (26.01)Foto: Romaric Ollo Hien/AFP/GettyImages

Uma fonte de segurança maliana citada pela agência France Presse teria afirmado que os principais responsáveis dos grupos insurgentes islâmicos se refugiaram nas montanhas de Kidal. Tratar-se-ia de Iyad Ag Ghaly, chefe do Ansar Dine, e do argelino Abou Zeid, um emir da Al Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI).

Represálias e abusos de direitos humanos

A reconquista do norte do país é acompanhada de temores de atos de vingança contra os islamistas, que cometeram vários crimes como amputações, lapidações, execuções e, em Tombuktu, destruição de vários mausoléus de santos muçulmanos.

A organização não governamental Human Rights Watch pediu às autoridades do Mali que tome "medidas imediatas para proteger todos os malianos de represálias", citando "riscos elevados de tensões interétnicas no norte do país, onde a rivalidade entre as comunidades árabe e tuaregue, de um lado, e negra, do outro, é forte".

Ainda de acordo com a Human Rights Watch, outros grupos de defesa dos direitos humanos e cidadãos malianos, as tropas do Mali teriam executado sumariamente cidadãos tuaregues e árabes. Além disso, teriam abusado sexualmente de mulheres. "Documentámos algumas violações dos direitos humanos. Execuções de soldados tuaregues e abusos sexuais de mulheres tuaregues. Documentámos actos de vingança da população de pele negra contra a população de pele mais clara, árabes e tuaregues", disse Wenzel Michalski, diretor da HRW alemã, em entrevista à rádio alemã WDR5.

Militares controlam Tombuktu; crescem temores de abusos no Mali

A honra das tropas malianas está em jogo, disse o ministro da Defesa francês, Jean-Yves Le Drian, na semana passada, quando a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) acusou soldados malianos de matarem, pelo menos, 33 pessoas desde 10.01, véspera do início da operação francesa no Mali. Entre as vítimas, estariam cidadãos de origem tuaregue.

Muitos malianos acusam a minoria tuaregue de "abrir caminho" à instabilidade no país. Depois do golpe de Estado militar, em março do ano passado, motivado pela insatisfação do Exército com a "fraqueza" do então governo diante da rebelião de nacionalistas tuaregues no norte do Mali, os tuaregues dominaram aquela região, expulsando o exército maliano. Fundamentalistas islâmicos tomaram logo a seguir a área e tentaram implementar a sua versão da lei islâmica, a Sharia. "Há um crescente racismo no seio da população, vindo de todos os lados. Actos de vingança por os islamistas terem conquistado uma parte do país e por o país estar em guerra", referiu Michalski, da HRW.

Falta de acesso ao território preocupa organizações humanitárias

Soldados malianos terão realizado execuções sumárias e também abusado sexualmente de mulheres, dizem ONGs e civis
Soldados malianos terão realizado execuções sumárias e também abusado sexualmente de mulheres, dizem ONGs e civisFoto: Fred Dufour/AFP/Getty Images

As Nações Unidas já alertaram para as consequências negativas de um aumento da violência étnica no país. Em resposta às alegações dos grupos de defesa dos direitos humanos, o coordenador humanitário das Nações Unidas para o Mali, Aurélien Agbénonci, disse na semana passada em Bamako que "uma vitória sobre as forças rebeldes não deve provocar comportamentos agressivos ou vingança no seio das comunidades, porque se essas pessoas que já ficaram vulneráveis com a crise, têm problemas de violência religiosa ou inter-étnica, então vamos enfrentar grandes dificuldades. E não queremos que isso aconteça. Não queremos ouvir falar de genocídio entre as comunidades. É por isso que a proteção é importante."

O responsável acrescentou que é preciso garantir que as organizações de apoio humanitário possam aceder ao norte, para fornecer alimentos e defender os cidadãos. "Pedimos duas coisas neste momento: que sejam enviados de imediato observadores da ONU, observadores independentes, para se avaliar a situação no terreno e garantir que as tropas malianas e francesas se certificam que algo como isto não volta a acontecer. Além disso, é preciso que eles cooperem de perto com o Tribunal Penal Internacional, que também já foi envolvido no processo", disse Wenzel Michalski, da Human Rights Watch alemã.

O exército maliano disse que vai investigar as alegações.

Autores: Renate Krieger/Guilherme Correia da Silva (afp/reuters/dpa)
Edição: António Rocha