1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Dívidas ocultas: "Há ainda muita poeira por ser limpa"

17 de fevereiro de 2022

"Ida de Guebuza à tenda é uma mérito para ele", entende ativista Fátima Mimbire, mostrando que não tem nada a temer. Já o PR Filipe Nyusi esquivou-se a um gesto patriótico. Um ponto para o ex-Presidente moçambicano?

https://p.dw.com/p/47BhA
Mosambik Amtseinführung von Filipe Nyusi.
Atual Presidente de Moçambique (esq.), FIlipe Nyusi, e Armando Guebuza, ex-chefe de EstadoFoto: picture-alliance/dpa/M. De Almeida

O ex-Presidente moçambicano, Armando Guebuza, abdicou do privilégio de uma audição mais privada no julgamento das dívidas ocultas, e foi à tenda como todos os declarantes, esta quinta-feira (17.2). O gesto é interpretado como um compromisso seu para com a verdade, e por via disso uma reconquista de certa credibilidade e "pontos" no campo político.

Mas o mesmo não se pode dizer do atual Presidente da República, Filipe Nyusi, que, escudando-se na sua imunidade, não se dignou a agir como estadista, esclarecendo o seu envolvimento no caso, a bem da nação. Em entrevista à DW, a ativista Fátima Mimbire avalia a postura do ex-estadista, e do atual Presidente moçambicano.

DW África: Guebuza fez questão de prestar depoimento na tenda da BO, dispensando o privilégio de o fazer em contexto mais privado, ao contrário do atual Presidente, que não se dignou a agir como estadista, esclarecendo o seu envolvimento no caso, a bem da nação. Acredita que Guebuza soma pontos do ponto de vista político?

Fatima Mimbire | mosambikanische Aktivistin
Fátima Mimbire, ativista Foto: Privat

Fátima Mimbire (FM): Eu penso que o ex-Presidente Armando Guebuza fez muito bem em querer ir à tenda e abdicar dos privilégios que a lei o confere, falando publicamente aos moçambicanos. Não há nada a esconder. O próprio atual Presidente da República [Filipe Nyusi], sendo uma pessoa de boa fé, e honesta, deveria fazer o mesmo. Ou seja, abdicar os seus privilégios e mostrar que não tem nada a temer ou esconder. Mostrar que está disposto a falar na tenda sobre este processo das dívidas ocultas. Neste sentido, eu penso que a ida de Guebuza à tenda é uma mérito para ele. Porque não é só o consulado dele que está exposto na tenda, tendo em conta a qualidade das pessoas que estavam ali. Eram pessoas da sua inteira confiança. Também estamos perante um pai, cujo filho estará envolvido neste calote, e é preciso que haja coragem para ir à tenda.

DW África: Porém, não basta apenas a atitude admirável de Guebuza para um desfecho satisfatório do processo…

FM: Uma coisa é ir à tenda, outra coisa é assumir o que aconteceu - a verdade dos fatos. Ou seja, reconhecer as responsabilidades. Eu penso que é um ponto ele abdicar dos privilégios. Mas isso não é suficiente para "dar ou retirar pontos", porque tudo vai depender do que sairá deste julgamento. E existem relações que podem ser feitas. Um exemplo, é o fato de nos ser dada a ideia de que "ele não sabia" de muitas coisas que estavam a acontecer, porque ele delegou [muitas coisas]. Isso levanta questões. É verdade que, numa boa gestão – e ele me ensinou isso -, é preciso delegar algumas competências. Mas a questão que se coloca é: delegar é deixar que as coisas aconteçam, sem que existam contas, ou resultados? De fato, na altura, ele [Guebuza] deveria ter todos os dossiês e toda a informação detalhada sobre o que aconteceu, até chegar-se onde chegou-se. Estará a altura de defender, portanto, o projeto que ele endossou, se assim posso dizer. É por isso que eu acredito que esta questão dos pontos políticos também dependem do que for dito em Tribunal. E fica claro que há ainda muita poeira por ser limpa. 

Mosambik | Efigénio Baptista und Ana Sheila Marrengula
Efigénio Baptista, juíz do caso, e Sheila Marrengula, procuradora do MPFoto: Romeu da Silva/DW

DW África: Recorrentemente, Armando Guebuza menciona a responsabilidade de Filipe Nyusi nalgumas decisões cruciais do caso. Isso deixa o Tribunal, visto como "pró-Nyusi", numa "saia justa", e o julgamento como pouco credível?

FM: Durante muito tempo o Tribunal sugeriu que não havia elementos, ou condições, para chamar o chefe do comando operativo. Mas agora não há dúvidas de que o Tribunal está numa situação em que não terá como evitar que o mesmo seja chamado para declarar. Observando a qualidade do sujeito em causa, sem dúvidas, será preciso recorrer a um fórum apropriado especial. Isso é algo que seria de se esperar, sendo este sujeito honesto. E, depois de tudo o que foi dito a seu respeito publicamente, seria "de bom tom" que ele também abdicasse dos privilégios que a lei lhe oferece e viesse a público na tenda, para a sua justiça. Com isso, quando o Tribunal tomar a sua decisão, teremos clareza de que tudo o que foi dito, foi ponderado. Além disso, saberemos se, de fato, a sentença será justa. Para a transparência e o seu bom nome, seria recomendável que o líder do comando operativo se fizesse ao Tribunal de forma voluntária.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África