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"Angola está em cima de um vulcão"

5 de dezembro de 2011

Injustiças e desigualdades sociais geram crescentes protestos contra o presidente José Eduardo dos Santos. A manifestação do primeiro sábado de dezembro é interpretada por intelectuais angolanos como um sinal de aviso.

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José Eduardo dos Santos, que tudo indica se irá recandidatar a um novo mandato nas próximas eleições presidenciais, está a atravessar a fase mais aguda de descontentamento popular desde que tomou posse, há 32 anos
José Eduardo dos Santos, que tudo indica se irá recandidatar a um novo mandato nas próximas eleições presidenciais, está a atravessar a fase mais aguda de descontentamento popular desde que tomou posse, há 32 anosFoto: picture alliance/dpa

O clima político e social que se vive em Angola é um “barril de pólvora” que pode explodir em qualquer altura disse na terça-feira (05.12) à Deutsche Welle o escritor angolano Pepetela. O romancista reagia assim às manifestações populares contra o regime do MPLA, presidido por José Eduardo dos Santos, a última das quais se realizou em Luanda, no sábado (03.12).

Violência desmedida

“O país tem crescido economicamente, mas, em termos sociais, não tem acompanhado esse crescimento. Há franjas muito importantes da população que vivem muito mal, mesmo. Uma sociedade onde existem grandes desigualdades sociais é um barril de pólvora. Pode explodir em qualquer altura. Nós estamos em cima de um vulcão“, afirmou.

Pepetela manifestou igualmente receios de ingerências externas na vida política angolana a pretexto da sucessão de José Eduardo dos Santos. “O que me preocupa é que a sucessão seja pretexto para que algumas pessoas ou forças estrangeiras se lembrem de nós. Os exemplos exteriores são preocupantes", acrescentou.

A última manifestação antigovernamental, a quinta desde o início de 2011, terá sido a mais violentamente reprimida pela polícia, com seis manifestantes a terem de receber tratamento hospitalar, segundo o ativista angolano dos direitos humanos Rafael Marques, em declarações à Deutsche Welle..

“O aparato policial no local – acrescentou - era desproporcionado. O que a polícia conseguiu foi, mais uma vez, dar uma vitória a estes bravos jovens que arriscaram a sua vida. Eles foram violentamente espancados. Seis deles foram parar ao hospital.”

A manifestação foi convocada pelo autodenominado Movimento Revolucionário Estudantil e por mais dois movimentos juvenis que operam em Luanda. “Todos aqueles que se aglomeravam em grupos de 10 eram atacados pela polícia, ou por um bando de indivíduos que estavam sob o comando da própria polícia, para dispersarem. Foi uma violência desmedida”, disse Marques.

Os manifestantes, que exigiram mais justiça social e o fim do regime liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, há 32 anos no poder, procuraram concentrar-se na Praça da Independência, mas sucessivas barragens policiais impediram-nos de se aproximar do local. A polícia interveio com cães e agentes a cavalo, e recebeu apoio de agentes à paisana.

A repressão dos manifestantes foi também testemunhada pela pesquisadora da Divisão África da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), Lisa Rimli, que foi espancada, mas não detida pela polícia angolana.

Segundo Rafael Marques, Rimli “foi atacada e atingida, pelos agentes de segurança que estavam a trabalhar com a polícia, com um líquido de fabrico caseiro, colocado em pequenas garrafas de água mineral. Esses indivíduos atiravam o liquido para os olhos das pessoas para imobilizá-las e facilitar os espancamentos.”

Rafael Marques, jornalista e ativista dos direitos humanos, publicou nos últimos anos artigos e livros sobre a corrupção em Angola, o livre arbítrio das autoridades e a impunidade dos políticos e militares fiéis ao presidente angolano
Rafael Marques, jornalista e ativista dos direitos humanos, publicou nos últimos anos artigos e livros sobre a corrupção em Angola, o livre arbítrio das autoridades e a impunidade dos políticos e militares fiéis ao presidente angolanoFoto: privat

Marques revelou que, antes da manifestação, Rimli fora recebida pelo Ministro do Interior, Sebastião Martins, que lhe transmitiu que o governo de Angola “não tinha que se preocupar com uma meia dúzia de jovens”. A ação policial durante os protestos “desmentiu a diplomacia do ministro”, enfatizou o ativista angolano.

Descontentamento dos pobres e excluídos

O comissário Carmo Neto, citado pela agência Lusa, informou que a polícia angolana dispõe de mecanismos a que os cidadãos podem recorrer para reclamar da atuação das forças policiais.

Apesar das riquezas naturais de Angola, a esmagadora maioria do povo continua a viver num ambiente de extrema pobreza
Apesar das riquezas naturais de Angola, a esmagadora maioria do povo continua a viver num ambiente de extrema pobrezaFoto: picture-alliance/ZB

"Qualquer cidadão pode e deve fazer recurso aos Guichés de Reclamação do Cidadão no Comando Geral da Polícia Nacional e junto dos Comandos provinciais", frisou.

O porta-voz da Polícia Nacional lamentou ainda que alguns "manifestantes tentem politizar a situação", quando aludem a detenções efetuadas pela polícia.

Rafael Marques, juntamente com alguns jornalistas, foi levado para uma esquadra policial onde ficou retido durante algumas horas.

Marques defende que a polícia deveria abrir um inquérito aos acontecimentos. “A polícia – acrescentou - agiu em consonância com agentes à paisana, usou armas caseiras e produtos que podem causar danos à saúde, pois não se sabe a sua composição e os agentes faziam ataques seletivos.”

Um dos organizadores da manifestação, Massilon Chiondombe, saudou o fato de a Polícia Nacional estar disponível para receber queixas de cidadãos sobre a atuação da polícia, e garantiu que vão ser feitas as reclamações.

"Temos vídeos e nomes dos polícias envolvidos, dos que estavam à civil, e dos comandantes que nada fizerem quando os polícias à civil carregaram sobre os manifestantes, por isso vamos reclamar e vamos ver o acompanhamento que vão dar", vincou.

Numa manifestação anterior, realizada em 3 de setembro, após uma violenta carga policial, foram detidos 21 manifestantes. Dezoito foram julgados e condenados a penas de prisão entre 30 e 90 dias, por ofensas corporais à polícia e danos materiais.

Autor: Manuel Vieira (Luanda) / António Rocha
Edição: Pedro Varanda de Castro/Nádia Issufo