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Proteínas anticongelantes

8 de outubro de 2010

Peixes do Ártico sobrevivem a temperaturas congelantes. As proteínas anticongelantes no sangue desses peixes foram agora pesquisadas por alemães e americanos, e podem ajudar a preservar órgãos de transplante.

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Peixes do Ártico sobrevivem a temperaturas congelantesFoto: AP

À primeira vista, a pergunta pode parecer boba: por que os peixes não congelam em águas frias? Há tempos se sabe que os peixes do Ártico podem sobreviver a temperaturas tão baixas, que seria de se esperar que eles morressem. O sangue dos peixes congela a 0,9ºC negativo, mas as águas do Ártico são no mínimo um grau mais frias do que isso.

Há anos que os cientistas sabem que uma proteína existente na corrente sanguínea impede os peixes de congelar, mas eles não sabiam exatamente como ela funciona.

Numa tentativa de resolver esse problema, pesquisadores da Universidade de Illinois extraíram a proteína de um tipo de pescada existente no Ártico e pediram a ajuda da professora de química da Universidade de Ruhr-Bochum Martina Havenith para descobrir como a proteína impede a água contida no sangue do animal de congelar. Os resultados foram publicados no Jornal da Sociedade Americana de Química.

Radiação para detectar efeito sobre água

Terahertz Spectometer Ruhr Universität Bochum
Epectrômetro terahertz se mostrou ideal para analisar proteínas anticongelantesFoto: DW

Para que os estudos fossem possíveis, Havenith e sua equipe montaram o que eles chamam de o mais potente espectrômetro terahertz de mesa do mundo. "Até então, os cientistas não tinham nada adequado para medir os efeitos que as proteínas têm sobre a água", explica a alemã.

A radiação terahertz é uma radiação de baixa frequência situada pouco acima da faixa das micro-ondas e logo abaixo da faixa do infravermelho. De acordo com os cientistas, essa frequência mostrou-se excelente para as avaliações de proteínas e água. "O que descobrimos é que a faixa de terahertz é muito sensível a quaisquer mudanças na reorganização ou reestruturação da água", explica Havenith.

O espectrômetro emite um laser, e quando ele atinge água pura, esta absorve radiação. Quando a proteína anticongelante é adicionada à água, o líquido passa a se movimentar de maneira diferente e mais radiação é absorvida. Essas ínfimas mudanças na radiação são captadas por um receptor e, a partir desses dados, Havenith consegue determinar como as moléculas de água estão se movendo.

Em condições normais, as moléculas de água estão em constante movimento, fazendo, repetidamente, novas ligações entre si. Quando as proteínas anticongelantes são acrescentadas, as moléculas de água passam a ligar-se e desligar-se das proteínas trilhões de vezes por segundo.

À medida que interagem, a proteína altera a água e as moléculas de água começam a se movimentar de forma mais lenta e ordenada. A pesquisa mostrou que uma molécula de proteína pode afetar o comportamento de mil moléculas de água ao redor dela. E, mais ainda, que as proteínas anticongelantes tendem a funcionar melhor em temperaturas próximas de zero.

A professora enfatizou também a eficácia da proteína em comparação com outros anticongelantes já existentes, como os utilizados em automóveis, em regiões de inverno rigoroso: "A capacidade da proteína de prevenir o congelamento é centenas de vezes maior do que qualquer anticongelante que você puser no seu carro."

Futuro no transplante de órgãos

Martina Havenith Ruhr Universität Bochum
Martina Havenith acredita que sua pesquisa pode ajudar no transplante de órgãosFoto: DW

A equipe teuto-americana de pesquisadores vê um grande potencial no uso de proteínas anticongelantes para preservar órgãos de transplante por mais tempo.

Quando um órgão é disponibilizado para transplante, começa então uma corrida contra o tempo para encontrar um receptor que não esteja muito longe. Um coração envolto por gelo e soluções conservantes, por exemplo, só sobrevive cerca de 5 horas fora do corpo humano. Portanto, se um receptor de transplante não é encontrado a tempo ou vive distante demais, o órgão não pode ser utilizado.

Com base no novo estudo, Havenith e o seu colega de pesquisa Martin Gruebele acreditam que as proteínas poderiam ser utilizadas para um armazenamento a temperaturas mais frias, sem congelar os órgãos – o que pode prejudicar o tecido dos mesmos.

"Se conseguirmos entender melhor como essas proteínas funcionam, talvez possamos copiar o seu princípio ativo ou desenvolver versões para humanos", afirma o professor de química da Universidade de Illinois. "Nós poderíamos, então, preservar os órgãos de transplante por mais tempo ou criar proteções anticongelantes".

A equipe pretende usar a espectroscopia de terahertz para estudar também as proteínas anticongelantes dos insetos, além de outros tipos de proteína.

Pesquisa ainda promete

Outros bioquímicos afirmam que o trabalho realizado pela equipe teuto-americana tem um grande potencial para estudos futuros e talvez até mesmo para uso comercial. "É certamente uma descoberta muito interessante", elogia David Nutt, um professor de química da Universidade britânica de Reading, que não participou da pesquisa.

"Trata-se de outra peça do quebra-cabeça e eu estou ansioso pelos futuros resultados do seu grupo [de Havenith]", complementa. "Com certeza, há diversas proteínas interessantes de ser observadas com o uso dessa técnica e estou seguro de que haverá muitos resultados interessantes no futuro."

Ele aponta, no entanto, que a espectroscopia de terahertz oferece apenas uma parte do cenário e que a pesquisa precisaria ser testada com exames adicionais – que poderiam revelar informações mais precisas quanto à movimentação exata das moléculas de água congelada.

"Eu acho que a espectroscopia precisa ser complementada com a modelização em computador ou outros tipos de experimentos, a fim de realmente se entender o que esses resultados significam", conclui.

Autora: Natalia Dannenberg (mdm)

Revisão: Carlos Albuquerque