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Proibição ao Secret pode abrir precedente

Fernando Caulyt21 de agosto de 2014

Decisão da Justiça do Espiríto Santo divide especialistas. Enquanto uns veem interpretação exagerada da Constituição, outros ressaltam necessidade de os usuários serem responsáveis por aquilo que publicam.

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Foto: Feeding Forward

O aplicativo para celulares e tablets Secret chegou apenas em maio ao Brasil – e não demorou a causar controvérsia. Um tribunal do Espírito Santo ordenou que o programa fosse retirado do ar pelo Google e a Apple de suas lojas virtuais, numa decisão que divide especialistas e pode abrir um precedente perigoso.

O juiz da 5ª Vara Cível de Vitória interpretou que o aplicativo viola o artigo 5º, inciso IV da Constituição, que diz ser "livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". O Secret permite o compartilhamento anônimo de mensagens com informações e fotos privadas.

Luiz Fernando Moncau, gestor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, afirma que o juiz interpretou de forma radical a Constituição. Segundo ele, a decisão abre um precedente para a proibição de programas e serviços virtuais que permitem a navegação e comunicação anônima.

“Os EUA encaram o anonimato como um direito, ao contrário do Brasil. Para quem estuda liberdade de expressão, há boas justificativas para se preservar o anonimato”, diz Moncau. “Se a Justiça enveredar para um caminho e entender que qualquer tecnologia que permita o anonimato é ilegal, outros aplicativos e programas podem acabar sendo proibidos também.”

A decisão do tribunal foi tomada a partir de processo aberto a pedido do Ministério Público do Espírito Santo. A ação civil pública alegava que pessoas, devido ao anonimato dos usuários do aplicativo, estão sendo vítimas de "constrangimentos e ilícitos contra a honra sem que possam se defender".

A sentença também vale para o aplicativo similar Cryptic, disponibilizado na loja virtual da Microsoft. As empresas deverão também desinstalar de forma remota o programa nos equipamentos dos usuários e têm o prazo de dez dias para efetuar a remoção sob pena de receber uma multa diária de 20 mil reais.

Niels Held, um dos editores da revista alemã sobre celulares e computadores Chip, diz que outros países podem seguir o exemplo do Brasil e pedir também a remoção de aplicativos que vão de encontro à Constituição. Mesmo que na Alemanha o anonimato não seja proibido, ele cita como exemplo que no país aplicativos com conteúdos nazistas são proibidos, já que ferem a Lei Fundamental Alemã.

“Se o anonimato no Brasil é realmente proibido, faz-se a pergunta por que o aplicativo Secret chegou a ser oferecido pelas lojas virtuais”, afirma Held.

Liberdade e responsabilidade

Entre outros aplicativos que podem ser banidos, Moncau cita o software Tor, com o qual um usuário pode navegar de forma anônima pela rede, fazendo com que o site visitado não consiga identificar a verdadeira identidade do usuário e ter os dados capturados.

Para ele, a tecnologia é a mesma que permite que crimes sejam cometidos, mas também a mesma utilizada por pessoas para burlar regimes autoritários e se expressarem. E isso, para ele, é uma situação “complicada”.

Google I/O 2013 San Francisco
A Google, que hospeda o app Secret, terá que tirar programa de sua loja virtualFoto: picture-alliance/dpa

Outro ponto delicado, de acordo com o especialista, é a ordem judicial que manda as empresas desinstalarem o aplicativo que já está nos aparelhos dos usuários. Apesar de ser viável tecnicamente, as companhias teriam que “invadir” um dispositivo privado para deletar o aplicativo sem a autorização dos seus proprietários.

Para o jurista Cláudio Lins de Vasconcelos, especialista em direito internacional do Ibmec/RJ, a decisão da Justiça capixaba não pode ser considerada um retrocesso em relação a liberdade na internet: “Qualquer um pode escrever o que quiser no Facebook, desde que assine seu texto. Liberdade implica responsabilidade, e o anonimato pode dificultar ou mesmo inviabilizar essa responsabilidade.”

Anonimato em questão

O Secret foi lançado nos EUA no final de janeiro de 2014 pela Secret Inc., que tem base em São Francisco. A ideia do serviço é que usuários possam compartilhar um segredo, que pode ser lido ou comentado por qualquer pessoa. O aplicativo, ao ser instalado, recolhe números de celulares e contatos de Facebook do usuário. Ao escrever algo, todos seus amigos que também tenham o programa recebem as mensagens sem a identificação do remetente.

Symbolbild Cybermobbing
Ao ser instalado, o app Secret recolhe contatos do Facebook e da lista de telefones do celularFoto: picture-alliance/dpa

Para os especialistas ouvidos pela DW Brasil, apesar de afirmar que o usuário terá sua identidade preservada, o aplicativo Secret não promete o que cumpre, já que, do ponto de vista técnico, o programa guarda o endereço IP e vincula o usuário a uma linha telefônica ou ao perfil do Facebook. Dessa forma, os usuários devem estar cientes de que não se tornam invisíveis ao usar o aplicativo.

“Dessa forma, é mais fácil identificar alguém que envia conteúdo ilícito usando este aplicativo do que outro programa”, diz Renato Opice Blum, especialista em direito digital e professor de direito eletrônico da USP. “Então, teríamos vários elementos para que uma investigação fosse realizada e, assim, o autor da injúria fosse identificado.”

Para o especialista, o artigo da Constituição que cita o anonimato pode estar defasado ou inadequado nos dias atuais. Mas, para ele, é uma artigo muito importante. “Hoje em dia, isso se justifica, pois pessoas que não têm nada a temer não teriam o porquê de usar o anonimato. A decisão do juiz tem fundamento e não é exagerada”, pondera.

Um porta-voz do Google no Brasil informou, por meio de nota, que a empresa não é responsável pelo Secret e que apenas hospeda o aplicativo em sua loja virtual, a Google Play: “Qualquer pessoa pode denunciar um aplicativo se julgar que o mesmo viola os termos de uso e políticas da Google Play ou a lei brasileira."

As assessorias de imprensa da Apple, Microsoft e Secret Inc. não retornaram o contato feito pela reportagem. A decisão da Justiça capixaba, porém, não é definitiva. As empresas envolvidas poderão recorrer da liminar.