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Portugueses em Angola, moçambicanos na RDA na imprensa alemã

Renate Krieger
18 de maio de 2012

Revista destaca onda de imigração de quadros portugueses para Angola; diário alemão fala sobre os "madgermanes", antigos trabalhadores moçambicanos na ex-Alemanha comunista; e jornais destacam conflitos na RDC.

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Afropresse
AfropresseFoto: Fotolia

"O que faz um pai de família português com quatro crianças em idade escolar, quando recebe apenas 900 euros por mês?", questiona a revista semanal alemã Der Spiegel em sua edição desta semana (14.05).

A resposta: "Ele decide emigrar".

Por isso, muitas agências de headhunters em Lisboa estão recrutando profissionais que se mudam para as antigas colônias de Portugal – especialmente Angola. "Mais de 10% dos clientes treinados pela consultoria Ema Partners International em Lisboa se mudaram para o país ocidental africano", descreve a revista.

Em vez de 900 euros, o personagem destacado pela revista, Antonio Sá Água, recebe ofertas de salário de 8 a dez mil euros mensais – "até dez vezes mais que em Lisboa". O que também serviria para que Sá Água pagasse a "cara vida em Luanda", onde um apartamento num "bom bairro" custa "até 15 mil dólares de aluguel por mês".

Colônia tornou-se colonizada?

O semanário ainda destaca a "inversão de papeis" das antigas colônia e metrópole, que transformou Portugal "num dos países mais pobres da Europa" e Angola "num dos maiores exportadores de petróleo bruto de África, ao lado da Nigéria".

"Com ajuda dos petrodólares da empresa estatal angolana Sonangol, a antiga nação de escravos pode comprar Portugal, antigo Estado escravizador: firmas angolanas compram participações em empresas estatais portuguesas que precisam de ser privatizadas rapidamente – também compram empresas de comunicação, pedaços de praias de luxo e imóveis de luxo – e também, claro, força de trabalho", relata a publicação.

Segundo o Spiegel, cerca de 150 mil portugueses já receberam vistos para Angola. A revista destaca ainda que a responsável pelo "boom" é a necessidade de reconstrução do país, dez anos após o fim da guerra civil. Precisam-se de "ruas, linhas férreas, aeroportos, casas, escolas e hospitais, além de se garantir o abastecimento com eletricidade, jágua potável e ligações de internet".

O relato do Spiegel ainda afirma que os intermediários dos trabalhadores portugueses que vão a Angola vêem o país africano como o objetivo mais "rentável" para quadros e chefias do país europeu. O motivo: "40% da população angolana, de 18 milhões, ainda são analfabetos. Os que não têm formação não conseguem trabalho, dosi terços da população recebem menos de um euro ao dia. Por isso, precisam-se de professores, médicos, engenheiros e técnicos agrários em Angola", explica o artigo.

Tais profissionais, no entanto, vivem isolados da vida da maior parte da população angolana, e negociam luxos como voar para casa "a cada seis semanas".

Muitos imigrantes portugueses em Angola também veem o país africano como um "sonho português" – mas a revista também relata sobre uma alta taxa de criminalidade, "em parte protagonizada por aqueles que não fazem parte do crescimento econômico".

A violência impediria muitos portugueses de levarem a família para Angola, ou de ficarem por muito tempo no país. Muitos dos portugueses também vivem em bairros fechados, com seguranças, ou fazem o caminho para o trabalho em carros blindados. Segundo o artigo do Spiegel, os europeus também estão "à mercê das autoridades, que ameaçam retirar-lhes o visto se fizerem críticas ou reclamarem".

"A grande fraude"

"Milhares de moçambicanos acabaram-se de trabalhar, nos anos 1980, na antiga República Democrática da Alemanha (RDA, ou ex-Alemanha comunista). Por isso, os chamados 'madgermanes' protestam em Maputo – já há mais de 20 anos", escreve nesta sexta-feira (18.05) a versão alemã do diário britânico Financial Times. O título da matéria é "A grande fraude".

Volker Kühn descreve a trajetória de um dos "madgermanes", José Alfredo Cossa, que "conta a história da grande fraude", iniciada em 1983 na escola Francisco Manyanga, na capital moçambicana. "Foi um dia em que o [então] presidente de Moçambique, Samora Machel, se colocou diante dos jovens como Cossa e disse que iria mandar alguns deles para o estrangeiro – para a RDA ou a União Soviética, para que aprendessem uma profissão e ajudassem, depois, a transformar Moçambique numa República popular marxista.

Segundo o relato do Financial Times Deutschland, Cossa decidiu deixar para trás o próprio país, em plena luta de independência contra Portugal e marcado por guerra civil – tudo para dar uma vida melhor para o filho pequeno e a família. Partiu com o sonho de construir "uma oficina ou algo do gênero".

"Hoje, Cossa tem 50 anos. Mas não trabalha na própria oficina. Vive sentado numa pedra à beira de um pequeno parque em Maputo – há 20 anos", diz o jornal. Ao lado deles, estão os outros alunos da época.

Cerca de 150 mil portugueses já terão recebido vistos para ir a Angola. Na foto, a capital Luanda
Cerca de 150 mil portugueses já terão recebido vistos para ir a Angola. Na foto, a capital LuandaFoto: picture-alliance/Alan Gignoux/imagestate/Impact Photos
"...enquanto Portugal é um dos países mais pobres da Europa", diz semanário Der Spiegel
"...enquanto Portugal é um dos países mais pobres da Europa", diz semanário Der SpiegelFoto: picture-alliance/dpa
Inversão de papéis? "Angola é um dos maiores produtores de petróleo de África..."
Inversão de papéis? "Angola é um dos maiores produtores de petróleo de África..."Foto: AP

Perda de salários

"Moçambique enviou 16 mil trabalhadores contratados para a RDA nos anos 1980. Eles trabalharam como chaveiros, mecânicos, açougueiros. Todos queriam tentar a sorte no estrangeiros. E todos perderam os salários", continua o relato, que destaca ainda que "é possível encontrar moçambicanos que falam alemão em todo o país oriental africano".

Vistos um pouco como "loucos – porque não param de lutar pelo dinheiro", os madgermanes também não vêem a cor do dinheiro dos chamados megaprojetos, continua o jornal alemão. Cossa, que também jogava futebol na Alemanha, diz o relato, "não pertence à sociedade moçambicana". "Ao contrário da guerra civil entre a Frelimo (atual partido da situação) e a Renamo (principal formação da oposição), na Alemanha, Cossa tinha uma vida tranquila. Ficava espantado como tudo era organizado", termina o relato, sem dar mais detalhes.

População da RDC está farta, dizem jornais

A população no leste da República Democrática do Congo (RDC) está farta da milícia hutu ruandesa FDLR (Forças Democráticas de Libertação do Ruanda), escreve o diário Tageszeitung.

O jornal lembra que, na última segunda-feira (14.05) após uma série de massacres, centenas de pessoas manifestaram em frente à base dos soldados das Nações Unidas, os chamados "capacetes azuis", em Bunyakiri, na província de Kivu Sul. Os protestos se voltavam contra a falta de ação dos capacetes azuis contra as FDLR. Onze soldados paquistaneses – quatro deles em estado grave – ficaram feridos quando tiros foram disparados durante a manifestação.

Na madrugada de segunda-feira (14.05), as FDLR saquearam o vilarejo de Kanamiga, seis civis foram mortos. A cidade de Lumenja, a 13 quilômetros de Bunyakiri, já tinha sido atacada pelas FDLR a 04.05, onze pessoas morreram.

Manifestação pacífica dos chamados "madgermanes" em Maputo, a 1º de maio de 2011
Manifestação pacífica dos chamados "madgermanes" em Maputo, a 1º de maio de 2011Foto: Ismael Miquidade

Também na província de Kivu Norte, os ataques dos milicianos hutu foram reforçados. Segundo a Rádio ONU, quatro crianças foram queimadas vivas na semana passada (11.05) no vilarejo de Upamando 2, durante ataque das FDLR. Nas últimas semanas, lembra o TAZ, a milícia conseguiu expandir a própria ação no leste da RDC; já que o exército luta contra rebeldes dentro do próprio setor militar.

Portanto, quem combate as FDLR agora são milícias locais, em vez do exército. E, já que as milícias são locais, as FDLR vêem a população civil como inimigo, "e realizam a série de massacres mais sangrenta [na região] desde 2009", relata o jornal alemão.

Processos jurídicos internacionais contra milícias

Na Europa, os massacres de 2009 são objeto de processo judicial contra os líderes das FDLR que vivem na Alemanha – Ignace Murwanashyaka e Straton Musoni estão diante de um tribunal em Stuttgart. A defesa dos dois líderes argumenta que a população civil da RDC participa da guerra e que, por isso, não merece ser defendida.

O processo está interrompido por causa de um pedido de desqualificação judicial por parte da defesa, que alega que os juízes concordaram em repassar provas à ONU envolvendo testemunhas que ainda não apareceram.

Também o Tribunal Penal Internacional (TPI) se esforça para prender outros líderes milicianos, como Sylvestre Mudacumura (FDLR) e Bosco Ntaganda, do Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP), que também atua no leste da RDC. O procurador-geral do TPI, Luis Moreno-Ocampo, pediu a emissão de um mandado de prisão contra os dois esta semana.

Mas, para Volker Pabst, articulista do jornal suíço em língua alemã Neue Zürcher Zeitung, apesar de ter bons motivos para perseguir os dois líderes, há poucos progressos nos esforços de pacificação da região pela Monusco, a missão de pacificação da ONU na República Democrática do Congo. Segundo o jornalista, a estratégia internacional de segurança para a região, apoiada pela ONU, "fracassou amplamente".

Além disso, diz Pabst, "o fato de a proposta de Moreno-Ocampo – que surge pouco antes do fim de seu mandato, em junho – estar carregada de interesses pessoais em oportunidades políticas não diminui a relevância dos crimes cometidos na região" – seja pela atuação das milícias ou também pelo exército congolês, que no ano passado igualmente protagonizou ataques a vilarejos.

"Mas o TPI precisa ser muito cauteloso na RDC, onde o empenho do tribunal foi avaliado de diversas formas até agora", escreve o jornalista da Neue Zürcher Zeitung. "O primeiro veredicto oficial do TPI foi pronunciado contra Thomas Lubanga, líder rebelde congolês. Num conflito marcado por uma série de grupos armados, em que saques, violações em massa e recrutamentos forçados sempre voltam a fazer da população a maior vítima, a condenação de um único líder parece liberar os outros grupos da responsabilidade pelas suas ações", afirma Pabst.

Condenação de líder rebelde congolês Thomas Lubanga (foto) seria equivalente a "perdão" para outras milícias, diz jornalista
Condenação de líder rebelde congolês Thomas Lubanga (foto) seria equivalente a "perdão" para outras milícias, diz jornalistaFoto: AP
Articulista escreve que esforços de pacificação da ONU na RDC não são suficientes
Articulista escreve que esforços de pacificação da ONU na RDC não são suficientesFoto: AP