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"Plebiscito" tenta pressionar Congresso por reforma política

Karina Gomes3 de setembro de 2014

Em consulta de legitimidade questionada, população é chamada a decidir se apoia ou não a formação de uma constituinte sobre mudanças nos sistemas político e eleitoral.

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A auxiliar de serviços gerais Sheila Leite participa pela primeira vez de uma consulta popularFoto: DW/K.Gomez

No centro de São Paulo, em frente ao Teatro Municipal, Thais de Souza Oliveira, de 26 anos, decidiu se manifestar, assim como em junho de 2013. Mas, desta vez, a estudante de economia não carrega faixas pela redução do valor das passagens do transporte público: ela quer participar de um plebiscito popular por uma reforma política.

"Não podemos nos envolver nessas questões apenas indo às urnas para eleger presidentes, governadores, prefeitos, vereadores e parlamentares. É importante exercer pressão, precisamos ter voz", diz, depois de depositar a cédula de votação na urna.

Organizado por cerca de 400 entidades, o intitulado Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político espera recolher, até este domingo (07/09), mais de 10 milhões de votos em todo o país, em urnas espalhadas pelas cidades e pela internet.

O objetivo é arrecadar votos favoráveis, que serão entregues ao Congresso Nacional como forma de pressionar deputados e senadores a criar uma assembleia constituinte para tratar de reformas nas instituições políticas.

"Se não houver avanços em espaços fora do Congresso Nacional, com uma constituinte que eleja pessoas exclusivamente para discutir e fazer a reforma política, o quadro atual irá persistir", afirma Lucas Pelissari, porta-voz da campanha e integrante do Levante Popular da Juventude.

A distribuição das urnas – são cerca de 40 mil – é feita de forma voluntária por entidades e cidadãos interessados. Mais de 1.500 comitês populares foram instalados nos 26 estados e no Distrito Federal.

Legitimidade

Como resposta aos protestos de junho de 2013, a presidente Dilma Rousseff anunciou, naquele mês, um pacto pela reforma política. Ela defendeu a convocação de um plebiscito para que os eleitores decidissem sobre um processo constituinte específico que estabeleceria as regras da reforma política.

Entrariam em discussão mudanças no sistema eleitoral, no financiamento das campanhas, nas coligações entre partidos e nas propagandas no rádio e na televisão. A presidente, porém, não encontrou apoio nem na base aliada e foi criticada por juristas. A tentativa fracassou.

O "plebiscito popular" que começou a ser realizado nesta segunda-feira é uma votação paralela, que não tem a legitimidade de um plebiscito convocado pelo Congresso, como exige a Constituição.

Para o advogado Luciano Santos, especialista em direito eleitoral e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a iniciativa serve para mobilizar a sociedade sobre o tema, dada a dificuldade em se convocar plebiscitos oficiais no país.

"Existem muitos pontos da reforma política que exigem alteração da Constituição e, como essas votações demandam quórum qualificado, são difíceis de acontecer. Aqueles que não querem alterar nada se aproveitam dessa dificuldade para manter a reforma política paralisada", analisa.

Plebiszit in Brasilien Urne am Platz Ramos de Azevedo in Sao Paulo 02.09.2014
Urna de votação instalada na Praça Ramos de Azevedo, no centro de São PauloFoto: DW/K.Gomez

Mais de 15 propostas de emenda constitucional (PECs) que tratam do tema tramitam no Congresso Nacional. Para ser aprovado, cada projeto deve ser discutido e votado em dois turnos, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, e ter três quintos de votos favoráveis nas duas casas.

Para o cientista político Pedro Fassoni Arruda, da PUC-SP, a realização de uma constituinte exclusiva para a reforma política é necessária, tendo em vista que a organização dos poderes de Estado se manteve intocada desde a promulgação da Constituição de 1988.

"Os deputados e senadores estão acostumados a legislar em causa própria. Se aguardarmos a ação dos políticos, nada vai acontecer", afirma.

Santos defende que o debate pode provocar uma maior mobilização dos parlamentares e acelerar o processo: "Apoiamos o plebiscito por ser uma demanda legítima da sociedade e por promover um amplo debate sobre o assunto."

Mesmo sem saber detalhes sobre o que seria uma reforma política, a auxiliar de serviços gerais Sheila Leite decidiu votar a favor da formação da constituinte.

"Precisa reformar tudo. Os políticos têm que fazer algo", diz a paulistana, que participou pela primeira vez de uma consulta popular.

Falta de consenso

O diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Abramo, argumenta que a realização do plebiscito popular é um equívoco. "Quem será eleito para fazer a constituinte, como serão feitas as campanhas?", questiona. "Os partidos estarão envolvidos de uma forma ou de outra."

Segundo ele, o lugar para se discutir a reforma política é no Congresso Nacional. "Não é uma questão de falta de vontade política. O principal ponto são as divergências. A alteração das regras político-eleitorais está sujeita a controvérsias", explica.

Para o cientista político Claudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas, a iniciativa popular não pode ser chamada de plebiscito.

"Trata-se apenas de uma consulta eletrônica, uma enquete de internet e que também é feita fisicamente em alguns lugares. Temos um 'plebiscito' a favor, cuja convocação já define qual deve ser a resposta correta", critica o cientista político, que considera a aprovação da proposta "altamente improvável".

Para Couto, a reforma política deve ser feita de forma paulatina. Ele cita mudanças já promovidas, como a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos, a reeleição presidencial, a mudança no trâmite das medidas provisórias e a lei que pune a compra de votos.

"O que funciona mesmo é uma pressão da sociedade sobre o Congresso para aprovar medidas específicas, como foi o caso da lei da ficha limpa", diz.

O resultado do "plebiscito popular" deve ser divulgado no dia 16 de setembro. O cientista político Pedro Arruda, da PUC-SP, reconhece que será difícil para os movimentos sociais conseguir alguma mudança com o plebiscito: "O Congresso deixou o assunto de lado e as entidades ainda não conseguiram popularizar a proposta."

Plebiszit in Brasilien Thais de Souza Oliveira Sao Paulo 02.09.2014
A estudante Thais de Souza Oliveira votou a favor da constituinte exclusiva para a reforma políticaFoto: DW/K.Gomez

Projeto de lei

Paralelamente à realização do "plebiscito popular", cerca de cem entidades, como o MCCE, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), coletam nesta semana assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular sobre a reforma política. Assim como a Lei da Ficha Limpa, as mudanças seriam tratadas em lei ordinária, e não exigem alterações na Constituição.

Foram escolhidos temas como a proibição do financiamento privado das campanhas e a ampliação da democracia direta. "A história dos processos de participação popular, com democracia direta, resultou em manifestação pró-democracia, como as 'Diretas Já' e a Constituinte em 1987. O brasileiro quer democracia e mais participação", afirma Cezar Brito, da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas.

O projeto de lei tem como principal objetivo retirar a influência do poder econômico sobre o processo eleitoral. Já para Abramo, a reforma política deve se concentrar na redução das nomeações de cargos no Executivo, que têm um "efeito devastador" sobre a eficiência do serviço público.

"É preciso tirar a capacidade dos chefes do Executivo de comprar os partidos políticos. As legendas não fiscalizam os governos e deixam de representar a população. Precisamos de um presidente forte que constranja o Congresso", analisa.