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A matéria escura e o nascimento do cosmos

Cornelia Borrmann (cn)22 de junho de 2014

O universo é ainda um grande mistério. Mas cientistas europeus, que comprovaram a existência da "partícula de Deus", trabalham para descobrir a composição de 25% do cosmos no Grande Colisor de Hádrons do centro Cern.

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Foto: picture-alliance/dpa

Munidos de telescópios, os astrônomos observam estrelas, névoas luminosas, nuvens de poeira. Mas esses elementos visíveis só correspondem a 5% do universo. A grande parcela restante é invisível, e detectada apenas devido à ação de seu campo gravitacional – como no caso da energia e da matéria escuras.

Nos próximos anos, pesquisadores do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) de Genebra, onde está localizado o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, pretendem descobrir a composição da matéria escura e desvendar seus mistérios.

Uma recente medição do satélite europeu Planck revelou que praticamente 70% do universo é composto por energia escura. Ela parece estar distribuída uniformemente e age de forma repulsora, fazendo com que o cosmo se expanda com velocidade crescente.

O restante, ou seja, cerca de 25% do cosmos, é composto por matéria escura, cujo efeito atrativo mantém coesas as galáxias e os aglomerados galácticos. Assim como a espuma na superfície da água, a matéria luminosa se concentra onde a matéria escura é mais densa.

Esses componentes misteriosos foram descobertos por pesquisadores já na década de 1930. O físico e astrônomo suíço Fritz Zwicky descobriu que a matéria visível do aglomerado de Coma não bastava, nem de longe, para manter coesas as mais de mil galáxias individuas que compõem esse sistema.

Mapeamentos abrangentes do universo, como o levantamento Sloan Digital Sky Survey (SDSS), analisaram as estruturas cósmicas resultantes da disposição das galáxias e aglomerados galácticos, registrando mais indícios da existência da matéria escura.

CERN Europäische Organisation für Kernforschung
Experiência no Cern quer produzir matéria escuraFoto: 2010 CERN

Cosmo virtual

Com programas especiais, como o Millennium Simulation, os astrofísicos simulam virtualmente o crescimento de estruturas cósmicas e o desenvolvimento do universo. O computador se torna uma máquina do tempo, reduzindo a "eternidade" – processos que na natureza duram milhões ou até mesmo bilhões de anos – a segundos. Os simuladores possibilitam, por exemplo, observar a dinâmica do surgimento dos chamados filamentos galácticos – amplas estruturas cósmicas compostas por galáxias e aglomerados.

Em seus experimentos cosmológicos de criação, os pesquisadores podem alterar a combinação de elementos em seus universos. E ficou comprovado que, somente mantendo-se a porcentagem de matéria escura descrita na teoria, formam-se no cosmo virtual estruturas semelhantes às encontradas hoje na natureza.

Físicos de partículas já desenvolveram teorias diversas sobre a composição dessa matéria misteriosa. Uma variante promissora seriam as "partículas massivas de interação fraca" (weakly interacting massive particlesou WIMPs). Ainda não observadas na prática, elas estariam sujeitas apenas à gravidade e à interação fraca.

Candidatos possíveis resultam de teorias baseadas na supersimetria hipotética, as quais preveem uma ampliação da diversidade das partículas descrita no modelo-padrão teórico. Este constitui uma espécie de sistema de blocos de construção do universo, com as 12 partículas elementares que compõem todos os átomos da matéria conhecida.

Com a descoberta em 2012, no LHC, do bóson de Higgs, conhecido como "partícula de Deus", ficou comprovada a existência da partícula que faltava no modelo-padrão, e a teoria foi experimentalmente confirmada. Ou seja: as características descritas no modelo-padrão de componentes da matéria correspondem de forma ideal às encontradas na natureza.

"Portal para a matéria escura"

Nos próximos anos, os físicos encarregados do LHC querem explorar dimensões energéticas jamais produzidas na Terra. Para tal, vão acelerar mais pacotes de prótons maiores, fazendo-os colidir com maior frequência. Assim, no centro do colisor se formará uma bola de fogo ainda mais quente, a partir da qual se criarão partículas minúsculas: os "blocos de construção" da matéria. Quanto maior a produção de energia, mais pesadas as novas partículas.

Os pesquisadores esperam poder ver a partícula mais leve, dentre as previstas na teoria da supersimetria. Ela poderia ser o tão procurado componente da matéria escura, pois, segundo a teoria, essa partícula surge da decomposição da matéria escura.

A partir de modelos virtuais, os pesquisadores do Instituto Max Planck de Física, sediado em Munique, já ensaiam a maneira de "farejar" partículas de matéria escura nos detectores do LHC. "Essa simulação nos ajuda a descobrir o que devemos procurar depois, no imenso fluxo de dados", expõe Hubert Kroha, pesquisador do instituto.

Além da supersimetria, o bóson de Higgs, recém-descoberto no Cern, também tem um papel importante. Ele poderia ser a "alça" pela qual os físicos conseguirão "segurar" também a matéria escura, já que essa partícula é o que dá massa a toda matéria – e é sobretudo pela gravidade que a matéria escura se manifesta. "O bóson de Higgs poderia interagir com a matéria escura" e fornecer aos pesquisadores informações sobre suas propriedades, especula Kroha. Por isso, o mundo científico fala de um "portal de Higgs para a matéria escura".

CERN Europäische Organisation für Kernforschung
Existência da partícula de Deus foi comprovada em 2012Foto: 1997 CERN

Presença invisível

Contudo, os cientistas não verão nos detectores a matéria escura, em si. Eles a reconhecerão apenas pela ausência de energia, uma vez que ela não deixa vestígios, como os demais elementos da matéria surgidos da colisão de prótons.

Os cientistas sabem exatamente quanta energia se produz na colisão de dois prótons, pois ela pode ser medida precisamente, assim como a energia dos componentes de matéria resultantes do choque, e também seu caminho através das diferentes camadas do gigantesco Detector Atlas do LHC.

Na maioria das colisões, os componentes da matéria se espalham em todas as direções, quase uniformemente. Somados, eles acusam uma quantidade de energia igual à decorrente da colisão dos prótons.

Se após um choque ocorre um desequilíbrio na distribuição da energia medida, e as partículas visíveis possuem muito menos energia do que a resultante da colisão dos prótons, esse poderia ser um indício da presença de matéria escura. Com base nos modelos que descrevem todas as possíveis reações das partículas, os físicos podem descobrir de que se compõe a matéria escura.

Se os pesquisadores do LHC conseguirem provar que a matéria escura é composta por partículas e desvendar sua natureza, eles estarão um pouco mais próximos de um antigo sonho: a teoria unificada. Esta reuniria todas as quatro forças fundamentais da natureza: a gravidade; a força nuclear forte, que mantém unidos os núcleos atômicos; a força nuclear fraca, pré-requisito para a radioatividade; e o eletromagnetismo.

Albert Einstein já procurava por ela, mas em vão: essa "teoria de tudo", que abrange o microcosmos, o macrocosmos, o mundo quântico e a teoria da relatividade, poderia fornecer novos insights sobre as fases iniciais do nascimento do universo – a origem de toda a existência.