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Pão como Patrimônio Imaterial da Unesco

Jennifer Fraczek (msb)27 de fevereiro de 2014

A qualidade das padarias alemãs é objeto de admiração e inveja pelo mundo afora . No entanto, em casa, os alemães compram mesmo é no supermercado. Associação profissional quer renascimento do ofício artesanal.

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Foto: Fotolia/Grecaud Paul

Quando o assunto é massa, os alemães se mostram particularmente orgulhosos, sobretudo se estão no exterior. Resmungar sobre o pão branco típico do sul da Europa é quase tão antigo quanto a produção panifícia artesanal da Alemanha.

De volta à casa, porém, os "reclamões" não recorrem aos artesões tradicionais, mas sim às padarias em massa e aos supermercados. Com sua produção barata, estes ameaçam cada vez mais a existência das panificadoras: a cada ano, entre 300 e 500 delas fecham as portas no país.

Na luta contra a concorrência desigual, os padeiros alemães procuraram meios de valorizar o seu produto. Daí a ideia de tornar o pão – ou, mais exatamente, a sua diversidade – um patrimônio cultural. "Nenhum país do mundo tem uma variedade de pães tão grande como a Alemanha", justifica o presidente da Associação Central dos Padeiros Alemães, Peter Becker, em entrevista à Deutsche Welle.

Para que o saber tradicional não se extinga

A categoria de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade foi criada em 2003, em complemento ao título já concedido pela Unesco. Como lembra Dieter Offenhäusser, vice-secretário-geral da comissão alemã da Unesco, o movimento para reconhecimento dos bens imateriais partiu de alguns países da Ásia e da África, que não viam suas culturas suficientemente representadas no Patrimônio Cultural (material).

Elegíveis como bem imaterial são formas de expressão ou tradições – como danças, rituais, tipos de música ou de artesanato. Eles representam parte viva de uma cultura, e protegê-los significa cuidar para que o saber tradicional não se extinga.

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"Schemenlaufen" do Tirol é um dos 281 bens imateriais da UnescoFoto: Melitta Abber/UNESCO

Os bens culturais são subdivididos em três grupos, dos quais o mais importante é a Lista Representativa, composta atualmente por 281 itens. Entre eles está o tango argentino, o Schemenlaufen (celebração carnavalesca do Tirol), o silbo (linguagem assobiada dos habitantes da ilha espanhola de La Gomera) e a festa do Círio de Nazaré, realizada em Belém do Pará.

Pão versus cerveja e bactérias

A Alemanha aderiu em 2013 à convenção para a preservação de bens culturais imateriais. Comunidades, grupos e indivíduos foram convocados a dar sugestões até o fim de novembro. Ao todo, recolheram-se 128 indicações.

Além do pão, foram propostas a terapia microbiológica Heilen mit Bakterien (Curar com bactérias), ou o Graweredersch, dialeto e tradição narrativa oral típicos de uma localidade no estado de Turíngia. A Associação dos Cervejeiros Alemães lançou um concorrente forte: o preceito de pureza na produção de cerveja (Reinheitsgebot), decretado em 1516 na Baviera e, em parte, vigente até hoje.

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Lei de pureza para fabricação da cerveja alemã concorre a títuloFoto: picture-alliance/ dpa

Até abril, cada estado alemão poderá escolher uma ou duas dentre as 128 sugestões. A Conferência Permanente dos Secretários Estaduais de Educação e Cultura e um comitê de especialistas da Comissão da Unesco na Alemanha compilarão juntos, então, a lista final, contendo entre 30 e 50 itens, inclusive as sugestões transestaduais. Os pedidos de inclusão na Lista Representativa serão feitos aos poucos: o primeiro patrimônio imaterial da Alemanha não constará dela antes de 2016.

"Padarias alemãs" pelo mundo

Quanto às perspectivas de sucesso para os panificadores, Offenhäusser relativiza: "Prova de que o pão alemão é excelente, com uma reputação extremamente boa também no exterior, são as boas panificadoras, pelo mundo afora, que se identificam como 'German bakery'." A questão, contudo, é: até que ponto, dentre um grande número de diferentes técnicas artesanais, tradições e ritos, o ofício do padeiro será visto pelos especialistas como representativo do patrimônio cultural imaterial da Alemanha, observa o representante da Unesco

Mas Peter Becker está convencido de que tudo vai dar certo. Segundo ele, o pão marcou substancialmente a cultura alemã: a relativa facilidade de produção e a disponibilidade de se obter pão ao longo de todo o ano teria permitido às comunidades se fixarem e fundar cidades.

Tango-Tänzer in Buenos Aires, Argentinien
Unesco tenta proteger formas marcantes de expressão cultural, como o tangoFoto: Getty Images

O presidente da Associação dos Padeiros ressalta que essa riqueza tão grande de tipos de pão se deve à diversidade climática do país, que permite produzir todo tipo de cereal. A diversidade pode ser observada também em números. Atendendo ao pedido da associação, os produtores apresentaram mais de 3 mil receitas de pão "significativamente diversas", em parte com nomes exóticos como Fünfer Pfundskerl, Holzofenkruste ou Korntaler Brotsinfonie.

Esperança de renascimento

O número dos bens culturais imateriais reconhecidos pela Unesco cresceu mais rapidamente do que o dos demais patrimônios culturais e naturais – que hoje já chegam a quase mil. Repetidamente, a agência é confrontada com acusações de que a concessão dos títulos seria inflacionária.

Deutschland UNESCO Dieter Offenhäußer
Dieter OffenhäusserFoto: UNESCO

Por isso, enfatiza o vice-secretário Dieter Offenhäusser, é importante que os futuros bens imateriais não sejam apenas interessantes e justificáveis para os cientistas, mas também para o público amplo.

É difícil avaliar até que ponto tornar-se patrimônio imaterial pode ser relevante para os fabricantes de pães. Becker acredita que o título incrementaria o orgulho dos padeiros por seu ofício, além de trazer um potencial aumento da clientela. Afinal, enquanto em todo o mundo a Alemanha é admirada por sua cultura panifícia, "estamos possivelmente abrindo mão de algo que é motivo de inveja para outros", adverte o presidente dos profissionais alemães.