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Opiniões divergem sobre cessar-fogo em Moçambique

Romeu da Silva (Maputo) / Márcio Pessôa14 de março de 2014

Parece não haver acordo ou apelo que trave a tensão político-militar em Moçambique. RENAMO diz que o cessar-fogo não será para já. Sociedade civil afirma que negociações não fazem sentido enquanto soarem armas no país.

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Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images

Políticos, académicos e sociedade civil sentaram-se à mesma mesa, nesta quarta-feira (12.03), para analisar a atual situação político-militar em Moçambique. As partes divergem sobre o atual cenário: a sociedade civil diz que não faz sentido a RENAMO e o Governo continuarem na mesa de negociações enquanto continuam a soar armas nas matas da Gorongosa, província central de Sofala. Dizem não entender porque é que as duas partes continuam a lutar, uma vez que o pacote eleitoral - que era o grande bico d´obra - já foi ultrapassado.

A RENAMO, o maior partido da oposição, diz que o cessar-fogo não será para já. O porta voz do presidente da RENAMO, António Muchanga, considera que é preciso encontrar uma força neutra para mediar o cessar-fogo e o resto as duas partes vão resolver. Muchanga afirma que "não é de qualquer maneira que um cessar-fogo é alcançado. Mesmo quando duas pessoas lutam, uma com um pau e outra com um machado, não há quem entregue a sua arma ao outro. É preciso perceber isso". "Nós, agora, vamos avançar para o cessar-fogo. Quem é que o vai supervisionar? Quem é que tem de entregar as armas a quem?", questiona.

RENAMO questiona sociedade civil

Neste momento, as duas partes estão a discutir a questão da desmilitarização da RENAMO. António Muchanga disse não perceber "porque tem de haver um cessar-fogo para depois parar o conflito”. "O que eu percebo é que as partes conseguiram definir duas coisas fundamentais. Tínhamos que avançar para as questões da legislação eleitoral, o que já foi conseguido, e avançar para as questões de defesa e segurança. Concluídas essas questões, passaríamos para os termos seguintes. O Governo chegou lá com a questão prévia de que só estaria disponível para discutir as questões militares com um cessar-fogo. E está-se agora a discutir as modalidades do cessar-fogo".

A RENAMO acusou também a sociedade civil de não saber posicionar-se. Alguns membros da sociedade civil questionam agora a demora no cessar-fogo, mas, antes, concordavam com o recurso às armas, diz o partido. "Lamentavelmente, quando as 24 rondas estavam a durar, a sociedade civil não dizia nada", afirma Muchanga, lembrando que "alguns elementos que hoje questionam a demora do cessar-fogo, eram aqueles que consideravam que o conflito tinha que arrancar". "Porque é que mudaram de juízo?", questiona.

António Muchanga
António Muchanga, porta-voz do presidente da RENAMOFoto: DW/Romeu da Silva

Gestão do conflito passa por cessar-fogo, diz analista

O académico Rui Janeiro, por sua vez, diz não fazerem sentido as negociações entre o Governo e a RENAMO, quando no terreno estão a morrer pessoas. "Há zonas onde estão a ser pilhadas riquezas. Há zonas que a população local está a abandonar. Há empobrecimento rural, menos investimento, menos políticas sociais para desenvolver aquelas zonas".

Rui Janeiro, que é igualmente especialista em gestão de conflitos, critica Muchanga quando este fala em primeiro alcançar o acordo e só depois chegar ao cessar-fogo, afirmando: "Primeiro temos que passar pela gestão do conflito, que é o cessar-fogo. É este o primeiro passo, o fim das hostilidades. Só depois se vai para o segundo passo, a resolução do conflito, as negociações, a assinatura de acordos. Como é que se vai chegar a um acordo quando ainda há zonas onde ocorrem mortes?".

António Dilengue, membro da sociedade civil, desvaloriza as críticas de Muchanga. Em nome da paz, concorda que o cessar-fogo pode ser alcançado com a intervenção de organizações internacionais, mas afirma que se "coloca aqui uma dúvida: quem são e o que representam as instituições internacionais. Não podemos esquecer que há interesses que regem estas organizações que podem beneficiar uma das partes".

Dialog zwischen RENAMO und Regierung in Mosambik
Uma das rondas de negociações entre RENAMO e GovernoFoto: DW/L.Matias

Chissano assume erro, RENAMO discorda

Entretanto, a entrevista do ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano ao canal moçambicano STV, esta semana, ainda repercute dentro e fora de Moçambique. Chissano disse que o não-desarmamento da RENAMO foi, conforme suas palavras, o maior erro da sua governação.

“Foi excesso de confiança termos permitido que a RENAMO ficasse com armas. Quando começámos a agir, a RENAMO já tinha criado uma filosofia para se manter com armas. Nós não sabíamos quantos homens, quantas armas escondidas a RENAMO tinha. Preferimos jogar com o tempo, com a persuasão, com aproximação, e isso durou esses anos todos”, disse ao jornal O País.

O porta-voz da RENAMO discorda do presidente Chissano. António Muchanga lembra que a FRELIMO capturou as forças de segurança e a inteligência do Estado agindo contra a RENAMO. "Criou uma força paralela à polícia de choque, a famosa Força de Intervenção Rápida (FIR), que, até à assinatura do acordo de paz, não existia. Esta falta de reforma da polícia e dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) criou condições para que a polícia e o SISE fossem usados como braço armado do partido do presidente Joaquim Chissano, a FRELIMO", afirma, acrescentando que "estes grupos sempre atacaram a RENAMO.

Joaquim Chissano Ex-Präsident von Mosambik
Joaquim Chissano, ex-presidente de MoçambiqueFoto: Johannes Beck

"O SISE é responsável pelo aliciamento de muitos quadros da RENAMO para se rebelarem contra o seu presidente. Chissano tinha um plano de criar uma RENAMO renovada, à semelhança daquilo que aconteceu com a UNITA".

"Mea culpa" não influencia conversações atuais

O analista político Ericino de Salema afirma que a alegada "mea culpa" do ex-presidente não interfere nas atuais negociações. Ericino de Salema considera que Chissano "disse uma coisa que todos aqueles que estão atentos à realidade moçambicana já iriam prever". "O que o presidente Chissano não fez foi dizer como é que ele deveria ter desarmado a RENAMO", afirma, frisando que "esse é que é o problema".

Para o analista, as declarações desafiam a postura do Presidente Armando Guebuza nas negociações, uma vez que Chissano "diz alto e a bom som que se reuniu pelo menos duas vezes com o presidente da RENAMO, fora da capital do país e em nenhum momento ele se sentiu diminuído por causa disso. Acho que esse é um elemento importante, tendo em conta que, neste momento, o Presidente Guebuza diz que só se pode reunir com Dhlakama em Maputo".

O porta-voz da RENAMO mostra-se otimista quanto ao rumo das negociações e diz que o partido espera o cessar-fogo para iniciar o congresso e definir quem será o candidato às presidenciais. "A RENAMO terá que realizar um congresso dentro dos próximos dias", afirma, explicando que "ainda não há data, mas está nos estatutos que o candidato às presidenciais é confirmado pelo congresso".

"Primeiro, temos de chegar ao cessar-fogo. Depois vamos escolher a cidade onde vamos poder realizar outras coisas". Por parte da FRELIMO, diz Muchanga, "há respostas muito positivas, este ano, porque tivemos 24 rondas sem sucesso mas a FRELIMO mudou de ideias. Dizia que a revisão eleitoral era inconstitucional e amanhã vai ser publicada em Diário da República. Muitas coisas andavam mal no pensamento deles e chegaram à conclusão que estavam errados.

Edison Macuacua, porta-voz do presidente Armando Guebuza, não quis abordar estes assuntos. O porta-voz da FRELIMO, Damião José, esteve até ao encerramento desta matéria com os telefones desligados.

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