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Opinião: Oração a Chávez é mais do que piada de mau gosto

Uta Thofern (ip)8 de setembro de 2014

Ao fazer uso de elementos religiosos, o chavismo assustadoramente se assemelha cada vez mais a uma seita, opina a chefe do Departamento América Latina da DW, Uta Thofern.

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À primeira vista, achei que se tratava de propaganda antibolivariana. Afinal de contas, os opositores do socialismo nem sempre são escrupulosos.

Mas o vídeo online não era uma farsa: num recente congresso do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), um ativista realmente recitou uma versão do Pai Nosso dedicada a Hugo Chávez. E, na hora do amém, foi acompanhado por centenas de vozes que gritavam "Viva Chávez". Eu não sabia se ria ou chorava, então decidi simplesmente desconsiderar. Mas a história estava longe de terminar.

Como era de se esperar, a Igreja Católica na Venezuela reclamou e exigiu respeito à principal oração do Cristianismo – algo justo. Menos esperada, no entanto, ao menos a partir de uma perspectiva racional, foi a reação do novo presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

É claro que ele não poderia abandonar seus camaradas, mas comparar a oração à obra de Pablo Neruda, um ganhador do Prêmio Nobel, e chamar os cardeais de novos inquisidores foi ir um pouco longe demais. Até a emissora estatal defendeu o poema, chamando a "poesia" de uma "correção necessária das distorções da oposição de direita".

O que assusta nessa irracionalidade é que ninguém mais ri disso na Venezuela. Quando Maduro afirmou, durante a campanha presidencial de 2013, que o espírito de Chávez o havia inspirado na forma de "um pequeno passarinho", isso ainda poderia ser visto como uma metáfora infeliz. Mas já naquela ocasião ele se referiu a Chávez como "um líder que incorporou os valores de Cristo".

Tudo indica que Cristo não se faz mais necessário na Venezuela: o finado Chávez parece bastar em termos de exaltação religiosa. O movimento bolivariano parece estar evoluindo de confissão político-religiosa para seita, incluindo o fanatismo intrínseco a elas, a incapacidade de debater e, é claro, a tendência ao isolamento e às teorias conspiratórias. Se algo dá errado na Venezuela, a culpa é sempre das maquinações do inimigo – seja ele a oposição, seja o capitalismo estrangeiro.

Já é suficientemente assustador quando a oposição política é transformada em inimigo. Mas, quando uma ideologia vira a única doutrina verdadeira, a crítica se transforma em heresia, e a mudança de governo passa a ser o apocalipse. Isso não tem mais nada que ver com democracia.

Como alemã, o que mais me assusta é a suspeita de que uma psicose coletiva esteja sendo introduzida de forma intencional na Venezuela, de que Maduro não seja apenas um crente ingênuo que tenta desajeitadamente compensar sua falta de carisma com o enaltecimento de Hugo Chávez – mas, em vez disso, que a liderança bolivariana esteja deliberadamente explorando símbolos religiosos e emoções e, assim, abusando das necessidades espirituais do povo. Porque, na Alemanha, ações desse tipo sempre vieram acompanhadas de uma ditadura.