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O planeta vendido

Vandana Shiva (vn)24 de maio de 2007

O G8 continua as negociações para a atualização das leis de proteção intelectual. Entretanto, Vandana Shiva acredita que essas mudanças vão apenas impor monopólios e violações de patentes em favor das corporações.

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Indische Bürgerrechtlerin Vandana Shiva in Berlin
Vandana ShivaFoto: picture alliance/dpa

As maiores ameaças colocadas pela globalização são a comercialização e a privatização do planeta.

O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) marcou uma reviravolta chave no processo de propriedade intelectual, ao privatizar as formas de vida e a biodiversidade. Ele foi elaborado pela Organização Mundial de Comércio em 1996, durante a Rodada do Uruguai que discutiu o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt),

O ADPIC não apenas tornou globais, no sentido geográfico, as leis de direitos de propriedade intelectual (IPR), como também removeu limites éticos, patenteando formas de vida e biodiversidade. Organismos vivos e formas de vida auto-reprodutivas, incluindo sementes, foram assim redefinidos como máquinas e mercadorias fabricadas e inventadas pelos proprietários das patentes.

De acordo com os direitos de propriedade intelectual, o detentor da patente possui o direito exclusivo para produzir, utilizar e vender sementes. O armazenamento de sementes realizado pelos fazendeiros se transformou de um "dever sagrado" a crime de roubo à "propriedade". O artigo 27.3 (b) do ADPIC, relativo as patentes de recursos vivos, foi basicamente empurrado pelas empresas de biotecnologia, a fim de estabelecê-las como os senhores da vida.

Como conseqüência do ADPIC, as companhias químicas compraram a maior quantidade possível de sementes e de empresas de biotecnologia e se reorganizaram como corporações de ciências da vida, exigindo patentes de genes, sementes, plantas e animais. Cerca de 8% de todas as sementes geneticamente modificadas plantadas são de propriedade intelectual do conglomerado norte-americano Monsanto.

A companhia agrícola também é detém patentes sobre numerosas variedades de algodão, mostarda, soja – sementes que não foram "inventadas" ou "criadas" pela Monsanto, mas que têm evoluído ao longo de séculos de inovação, por fazendeiros que confiam na biodiversidade natural.

Como resultado da globalização, corporações como a Monsanto ganharam o monopólio do controle de sementes. Na Índia, eles entraram inicialmente através das sementes híbridas de algodão e depois com sementes de algodão Bt, geneticamente modificadas para serem resistentes a insetos.

O custo elevado das sementes, que não são nem renováveis nem confiáveis, levou os agricultores indianos à miséria, precipitando milhares no suicídio. O governo da Índia revelou em 2006 que 150 mil lavradores se suicidaram na última década. O "cinturão do suicídio" compreende as regiões onde firmas como a Monsanto estabeleceram o monopólio de sementes.

Entretanto, em vez de promover o acesso a sementes para todos os lavradores e o acesso a medicamentos para todos, o G8 promove o acesso quase monopolizador aos mercados pelas multinacionaiss, que também são as gigantes do setor de sementes biotecnológicas.

As prioridades da presidência alemã do G8, que constam do documento Crescimento e responsabilidade – Tema para o G8 da Alemanha, referem-se repetidamente ao fortalecimento dos direitos IPR em favor das corporações, enquanto falha em levar em conta as conseqüências, para os lavradores, do patenteamento de sementes. No documento sobre as prioridades, consta que:

"A inovação é a chave da competitividade para as economias altamente desenvolvidas. (…) Queremos promover uma proteção efetiva maior às inovações, reforçando a proteção à propriedade intelectual. Nesse contexto, não queremos apenas acabar com a oferta de produtos fraudulentos e a pirataria de marcas. (…) Além disso, queremos iniciar um diálogo estruturado e formalizado com as economias emergentes sobre as dificuldades de implementação e possibilidades de melhoria do sistema internacional de proteção à propriedade intelectual."

Não há qualquer menção à biopirataria como uma parte dos direitos de propriedade intelectual e o patenteamento de produtos é tratado como um direito – o que demonstra um apoio direto aos monopólios corporativos de sementes.

Em vez de comprometer-se a realizar uma reforma profunda do ADPIC, a prioridade do G8 é criar novos acordos, a fim de impor monopólios e violações de patentes em favor das corporações.

Se o ADPIC levou ao suicídio centenas de milhares de lavradores na Índia, por negar sementes para eles, com quanto mais violência a versão ampliada do ADPIC, conduzida pelo G8, atingirá os países pobres? Os direitos corporativos de propriedade intelectual se tornaram uma ameaça para a sobrevivência dos pobres.

Vandana Shiva é física, ecologista, ativista e escritora. Na Índia, ela fundou o Navdanya, um movimento pela conservação da biodiversidade e direitos dos agricultores. Ela também dirige a Fundação de Pesquisa para a Ciência, Tecnologia e Política de Recursos Naturais.