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Eleição presidencial boliviana tem um pequeno defeito

Uta Thofern (ca)13 de outubro de 2014

Evo Morales foi reafirmado no poder com quase 60% dos votos, seu partido tem maioria de quase dois terços. Mas faltam valores democráticos a seu governo, opina Uta Thofern, chefe do Departamento América Latina da DW.

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A Bolívia votou por mais cinco anos de Evo Morales, optando assim pela continuidade, estabilidade e, provavelmente, também por ainda mais impulso econômico. O balanço de sua presidência se reflete no impressionante resultado eleitoral. Por ocasião de sua primeira vitória, há nove anos, poucos teriam esperado isso: a Bolívia recebeu boas notas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia está crescendo, a pobreza está diminuindo e – talvez o mais importante – o governo investe com sucesso na educação.

Deutsche Welle Uta Thofern
Uta Thofern é chefe do Departamento América Latina da DWFoto: Bettina Volke Fotografie

Política econômica sustentável

Após séculos de opressão por uma classe dominante branca, Morales conseguiu restituir o orgulho e a autoconfiança à grande maioria indígena de seu país. Certamente, sua política foi favorecida pelos altos preços das matérias-primas; o presidente tirou o máximo dos recursos naturais de seu país, ao estatizar empresas e aplicar os lucros em programas sociais.

Mas ao contrário, por exemplo, do governo social-populista da Venezuela, Morales não perdeu de vista a sustentabilidade: seu objetivo é transformar a Bolívia, de país exclusivamente exportador, num Estado capaz de processar suas próprias matérias-primas. E, apesar de toda a retórica socialista, nesse processo o presidente coopera com sucesso com grande parte do empresariado.

Ou seja, tudo feito corretamente, como se tirado do manual de desenvolvimento sustentável. De onde vem, então, esse desconforto, essa sensação incômoda, e o que justifica as críticas, de dentro e de fora do país, já ouvidas desde antes das eleições?

Tratamento questionável à oposição

Será apenas a controversa terceira candidatura – que a rigor não está prevista na nova Constituição, mas que foi aprovada pelos tribunais superiores, com o argumento de que o primeiro mandato de Morales teria se realizado praticamente em outro país? Será a preocupação de que o partido governista possa abrir o caminho para novos mandatos, mesmo tendo sempre negado tais intenções?

Serão as queixas sobre as restrições à liberdade de imprensa e as desvantagens para os candidatos da oposição durante a campanha eleitoral; ou a questão será a recusa do presidente em debater publicamente com seus adversários, uma única vez que fosse, sob a justificativa de que Morales não tem de conversar com capitalistas?

Talvez seja a mistura de tudo isso, a retórica populista misturada à arrogância do poder, que se apresenta como proximidade para com o povo e, na realidade, não está longe do culto à personalidade. A oposição é desqualificada como antiquada e supérflua, quando não é apresentada como inimiga do povo. A crítica não é vista como algo normal e produtivo, mas sim como crime de lesa-majestade.

Importância da democracia

Isso cheira a desdém, a desprezo – também um pouco, a vingança. "Vocês vão ver só", "Agora é a nossa vez": emoções de uma maioria longamente oprimida, que Morales fomenta. Os defensores do "Estado plurinacional", proclamado com a nova Constituição, consideram isso justificado. Após séculos de exploração colonial, é preciso conceder à Bolívia uma espécie de período de transição.

Quero dizer: isso também é uma forma de paternalismo. Evo Morales teria vencido esta eleição com grande vantagem, mesmo tendo concedido mais espaço à oposição.

O valor de uma democracia se comprova na forma como lida com a oposição, na possibilidade de uma mudança de governo, na capacidade para debates e acordos. Evo Morales é culto demais para não saber disso. O fato de não agir de acordo é mais do que um pequeno defeito. Será que ele subestima seu próprio povo?