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México necessita de um debate democrático

Uta Thofern (ca)10 de novembro de 2014

O destino cruel dos 43 estudantes de Iguala expôs uma imensa falha sistêmica do México. Para Uta Thofern, chefe do departamento América Latina da DW, é um erro fatal o governo mexicano querer ignorar esse fato.

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"Ya me cansé" – "Basta", disse o procurador-geral da República relatar sobre o resultado das investigações: sobre a confissão de três presumíveis narcotraficantes de terem matado os estudantes e incinerado seus corpos; sobre os policiais que, antes, haviam entregado os jovens à gangue de tráfico Guerreros Unidos; sobre o suposto envolvimento do prefeito de Iguala.

Deutsche Welle Uta Thofern
Uta Thofern, chefe do departamento América Latina da DWFoto: Bettina Volke Fotografie

Talvez o procurador-geral tenha dito "basta" apenas no sentido do próprio cansaço, talvez estivesse, ele mesmo, farto das estruturas que desmascarava. Talvez tenha reconhecido que assim não pode continuar.

Os cidadãos enfurecidos que vão novamente às ruas no México, entenderam outra coisa: "Agora, está bom." Mas nada está bom, nada pode estar bom, num país em que sequestros em massa e execuções se tornaram tão comuns, que de início não são consideradas necessárias investigações em nível federal, como no caso de Iguala.

Até hoje, o governo do presidente Enrique Peña Nieto insiste que a responsabilidade é das autoridades locais e regionais. O fracasso delas, sua ligação com o crime organizado, são condenados com repulsa e indignação – com razão. Mas Iguala não é um caso isolado. Também em outros municípios e estados, cartéis e autoridades corruptas trabalham lado a lado.

Até que ponto um Estado em direito de estar cansado, um presidente, de se desinteressar? É aparente que as instituições mexicanas estão podres e desgastadas. É mais do que óbvio que os cidadãos não confiam mais no Estado. O fato de o presidente não se ver como alvo dessa indignação, é incompreensível.

Demorou demais até ele se dirigir às famílias das vítimas de Iguala, e não deixou a impressão de tê-las recebido com empatia. Em vez disso, parece se irritar por as ocorrências atrapalharem seus compromissos presidenciais, por elas ameaçarem seu ambicioso programa de reformas e prejudicarem a imagem do México. Peña Nieto parece não ter reconhecido a gravidade da situação.

Iguala é um divisor de águas. "Ya me cansé" se transformou em grito de batalha dos estudantes nas passeatas, em clamor na internet, em iradas exigências de renúncia do presidente e do procurador-geral da República – para alguns, até mesmo em justificativa para protestos violentos. Mas vozes críticas já advertiram que tudo isso não é solução. O que aconteceria após uma renúncia?

O México precisa de um debate fundamental sobre tudo o que tem dado de tão terrivelmente errado num país que parecia estar diante de uma virada para melhor. Mas reformas econômicas e educacionais não servem para nada se as estruturas do Estado estão apodrecidas e se as colunas-mestras das instituições repousam sobre um pântano.

Até agora, o movimento de protesto não tem nem líder nem objetivos claramente formulados, todos os partidos estabelecidos estão desacreditados, e os cidadãos não têm mais paciência. Se o presidente não agir agora de forma decisiva e digna de crédito, a anarquia ameaça se instalar no país.

Só ele pode dar partida a um diálogo amplo, de que também participem aquelas forças da sociedade civil que, até agora, só têm voz ativa nas ruas. Só ele pode convidar – além de representantes de organizações de direitos humanos, dos estudantes e das Igrejas – também observadores internacionais para essa confrontação com os problemas nacionais.

Vinte e cinco anos atrás, o povo da Polônia alcançou uma democracia de verdade com um debate assim. O México é diferente, mas também o México precisa de uma mesa-redonda, hoje.