1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Cartas estão sendo reembaralhadas no Oriente Médio

Rainer Sollich (pv)24 de setembro de 2014

Envolvimento de Estados árabes nos bombardeios aéreos aos jihadistas na Síria é tão necessário quanto arriscado para eles, opina Rainer Sollich, da redação árabe da DW.

https://p.dw.com/p/1DJkz

A Arábia Saudita está envolvida militarmente, assim como o Catar, a Jordânia, o Bahrain e os Emirados Árabes Unidos. A integração desses cinco Estados árabes aos ataques aéreos dos Estados Unidos ao "Estado Islâmico" (EI) na Síria é uma jogada inteligente do presidente Barack Obama: ao contrário de seu antecessor, George W. Bush, Obama se protege da melhor maneira possível contra a acusação – popular no mundo árabe – de que os EUA travam guerras contra o Islã ou contra os muçulmanos para impor seu poder e seus interesses econômicos.

Deutsche Welle Rainer Sollich Arabische Redaktion
Rainer Sollich, da redação árabe da DWFoto: DW/P. Henriksen

E, de fato, o envolvimento desses cinco Estados governados por sunitas é um sinal forte: como nunca antes, os regimes locais se posicionam claramente, e em conjunto, contra o terrorismo e as brutalidades supostamente cometidas em nome do islã. Isso é notável porque justamente os Estados do Golfo ostentam a fama de terem, por anos, tolerado ou até mesmo incentivado a ação de grupos jihadistas na guerra civil da Síria com o objetivo de enfraquecer o ditador Bashar al-Assad e seu principal aliado, o Estado xiita do Irã.

Esse Estados reconsideraram suas posições agora? Aparentemente sim – mesmo que isso tenha levado muito tempo. E a razão é óbvia: eles veem o EI cada vez mais como uma ameaça aos seus próprios regimes ultrapassados. Principalmente a Arábia Saudita, que paralelamente à sua parceria estratégica com os EUA cultiva uma visão profundamente fundamentalista do islã, vê-se desafiada pelos jihadistas do EI.

Por isso, ela combate fortemente, no âmbito político, também os concorrentes da Irmandade Muçulmana. O objetivo é claro: o regime da Arábia Saudita não quer perder o seu papel de liderança no mundo árabe para grupos adversários de cunho sunita da mesma forma que não quer perdê-lo para o rival xiita Irã.

Mas, com sua participação militar, os regimes árabes assumem também um alto risco político interno: mesmo que a maioria dos cidadãos nos países árabes tenda a rejeitar os métodos do EI, correntes radicais islâmicas ainda gozam de simpatias por lá. Caso os ataques aéreos causem muitas vítimas entre a população civil, ou caso Assad, deliberadamente excluído da participação militar, venha a se beneficiar da luta contra o terrorismo, um descontentamento perigoso pode se espalhar rapidamente pelos países árabes.

Ambos os casos não podem ser descartados: uma "guerra limpa", sem "efeitos colaterais", especialmente a partir do ar, é difícil também contra o EI. E os grupos de oposição não jihadistas da Síria estão longe de estarem militarmente equipados para enfrentar tanto o regime quanto os jihadistas simultaneamente.

É difícil avaliar as consequências de longo prazo dessa investida. É possível derrotar o EI e grupos ligados à Al Qaeda sem o uso de tropas terrestres? Pouco provável. Também é pouco provável que Iraque e principalmente a Síria possam, depois do derramamento de sangue, transformar-se novamente em Estados nacionais que funcionem e nos quais diferentes grupos étnicos compartilhem o poder de forma justa e vivam em paz. Para isso, falta disposição a todos os lados.

Em contrapartida, os planos para a criação de um Estado curdo em território sírio, iraquiano e possívelmente até turco são mais realistas do que nunca – e poderiam dar origem a novos e sangrentos conflitos na região.

As cartas estão sendo reembaralhadas em todo o Oriente Médio, e o resultado é completamente imprevisível. Só uma coisa é certa: no topo da agenda de todos os regimes e atores envolvidos está apenas a manutenção do próprio poder.