1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

É preciso mudança de mentalidade no Oriente Médio

Naser Schruf (av)11 de agosto de 2014

Da "Primavera Árabe" nasceu um novo Oriente Médio, mas opressor e sangrento, ao invés de democrático. Prova disso é o avanço do "Estado Islâmico". A iniciativa para uma reviravolta cabe aos árabes, opina Naser Schruf.

https://p.dw.com/p/1Csa8

Não faz muito tempo, o mundo celebrava os revolucionários eventos nas ruas árabes como um golpe de libertação dos oprimidos contra suas ditaduras. "Revolução de Jasmim", "Primavera Árabe", "Revolução do Facebook" eram alguns dos conceitos que dominavam as manchetes da imprensa ocidental, parecendo anunciar, eufóricos, um democrático e pluralista "novo Oriente Médio", incluído o Norte da África.

Naser Schruf
Naser Schruf, da redação árabe da DWFoto: DW

Atravessaram mundo as imagens de jovens árabes civilizados, protestando pacificamente, tendo como armas a internet, os blogs e as redes sociais como o Facebook e o Twitter. E o mundo todo também viu a cena em que manifestantes muçulmanos oravam na Praça Tahrir do Cairo, protegidos das investidas da polícia por cristãos coptas, seus companheiros de luta.

A convicção com que esses jovens lutavam pela democracia, liberdade, dignidade humana e tolerância, sua euforia e coragem de se opor aos regimes opressivos, tudo isso era genuíno e palpável. E encheu de orgulho também a mim, na qualidade de árabe-alemão.

Pode-se entender que muitos comentaristas vissem nisso a ascensão de um "novo" Oriente Médio – ainda que, mesmo na época, não fossem capazes de definir com precisão o termo "novo". Porém a velocidade com que poderosos sistemas autocráticos, como os da Tunísia, Egito e Iêmen, caíam, um atrás do outro, era empolgante e parecia anunciar uma mudança.

O que restou disso? Não muito. Para não dizer: o contrário. O Oriente Médio ganhou, de fato, um "novo" rosto. Mas ele é um rosto feio.

Não só por o desencanto ter se instaurado. Há muito se iniciou uma mudança repressiva, que vai piorando constantemente. Uma tendência já iniciada com os confrontos bélicos na Líbia, cujo desenrolar pôde ser definido pela intervenção da Otan. E que chegou ao clímax na Síria, onde uma revolução desembocou em guerra sangrenta, que até hoje segue custando inúmeras vidas.

Escuridão e incerteza descem sobre o mundo árabe. Os pacíficos manifestantes da "Primavera Árabe" se veem relegados à margem, ou até às prisões. Em seu lugar, guerras civis, limpezas étnicas, decadência e destruição dominam o panorama.

Em diversos países, quem dita o tom são homens barbados, de arma em punho e com um prazer perverso de matar. Na Síria e no Iraque, os militantes do assim chamado "Estado Islâmico" detêm o controle sobre um território maior do que o da Jordânia ou do Líbano. Lá, aterrorizam todos que não estejam dispostos a se submeter a seu "califado" – que na realidade não passa de uma ditadura do medo e do terror, sob disfarce pseudorreligioso.

As consequências dessa dinâmica são amargas. Em tempos idos, o Oriente Médio tinha a fama de um mosaico de diferentes culturas, etnias e tradições religiosas – hoje, elas se tornam progressivamente linhas divisórias, separando as pessoas e obrigando-as a se combaterem com violência.

As imagens de cristãos defendendo muçulmanos, ou vice-versa, desapareceram de vez. No lugar delas, imagens de execuções em massa, santuários xiitas destruídos, cristãos e yazidis sendo brutalmente expulsos dos territórios que, desde tempos ancestrais, ocupavam no Iraque e na Síria. Milhares deixam a própria terra natal em direção à Europa ou à América.

O que se vivencia, no momento, é um dos mais obscuros e tristes capítulos na história recente do Oriente Médio – onde sunitas, xiitas, cristãos, yazidis e numerosos outros grupos conviviam em paz, a maior parte do tempo, apesar das muitas guerras, conflitos, ondas de refugiados e emigrantes.

Esse é um balanço verdadeiramente devastador para a "Primavera Árabe" – até porque, em outros locais, nenhum dos problemas centrais, que, na época, desencadearam as revoluções, está solucionado, nem de longe.

Tome-se o Egito como exemplo. O povo egípcio pode ter satisfeito o seu anseio por um líder forte. Porém o general Abdel Fattah al-Sisi parece tão pouco propenso a conduzir o país em direção a um futuro democrático, quanto seu antecessor, Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana.

E o resto do mundo? Pelos governos autoritários da Rússia e da China, a "Primavera Árabe" nunca foi mesmo vista com bons olhos. O Irã procedeu seletivamente, desde o princípio, e até hoje só apoia as insurreições que sirvam a sua ideologia e a seus interesses.

E o Ocidente voltou a se empenhar por uma estabilidade no Oriente Médio quase que qualquer preço, ao invés de fomentar ativamente a democracia e o pluralismo. É certo que o bloco se viu forçado a tal pela ameaça representada por grupos como o "Estado Islâmico". Mas não se pode ignorar que, apesar de toda a simpatia pela "Primavera Árabe", nunca ocorreu uma real reviravolta na relação do Ocidente – e sobretudo dos Estados Unidos – com a Arábia Saudita, embora esta seja regida por um dos regimes mais repressivos da região.