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Condições "desumanas" na exploração de diamantes em Angola

3 de abril de 2012

Ao avaliar os dez anos de paz em Angola, cientista político da fundação alemã Friedrich Ebert diz que falta confiança e sobra corrupção no Estado angolano - onde "decisões são tomadas por um pequeno grupo e em segredo".

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Em Angola, as condições da exploração de diamantes "são desumanas", denuncia Oliver Dalichau
Em Angola, as condições da exploração de diamantes "são desumanas", denuncia Oliver DalichauFoto: DW

A Fundação Friedrich Ebert (FES) foi a única instituição política alemã presente em Angola durante a guerra civil. Nesta última entrevista, uma conversa com Oliver Dalichau, da Divisão da Cooperaão Internacional Secção África, encerra a nossa série sobre os dez anos de paz em Angola.

Dalichau revela que a paz ainda precisa desenvolver-se para se ver refletida no dia-a-dia da população e reclama da corrupção, da falta de investimentos na educação e da não-diversificação da economia como os maiores causadores da miséria no país.

O resultado, diz o cientista-político, é a falta de confiança da população no Estado. O especialista fala também sobre a exploração de diamantes e denuncia condições de trabalho desumanas, promovendo a criminalidade.

DW África: Quais são, no seu ponto de vista, as maiores conquistas nestes dez anos de paz?

"Em Angola, os atores políticos vivem num mundo diferente do povo" (Oliver Dalichau)
"Em Angola, os atores políticos vivem num mundo diferente do povo" (Oliver Dalichau)Foto: DW

Oliver Dalichau: Em primeiro lugar, quero felicitar os angolanos por estes dez anos de paz. Viver em paz é para a maioria dos europeus uma situação normal. Mas para uma grande parte dos angolanos, a paz é sempre uma excepção. Por isso, a paz já significa para mim uma conquista importante.

Por outro lado, a paz deve desenvolver-se. Muitos angolanos ainda vivem em condições difícies - politica, social e economicamente. Para muitos deles, o sistema democrático ainda não existe e não funciona. Em Angola, os atores políticos vivem num mundo diferente do povo. A corrupção faz parte do sistema.

Quando falamos sobre a situação social em Angola, devemos dizer que não é tão positiva. Eles não têm acesso a água, casas adequadas, segurança social ou ao sistema médico. Por isso, há pessoas em Angola que dizem que isso é um escândalo num país tão rico. Dez anos depois da paz, o caminho de Angola ainda será longo e difícil.

DW África: A seguir à paz, Angola viveu um dos maiores crescimentos econômicos do mundo - atingindo um crescimento de mais de 20 % em 2005 e em 2007. Apesar desse crescimento econômico, muitos angolanos continuam a viver na pobreza. Como se explica esta falta do "dividendo da paz" para muitos?

OD: Para um dividendo, precisa-se de algumas coisas. Por exemplo, a confiança no Estado. Atualmente, esta confiança não existe. Muitos angolanos não têm confiança no sistema, o que provocou uma abstenção na vida pública. A maioria vive na pobreza. Eles não têm tempo para construir uma nova sociedade.

Por outro lado, o Estado é especialista em propaganda e fala muito em reconstruir o país. Mas para o povo, todos os problemas existem. Devemos perguntar: quem se aproveita desta propaganda? O povo normal ou os apoiantes do sistema? Tenho dúvidas de que exista vontade política para mudar essa situação.

DW África: Os recursos naturais que abundam em Angola, como o petróleo e os diamantes, são uma bênção ou uma maldição para o país?

Exploração dos diamantes promove a criminalidade, com condições de trabalho muito difícies e sem segurança para os trabalhadores, diz cientista político da FES
Exploração dos diamantes promove a criminalidade, com condições de trabalho muito difícies e sem segurança para os trabalhadores, diz cientista político da FESFoto: picture-alliance/dpa

OD: Teoricamente o petróleo deve ser uma bênção. Mas na prática, não é. Não sabemos exatamente onde vai o dinheiro do petróleo. Não há nenhuma transparência. Os bilhões da exportação só financiam os membros do governo e suas famílias. Para o resto dos angolanos, o petróleo não tem efeitos positivos.

A economia angolana não é diversificada. Porquê o sistema educacional não é completamente gratuito num país tão rico? Porque um povo informado realmente reclama mais democracia e isso não é do interesse dos dirigentes.

Quando falamos sobre os diamantes, também não têm efeitos positivos em Angola. As condições da exploração são desumanas. Promove-se a criminalidade, com condições de trabalho muito difícies e sem segurança para os trabalhadores. Por isso, os recursos naturais de Angola podem ser uma bênção para alguns, mas para os outros, a população em geral, são uma maldição.

DW África: Se compara o estado da liberdade antes do fim da guerra e atualmente, qual é o seu balanço?

Oliver Dalichau considera "brutal" a reação do governo, da polícia e das Forças Secretas angolanas às recentes manifestações populares
Oliver Dalichau considera "brutal" a reação do governo, da polícia e das Forças Secretas angolanas às recentes manifestações popularesFoto: DW

OD: Atualmente, o estado da liberdade está limitado. A maioria única no parlamento é de fato uma realidade. Um partido tem mais de 80% na Assembléia Nacional. A oposição parlamentar não tem um programa, não tem pessoas capazes de ser uma alternativa possível. A vitória do presidente da república e seu partido já está garantida nas próximas eleições.

Sabemos que, nos últimos meses, pequenas manifestações foram organizadas, em Luanda e nas províncias, para contestar essa situação social e política. Isso não foi fácil para os organizadores. A reação do governo, da polícia e das forças de segurança foi brutal. Para eles, todos os jovens que não estão absolutamente de acordo são terroristas do sistema. Um Estado democrático vive normalmente de forma positiva com os diferentes argumentos e busca compromissos para melhorar a situação. Na Angola atual, não há essa cultura política.

Parece-me que, há dez anos, a liberdade de expressão e a liberdade individual foram melhores que atualmente. Na época, todos eram felizes em relação à paz, à nova possibilidade de viver juntos e decidir juntos sobre o futuro. Dez anos depois, em 2012, as decisões são tomadas por um pequeno grupo, num círculo restrito, sem discussões abertas, sem transparência e sem democracia.

DW África: A última pergunta, qual seria o seu desejo para os próximos dez anos de Angola, se possível dez anos de paz a mais?

OD: Os angolanos querem mais democracia e mais justiça social. Querem a distribuição da riqueza e a garantia da paz. Acho que esses são bons desejos. Angola é um país fantástico com um povo pronto para mais abertura e menos corrupção. Por isso, espero que este desejo se realize, para eles e para as crianças angolanas.

Autora: Cristiane Vieira (Berlim)
Edição: António Rocha