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O adeus definitivo ao Fusquinha

Claus Hecking / sv21 de junho de 2003

Da esteira da fábrica da Volkswagen em Puebla, no México, ainda saem por dia 53 Fuscas. Isso não vai acontecer por muito mais tempo. O anunciado fim da fabricação na América Latina encerra um capítulo da história alemã.

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O célebre alemão despede-se das ruasFoto: AP

Quando ele surgiu no mercado, o New York Times estampou em suas páginas: "shiny little beetle" (besourinho brilhante). Pois assim foi chamado o carro redondinho, de nome estranho, prometido pelo ditador Adolf Hitler ao povo alemão nos idos de 1938. E não demorou muito para que os próprios alemães passassem a chamar aquele, que no Brasil ficou conhecido como Fusca, de "besouro" (Käfer).

Lugares para quatro pessoas, máximo de 100 km/h e tudo isso por 990 marcos da época. Com essa oferta, que continha até mesmo uma suástica no pedal de freios, Hitler pretendia seduzir seus súditos com o slogan "um povo, um império, um carro". O último ítem da tríade parece ter sido levado ao pé da letra pelos nazistas, pois passada a Segunda Guerra Mundial, com uma Alemanha destruída e arrasada, foi registrada a fabricação de apenas 650 Fuscas. Quase todos pertencentes a membros do partido nazista. Os exatos 336.668 cidadãos comuns, que poupavam mês a mês seus bônus, nunca viram a cor de seus prometidos "besourinhos".

Porsche redondo com 25 CV

VW Käfer
Fusca, considerado um dos carros mais influentes das últimas décadasFoto: AP

A sentença dos ingleses no pós-guerra a respeito do Fusca foi demolidora: "Mais erros que pulgas em um cão". Apesar disso, a fabricação foi retomada três meses mais tarde. Como antes, o Fusca continuou a ser um dos emblemas da Alemanha: roupas de banho na bolsa, a irmãzinha no banco ao lado e lá se ia a família rumo às férias no italiano Lago de Garda. Apesar da velocidade reduzida e dos 25 CV, o carrinho não deixava ninguém na mão.

Para os alemães, o "Porsche redondinho" tornou-se um verdadeiro símbolo da pequena burguesia. A falta de visibilidade em função das janelas arredondadas na traseira e do pára-prisas eternamente embaçado não era vista como problema. Tampouco a necessidade de desmontar todo o banco traseiro para uma simples troca de bateria. Afinal, o Fusca era a cara da Alemanha de Konrad Adenauer: simples, sem ornamentos, um pouco rude, mas confiável e robusta. "Ele faz parte da nossa família", dizia Heinz Erhardt, um dos cômicos do pós-guerra no país.

O carro do Flower Power

Depois que uma pesquisa de opinião detectou que muitas pessoas associavam aquele carro de olhos redondos à imagem de um bichinho medroso, a montadora descobriu a face descontraída do Fusca. Um bom exemplo é o caso do apresentador de TV Fred Rauch, que comandava o espetáculo A Mulher Ideal, onde testava as qualidades das donas de casa, prometendo à que fosse escolhida como a mais prendada de todas as candidatas uma "bolsa rolante" (leia-se um Fusca) como prêmio.

Até mesmo Hollywood dedicou ao Fusquinha uma série de filmes, o que fez com que o carro se tornasse um cult entre os hippies. O que havia sido uma criação fascista tranformava-se pouco a pouco em um símbolo do Flower Power. O fato de que o então adorado Fusca engolia até 15 litros de gasolina por 100 kms e devorava litros e litros de óleo não parecia incomodar ninguém naqueles dias felizes de outrora.

Nova terra: México

VW Käfer als Taxi in Mexiko City Abgasuntersuchung
Inspeção das emissões de gás em um Fusca, que funciona como táxi na Cidade do MéxicoFoto: AP

Apenas a crise do petróleo fez com que os dias gloriosos do Fusca se aproximassem do fim em solo alemão. Em clima fúnebre de despedida, o último deles foi fabricado em 1978, na cidade de Emden. Nos anos que se seguiram, o serviço de inspeção do Departamento de Transportes do país tirou milhares de Fuscas das ruas e das mãos de seus tristes e saudosos proprietários. No México, no entanto, o carro genuinamente alemão continuou sendo produzido ainda por muitos anos. No Brasil, onde o carro foi dos mais populares em outras épocas, a tentativa de ressurreição por parte do presidente Itamar Franco teve sucesso limitado.

O entusiasmo dos alemães em relação ao New Beetle, lançado em 1998 como sucessor do Fusca, não foi dos maiores, afinal, a nova versão do "besouro" tem muito pouco a ver com seu lendário antecessor. Hoje, 25 anos depois que o Fusquinha havia sido banido das ruas e estradas alemãs, o Departamento de Transportes mexicano resolveu decretar também sua morte no país.

Depois de não passar nas provas nos quesitos segurança e meio ambiente, aplicadas pelas autoridades locais, os cerca de cem mil Fuscas que funcionam como táxis na Cidade do México deverão aos poucos desaparecer. A partir de janeiro último, foram encerradas as concessões para novos veículos.

Com isso, a Volkswagen encerrou a produção do Fusca na mexicana Puebla, após registrar um saldo de mais de 21 milhões de "besourinhos" que saíram de suas esteiras ao longo das últimas décadas. No entanto, até a morte definitiva da "espécie", muitos Fusquinhas ainda devem percorrer as ruas do país. Até desapareceram de vez, eles certamente ainda vão rodar muito por aí.