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"Nunca se produziu tanto ópio no Afeganistão"

Kerry Skyring (av)19 de fevereiro de 2014

Em entrevista à DW, diretor do órgão das Nações Unidas encarregado do combate às drogas prevê consequências globais graves caso a comunidade internacional não interfira no país, principal fonte de heroína no mundo.

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Foto: picture-alliance/dpa

O relatório mais recente do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) revela que o Afeganistão está produzindo safras recordes da papoula de onde é extraído o ópio – destinado a ser transformado em heroína, nos "novos mercados" do Ocidente. Com a retirada das forças internacionais do país, após longos conflitos armados, a situação tende a se agravar.

Yuri Fedotov, diretor executivo do UNODC, já foi vice-ministro do Exterior da Rússia e embaixador russo no Reino Unido. Ele falou à DW sobre as causas e consequências desse acréscimo no cultivo de drogas, apontando possíveis formas de combater o avanço do narcotráfico na região.

DW:Os Estados Unidos e a Europa estão preocupados com a quantidade de heroína que vem invadindo seus mercados. De onde vem essa droga?

Yuri Fedotov: Há diferentes fontes de heroína. Na Europa, ela vem basicamente do Afeganistão, que produz quase 80% da droga, em todo o mundo. Infelizmente, os relatórios mais recentes do UNDCP [Programa das Nações Unidas para Controle Internacional de Drogas, parte do UNODC] mostram um incremento sem precedentes da produção e, especialmente, do cultivo do ópio.

Yuri Fedotov Porträt
Yuri Fedotov, diretor executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e CrimeFoto: UNODC

A figura-recorde é de 200 mil hectares: nunca houve uma área assim de plantio da papoula do ópio, nem mesmo no ápice da produção, em 2007 e 2008. Está claro que produtores e traficantes se orientam pelos bem conhecidos princípios da economia de mercado, e eles nunca aumentariam a produção sem estar certos de que haverá novos mercados.

O destino é geralmente a Europa, mas também a África. Nosso relatório recente para o continente indicou que há cada vez mais apreensões de heroína na África Ocidental, além da cocaína que vai pela rota transatlântica, da América do Sul para a Europa, passando pelo oeste da África. Parte dessa heroína pode também chegar aos Estados Unidos, mas estimamos que essa não é a principal rota de abastecimento para o país.

Calcula-se em 80% o crescimento do uso de heroína nos EUA, nos últimos anos. Quando se considera todo o esforço investido no controle das drogas, isso não sugere que as políticas de contenção estão fracassando?

Depende de como você avalie os dados. De fato, nos EUA houve um tremendo declínio do consumo de cocaína nas décadas recentes, de quase 75%. Isso indica que há alguns resultados, mas a tendência recente também é preocupante: maior uso de heroína e de opioides por prescrição médica. Isso indica que se tem de aumentar os esforços para entender esses fenômenos, e adotar os passos adequados.

O senhor mencionou os opioides, e as autoridades antinarcóticos também falam de uma conexão entre analgésicos prescritos medicinalmente e abuso de heroína. Pode ser que os dependentes estejam passando para a heroína devido às restrições às drogas medicinais?

Não me consta que nos EUA haja grandes problemas em conseguir drogas por prescrição. Claro que é mais complicado – você precisa consultar um médico –, mas não há dados sobre um aumento das dificuldades em consegui-las. A questão é que as drogas medicinais produzem um "barato" menos eficaz – o estado de euforia é menor do que quando se usa heroína. Claro, quando [os pacientes] já estão dependentes, eles querem mais, e passam para a heroína. Outra explicação é que eles conseguem heroína – não pura, mas com 30% a 40% de pureza –, o que é menos caro do que algumas das drogas medicinais de efeito mais forte.

Houve publicidade em torno da morte do ator americano Philip Seymour Hoffman, presumivelmente por superdose de heroína, em 2 de fevereiro último. O senhor se preocupa que a imagem da heroína esteja mudando, de negativa – ojunkie– para a de uma droga associada a um estilo de vida criativo, de alta projeção?

Acho que o senhor está certo. A narcodependência não distingue entre ricos e pobres, bem-sucedidos ou perdedores. A última vítima não foi a primeira, e temos relatos anteriores sobre as mortes trágicas de outros astros de Hollywood. Mas não devemos esquecer que eles não estão sozinhos, e que a cada dia cerca de 500 pessoas morrem no mundo por causa das drogas ou da dependência delas: não por causa da violência associada às drogas ou de doenças relacionadas, mas simplesmente por narcodependência. É um número alto demais.

O Afeganistão é a fonte principal da papoula que é transformada em heroína. Num momento em que as forças internacionais estão deixando o país, depois desse longo conflito, como são as suas previsões sobre a quantidade de heroína que deve vir parar nos mercados do Oeste Europeu?

Este é um período crucial para o destino futuro do país. A situação toda é bastante complicada, devido à transição política. Por isso temos que seguir considerando a questão das drogas e da economia ilícita no Afeganistão. E não só como um entre os problemas que esse país vem encarando, mas como uma questão de ordem superior, que afeta tudo: segurança, estabilidade, a saúde das pessoas. Sabe-se que o Afeganistão tem a quota mais alta do mundo de dependência do ópio e da heroína. Além disso, as drogas geram outras formas transnacionais de crime organizado, de corrupção.

O senhor teme que isso vá aumentar no futuro próximo?

Se a comunidade internacional não levar o problema a sério e não priorizar os esforços para apoiar o Afeganistão nesse período de transição, isso pode acontecer.

A ONU se impôs a meta de oferecer alternativas ao plantio de narcóticos para os agricultores afegãos e de outras regiões do mundo. Vocês vêm perseguindo essa política há algum tempo. Há resultados?

Para o êxito de um desenvolvimento alternativo, precisamos de duas condições: primeiramente, o comprometimento político do governo e da comunidade internacional, e, em segundo lugar, financiamento suficiente. Os subsídios não são voltados apenas a distribuir sementes e fertilizantes, mas a desenvolver toda a infraestrutura necessária, incluindo os mercados para os produtos alternativos.

Em países como a Colômbia e a Tailândia, a coisa funciona, e os governos conseguiram desenvolver um sistema de apoio aos agricultores, incluindo a comercialização dos produtos alternativos. Muitos anos atrás esses países conseguiram erradicar completamente o cultivo da papoula do ópio, substituindo-a por outros produtos agrícolas.

Mas onde não há comprometimento político e ainda menos apoio financeiro. Temos alguns programas no Afeganistão, mas eles não passam de umas gotas d'água no deserto. Eu visitei o Afeganistão diversas vezes, encontrei fazendeiros que cultivam papoulas, e psicologicamente eles estão preparados de trocar do ilegal para o legal. Mas eles reclamam de não ter conseguido encontrar mercado para seus produtos. Não há estradas, pontes, nem mercados, e isso complica enormemente a implantação das safras alternativas.