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“Nenhum dos PALOP tem os meios de pressão que Angola tem”

3 de fevereiro de 2012

O jornalista português Pedro Rosa Mendes considera um caso da “mais pura censura” a suspensão do programa de rádio em que colaborava e que terá sido interrompido depois de uma crónica crítica ao governo de Angola.

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Pedro Rosa Mendes fala em "diplomacia paralela" e "pressão tácita" dpa 9915886
Pedro Rosa Mendes fala em "diplomacia paralela" e "pressão tácita"Foto: picture-alliance/maxppp

A direção de informação da rádio pública portuguesa, RDP, anunciou esta quinta-feira (02.02) a sua demissão, na sequência da suspensão do programa “Este Tempo”, transmitido no canal Antena 1. O programa terá sido interrompido depois de Pedro Rosa Mendes ter criticado numa crónica o governo de Angola e o programa da RTP 1 “Reencontro”, emitido a 16 de janeiro a partir de Luanda. Entre os presentes estavam o ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares de Portugal, Miguel Relvas, e o chefe da Casa Civil da presidência angolana, Carlos Maria Feijó.

Na crónica lida no espaço “Este Tempo”, que estava no ar há dois anos, o escritor afirma que no programa gravado na capital angolana “desfilaram, durante duas horas, responsáveis políticos, empresários, comentadores de Portugal e de Angola, entre alguns palhaços ricos e figuras grotescas do folclore local”. O caso do encerramento do programa já está a ser acompanhado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que já prometeu ouvir “todos os intervenientes”.

Em entrevista à DW África, Pedro Rosa Mendes fala do polémico caso que tem agitado os meios de comunicação social portugueses e já chegou ao Parlamento Europeu. Denuncia também a pressão que Angola é capaz de fazer e nega ter pedido desculpa ao Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, pelos artigos críticos que publicou sobre ele.

Pedro Rosa Mendes (PRM): Acho que este caso não é um caso feliz desde o início. Porque aquilo que deveria ser apenas mais uma crónica, em apenas mais um espaço de opinião, tornou-se afinal matéria para discussão – para discussão e não para debate. Uma crónica que, em boa verdade, até por uma questão de tempo, apenas esgravatava um bocadinho do que é a enormidade da situação angolana. Eu fiz a crónica numa quarta-feira e na segunda-feira seguinte começamos a ser avisados de que a crónica acabava. Portanto, acho que é bastante límpido e que os fatos falam por si.

DW África: O cerne da questão aqui parece ser Angola. Talvez se fosse um outro PALOP qualquer, ou se tivesse criticado outro país qualquer, não se tivesse gerado este vendaval ou não se tivesse gerado todo este “caso Pedro Rosa Mendes.

O jornalista garante que nunca pediu desculpa a José Eduardo dos Santos
O jornalista garante que nunca pediu desculpa a José Eduardo dos SantosFoto: André Demony

PRM: Já me faz mal que isto seja o “caso Pedro Rosa Mendes”. Eu gosto de ser falado pelos meus livros, não por ser jornalista. Há 25 anos que sou jornalista e sempre tive a convicção – já o disse muitas vezes em público, já o disse em workshops com jornalistas – de que sempre que um jornalista é a história é porque há alguma coisa que está muito mal. E isto apenas vem provar isso mesmo. Sei o suficiente dos PALOP e tenho muitos anos de trabalho em África para poder dizer que nenhum dos PALOP tem os meios de pressão que Angola tem. É óbvio, para toda a gente que não queira ser ingénua, que muita da pressão que Angola pode fazer já funciona por si. É uma espécie de diplomacia paralela e de pressão tácita.

DW África: Recentemente, um jornal português noticiava que o Pedro Rosa Mendes teria pedido desculpa a José Eduardo dos Santos pelos artigos críticos que publicou sobre ele e que, aliás, motivaram um processo. Houve este pedido de desculpa? O que é que se passou?

PRM: Duas coisas aí e com dois sublinhados e a letra grossa: Vindo da parte de Luanda, esse tipo de acusações apenas me fazem rebolar a rir. Repetidas por gente em Portugal como têm sido é um insulto. É um insulto porque o meu percurso de jornalista fala por mim. Sou bastante intolerante não só na qualidade da escrita, que tem sido premiada tanto em Portugal como fora, mas também e sobretudo numa baliza ética e deontológica que é quase fundamentalista. Tenho a certeza de que quando peco, peco por excesso e que ninguém me pode apontar nada em 25 anos de jornalismo a esse nível. Esse tipo de acusações é típico de uma situação de desespero de quem já não tem nada. É uma acusação que, na última década, os vários porta-vozes oficiais e oficiosos da presidência angolana e dos seus círculos, incluindo alguns círculos intelectuais, têm repetido. Uma das versões mais delirantes que me chegou é que existe uma célebre gravação do Pedro Rosa Mendes ajoelhado diante do Presidente, a chorar e a pedir desculpa. Adorava que essa gravação fosse posta no YouTube para fazer um sucesso planetário. Uma coisa de cinema norte-coreano. Agora falando mais a sério, obviamente que ver isso repetido em Lisboa por portugueses, por gente não do lado mais angolano, mas do lado português, é muito grave.

Autora: Helena Ferro de Gouveia
Edição: Madalena Sampaio/António Rocha

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