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Negócios entre Brasil e Rússia reacendem debate sobre interesses e moral

Clarissa Neher11 de agosto de 2014

Brasil é contra sanções e frequentemente evoca o princípio da não interferência. Para analistas, dilema entre interesses econômicos e estratégicos e valores morais é comum também em outros países. Exemplos não faltam.

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Foto: Reuters

O anúncio de que a Rússia iria suspender as importações de alimentos de países europeus e dos Estados Unidos e substituí-las, em parte, por produtos brasileiros causou euforia no governo brasileiro, mas também trouxe à tona o antigo debate sobre interesses econômicos e valores morais.

A União Europeia e os Estados Unidos, afinal, estão sancionando a Rússia por esta não estar colaborando para acabar com o conflito separatista no leste da Ucrânia. Ao não se posicionar ao lado dos europeus e americanos, o Brasil, indiretamente, está apoiando a continuidade de uma guerra que aflige o povo ucraniano.

O Brasil é frequentemente criticado por priorizar interesses econômicos em detrimento do respeito aos direitos humanos ou da valorização da democracia e do Estado de Direito. O chamado "princípio da não interferência" em assuntos internos é frequentemente evocado pela diplomacia brasileira pra justificar essa posição.

Para especialistas, esse pragmatismo brasileiro se acentuou durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que buscou parceiros econômicos além dos tradicionais Estados Unidos e Europa, uma política conhecida como Sul-Sul.

"O governo brasileiro no período petista tem sistematicamente se afastado do Ocidente e dado prioridade não mais a essas relações tradicionais, que eram a base da nossa economia. Assim, se optou deliberadamente pela relação Sul-Sul. Ou seja, foi uma escolha política clara dos governos Lula e Dilma", avalia o professor de relações internacionais José Augusto Guilhon Albuquerque, da USP.

Um "efeito colateral" dessa política foi a aproximação do Brasil com vários regimes ditatoriais africanos, bem como com a China – muitas vezes se esquivando de criticar os problemas internos desses países, como na questão dos direitos humanos.

Aliado no Brics

O governo brasileiro também evita aplicar sanções a outros países. "Tradicionalmente, o Brasil tem sido muito cético em relação às sanções e geralmente não as adota, pois acredita que essa medida não é o caminho certo para influenciar a política interna de países. Do ponto de vista brasileiro, sanções, às vezes, são o primeiro passo para um isolamento completo, que até pode levar a uma intervenção militar", afirma o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas.

Outro aspecto fundamental no caso russo é a parceira entre Brasil e Rússia no Brics. Uma eventual recusa em atender a um pedido russo poderia pôr em risco essa aliança e também as relações comerciais existentes entre os dois países. "A questão da Rússia não é só comercial, mas também relativa a uma aliança política forjada no âmbito dos Brics. Dessa maneira, a posição brasileira é pragmática e realista", avalia a cientista política Cristina Soreanu Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo.

O Brasil percebe nessa situação a oportunidade para ampliar os negócios com a Rússia. Em 2013, as exportações para o país movimentaram 2,97 bilhões de dólares, sendo carnes bovina e suína, além de açúcar, os produtos mais exportados. O Brasil é o maior fornecedor de carne para o mercado russo.

Moral e negócios

Entretanto, muitos países que criticam o pragmatismo brasileiro também agem de maneira semelhante. No contexto da crise ucraniana, para Albuquerque, a maior contradição é a atual posição francesa, que se recusou a interromper a entrega de navios de guerra já negociados para a Rússia. "A França está, digamos assim, vendendo armas para o inimigo", afirma.

Os Estados Unidos e sua estreita relação com a Arábia Saudita, país frequentemente criticado por violar direitos humanos e ser antidemocrático, ou até mesmo seus negócios com petróleo na Venezuela são exemplos da vitória do pragmatismo econômico e dos interesses estratégicos sobre os valores morais.

"É normal que, quando um país precisa da parceria com outro país no campo econômico, ele manterá essa parceria, embora possa ter críticas políticas. Então, se for do seu interesse, ele critica politicamente o outro, mas mantém a sua relação econômica e vai fazer isso como uma prática da política internacional, uma prática de poder e de necessidade", opina Pecequilo.

Stuenkel também avalia como normal essa ambiguidade gerada por uma política "pragmática" e outra "guiada por valores". Outro exemplo desse embate é a exportação de armas pela Alemanha, que, por um lado, gera muitos empregos no país, mas, por outro, movimenta guerras e regimes autoritários. A Alemanha é um dos maiores vendedores de armamentos do mundo.