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Críticas à imprensa após triplo assassinato nos EUA

Christoph Hasselbach (av)13 de fevereiro de 2015

Mesmo sem motivação religiosa confirmada, observadores criticam inércia da mídia e autoridades nas três mortes em Chapel Hill, apontando para a recorrente caracterização de islâmicos como violentos e fundamentalistas.

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Foto: picture-alliance/AP/The News & Observer, Al Drago

O crime aconteceu já na terça-feira (10/02) em Chapel Hill, no estado americano da Carolina do Norte. Não muito longe do campus da cidade universitária, Craig Stephen Hicks, branco, de 46 anos, matou a tiros, em plena luz do dia, um casal muçulmano e a irmã da esposa. As duas mulheres usavam o lenço de cabeça islâmico.

Pouco depois Hicks apresentou-se à polícia. Ao que consta, ele ainda não alegou um motivo para o ato. Segundo depoimentos de familiares e da polícia, houve uma desentendimento por causa de vagas de estacionamento. Sua esposa, Karen, declarou que há muito Hicks discute com os vizinhos pelas vagas no condomínio, e que o ocorrido nada teve a ver com religião.

Mas religiões – todas elas – parecem ter representado um papel no modo de pensar e agir de Hicks, ainda que um papel negativo. No Facebook, ele afirmava que tanto muçulmanos quanto cristãos são culpados pelos problemas no Oriente Médio, concluindo: "Só há uma solução: ateísmo." A imagem em seu perfil de usuário é um revólver.

"Vidas muçulmanas importam"

Para o Conselho das Relações Islâmico-Americanas, o caso é claro: "Três muçulmanos foram assassinados por serem muçulmanos." Também Aiman Mazyek, presidente do Conselho Central dos Muçulmanos na Alemanha, reage com irritação, perguntando o que aconteceria se o atirador fosse islamita. Segundo ele, ao apresentar os muçulmanos sobretudo como agressores, a mídia só acirra ainda mais "o clima anti-islâmico já existente", também na Alemanha.

USA Chapel Hill Mord an Muslimen Craig Stephen Hicks
Craig Stephen Hicks, presumível assassino de Chapel HillFoto: picture-alliance/AP/Durham County Sheriff

Numerosos muçulmanos dos Estados Unidos estão indignados não só pelo crime em si, mas também pelo fato de só na quarta-feira a imprensa ter começado a noticiá-lo. E que, de início, os veículos locais teriam ocultado a religião das vítimas.

Muitos veem nisso uma expressão da discriminação e da dupla moral em relação aos muçulmanos. Sob os hashtags #MuslimLivesMatter (Vidas muçulmanas importam) e #CallItTerrorism (Diga que é terrorismo), essas pessoas dão vazão a sua ira no Twitter.

Dois pesos e duas medidas

Com grande amargor, boa parte dos comentadores compara a magra e tardia repercussão do triplo assassinato de Chapel Hill à reação da mídia e da política ocidentais aos atentados de motivação fundamentalista contra o tabloide satírico parisiense Charlie Hebdo, que publicara caricaturas de Maomé.

Em artigo no website da emissora Al Jazeera, o professor Mohamad Elmasry, da Universidade do Norte do Alabama, afirma estar claro que, consciente ou inconscientemente, os meios de comunicação do Ocidente alimentam atitudes negativas em relação ao islã.

"Muçulmanos são apresentados com frequência como violentos, atrasados, fundamentalistas e como ameaças à civilização ocidental. Quando cristãos, judeus e outros não islâmicos são mortos por muçulmanos, a religião é apontada como causa direta. No caso inverso, contudo, a religião do assassino é minimizada ou ignorada."

Não combater fogo com fogo

As três vítimas de Chapel Hill eram islamitas praticantes, sem que haja qualquer indicação de alguma forma de extremismo. O marido era dentista formado, a esposa também pretendia começar em breve o estudo de medicina odontológica. Ambos coletavam donativos para os refugiados de guerra sírios na Turquia.

Para o prefeito de Chapel Hill, Mark Kleinschmidt, o casal era um "exemplo da comunidade". O jornalista Ethan Casey, do Huffington Post, enfatiza que, assim como a grande maioria dos muçulmanos nos EUA, os três mortos desejavam ter uma vida absolutamente normal.

"Infelizmente é bem previsível que alguns muçulmanos vão querer tomar as coisas nas próprias mãos – assim como o suposto assassino de Chapel Hill, tragicamente confuso e desorientado. Tenho medo disso. Mas tenho igualmente medo do contrário, de que as comunidades muçulmanas por todos os Estados Unidos sejam aterrorizadas ao ponto de se retraírem em seu temor."

Casey diz caber aos próprios islamitas que lições vão tirar do incidente para suas próprias vidas. Eles só não devem se submeter caso sintam que estão sendo discriminados. "Na América, é você mesmo que deve se empenhar pela sua causa, ninguém vai fazer isso no seu lugar."

Entretanto, pelo menos em seu luto e indignação, os muçulmanos de Chapel Hill não estão sozinhos. Na noite da quarta-feira cerca de 2 mil pessoas de todas as confissões se reuniram em vigília no campus da universidade. Falando à multidão, o irmão do dentista assassinado pediu contenção: "Não combatam o fogo com fogo."