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"Apropriações" da mexicana Mariana Castillo Deball em Berlim

Marco Sanchez24 de setembro de 2014

Instalação criada por ela no Hamburger Bahnhof usa peças próprias e alheias, misturando arte e história e testando as fronteiras entre ser artista e curadora.

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Foto: Thomas Bruns

Qual é o papel dos museus e de seus curadores? O que é uma obra de arte? Questões como essas não são novas, mas vêm à cabeça de quem visita Parergon, exposição da mexicana Mariana Castillo Deball em cartaz no museu Hamburger Bahnhof, em Berlim.

A artista criou uma instalação em grande escala especialmente para o histórico saguão principal de um dos mais renomados museus berlinenses. Investigando a "alma" do espaço, ela criou um mosaico sobre arte, história e questionamento, uma colagem contemporânea que busca inspiração em lugares mais que inusitados. Parergon é um termo do grego antigo para uma obra secundária ou suplementar.

Ausstellung Parergon von Mariana Castillo Deball
"Null Problemo" faz referência a DuchampFoto: Thomas Bruns

Dar voz aos objetos

"O meu trabalho é o de uma artista contemporânea que há muitos anos trabalha com apropriação. Eu pego objetos e os insiro num contexto diferente. Essa exposição também é sobre linguagem. Queria criar uma experiência que fosse difícil de ser explicada, mas que pudesse facilmente ser entendida pelos visitantes", disse a artista, na abertura da exposição.

Parergon busca, de maneira não convencional, criar reflexões artísticas através da intersecção de obras de arte de diversos museus da cidade com objetos que fazem parte da história do prédio, além de apresentar uma espécie de jornal e um guia de áudio que criativamente dá voz às obras.

Em sua busca pela "biografia das coisas", Castillo Deball direciona a atenção para objetos que, segundo a artista, passaram "suas vidas itinerantes vagando em porões, quintais, pedestais, vitrines, coleções privadas e viajando para outros museus".

Além de usar peças de artistas como Otto Baum, Arno Breker e Wilhelm Lehmbruck, Castillo Deball também criou obras para a instalação. Ayaminsky é um par de óleos sobre tela que pode ser visto atrás de Ornamente, um grande painel geométrico pintado na parede. Já com Null Problemo, ela reverencia Duchamp, além de criar uma conexão com O Pobre Poeta, popular quadro de Carl Spitzweg.

Ausstellung Parergon von Mariana Castillo Deball
"Parergon" é uma espécie de colagem feita com arte, pesquisa, metodologia e históriaFoto: Thomas Bruns

Colagem de métodos

Desenterrar, examinar, restaurar e expor foram as palavras usadas pelo documentarista Jesse Lerner para descrever o trabalho de Castillo Deball. Quatro palavras que resumem o método de trabalho da artista e o apreço dela pelos objetos e suas histórias.

A mexicana opera na interface entre o estudo histórico, a filosofia e a prática artística. A abordagem de Castillo Deball em relação à arte usa métodos científicos de investigação comuns à arqueologia, etnografia e história da ciência, mas, mesmo fundada num processo científico, flerta com o cinematográfico e o literário.

"Seu trabalho é espontâneo e intuitivo. Um dos elementos centrais está na biografia dos objetos, no qual ela busca sempre fazer aflorar o lado poético. Todo objeto é um artefato e tem uma história. Descontextualizar as peças em um museu é como criar uma visão alternativa. Essa fragmentação sempre vem acompanhada de um significado", explica Melanie Roumiguière, curadora de Parergon.

Artista ou curadora?

Mas, com o processo de pesquisa e descontextualização de obras de outros artistas, não estaria Castillo Deball assumindo o papel de curadora? Para Roumiguière, a mexicana é o instrumento central de todo o processo. "Ela é interessada no método como forma de representação artística."

Ausstellung Parergon von Mariana Castillo Deball
Castillo Deball desenterra, examina, restaura e expõeFoto: Thomas Bruns

"Há muitas maneiras diferentes de ser artista, assim como há maneiras diferentes de ser curadora. Meu gesto não é de curadoria, mas um gesto artístico. Eu nunca teria conseguido realizar essa exposição sem a ajuda da Melanie. Essa foi uma aventura que vivemos juntas", afirma a artista.

A oportunidade de trabalhar num espaço tão icônico como o saguão do Hamburger Bahnhof surgiu em decorrência do prêmio da Nationalgalerie, que a cada dois anos organiza uma exposição coletiva com quatro promissores novos artistas. Dos quatro, um júri com grandes nomes do mundo das artes escolhe um, que ganha uma exposição solo num dos principais museus da cidade. Castillo Deball foi a escolhida em 2013. Usando elementos artísticos e históricos do saguão onde a obra está instalada, ela criou uma exposição que é a própria obra.

O Hamburger Bahnhof era originalmente uma estação de trem. Inaugurado em 1846, o prédio neoclássico projetado por Friedrich Neuhaus serviu de modelo para as estações construídas na cidade na segunda metade do século 19. A estação não conseguiu comportar o aumento do fluxo de trens para a cidade e fechou em 1884.

Em 1904, o prédio reabriu como Museu do Transporte, mantendo a arquitetura original em seu espaçoso saguão principal. Danificado durante a Segunda Guerra, o prédio permaneceu vazio por décadas, perdido entre os dois lados da Berlim dividida. Depois de anos de restauração, o Hamburger Bahnhof abriu suas portas em 1996 para se tornar referência internacional em arte contemporânea.