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Zoo humano

20 de dezembro de 2011

Exposição em Paris retrata a longa e vergonhosa história de como os ocidentais se entretinham com exibições de povos não europeus, apresentados em feiras como se fossem animais num zoológico.

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Vista da mostra 'Exibições – A invenção do selvagem'
Vista da mostra 'Exibições – A invenção do selvagem'Foto: musée du quai Branly, Gautier Deblonde

Em Paris, uma mostra no Museu antropológico do Quai Branly relembra os tempos em que seres humanos eram levados à Europa para serem apresentados nas chamadas exposições universais. A mostra Exibições – A invenção do selvagem apresenta pinturas, cartazes e filmes que retratam como não europeus eram exibidos no final do século 19 e início do século 20 por serem considerados "exóticos".

Segundo a holandesa Nanette Snoep, curadora da mostra, faz pouco tempo que os museus começaram a abordar o colonialismo e que por isso "esta parte da história ainda é bastante desconhecida". Falar sobre as exibições de seres humanos é muito importante, acrescenta, "já que isso realmente era um entretenimento popular".

Entretenimento popular

Cerca de um bilhão de pessoas visitaram essas grandes exposições na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Em 1906, por exemplo, na Feira de St. Louis, nos Estados Unidos, foram apresentados de uma só vez 20 mil atores africanos, asiáticos e nativos da América do Sul. Uma indústria com a qual se fazia muito dinheiro, relata Snoep.

Nativos de países colonizados expostos como animais
Nativos de países colonizados expostos como animaisFoto: Pitt Rivers Museum, University of Oxford

A maioria dos atores recebia pagamento pelas exibições. Outros não tinham tanta sorte, como foi o caso do africano pigmeu Ota Benga. Ainda menino, ele foi exibido numa jaula juntamente com um macaco, em 1896 em Nova York. Além de serem extorquidos e humilhados, ainda resta a pergunta de a que se prestavam tais mostras.

De acordo com Pascal Blanchard, pesquisador especializado em história colonial, "se as pessoas acreditavam na existência do 'selvagem' não era porque leram teorias sobre a desigualdade das raças, como as do escritor Arthur de Gobineau, mas porque os tinham visto. O título de uma exposição em Chicago era 'Ver para crer'." Uma vez visto o que era um "selvagem" e como eles eram "diferentes", os visitantes acreditavam no que se contava, enfatiza Blanchard.

"Foi a partir daí que surgiram as correntes de pensamento que dominariam o Ocidente: as ideias que sustentariam o eugenismo, o colonialismo, a dominação e a superioridade ocidentais. Em um século, deixamos de ordenar o mundo por classes sociais para ordenar o mundo por raças", acrescentou.

Estereótipos

Em 1925, foi a vez do estádio de futebol Wembley em Londres expor "exóticos". No cabaré Les Folies Bergères, em Paris, o público muitas vezes preferia pagar para ver guerreiros zulus da África do Sul a garotas dançando.

No parque de entretenimento parisiense Jardin d'Acclimatation era possível ver pequenas aldeias habitadas, por exemplo, por marroquinos ou pessoas da Indochina, apresentados em vestimentas tradicionais e que ocasionalmente apareciam fazendo algo típico de suas regiões.

Lilian Thuram, cocurador da mostra
Lilian Thuram, cocurador da mostraFoto: musée du quai Branly, Cyril Zannettacci

"Eu entendi que o racismo é, sobretudo, uma construção intelectual", afirma Lilian Thuram, cocurador da mostra e ex-jogador de futebol da seleção francesa, nascido em Guadalupe.

Comparados a macacos

Outra peça exibida na mostra do Quai Branly é um instrumento utilizado por cientistas para medir crânios humanos. A intenção era tentar provar as diferenças raciais. Para Thuram, a visão racial do mundo, criada nestes "zoológicos humanos", contribui de alguma forma para explicar os motivos que levavam alguns torcedores a fazer ruídos de macaco quando ele tocava na bola, numa partida de futebol.

"Por que as pessoas não faziam ruídos de cão ou gato? Por que de macaco? Simplesmente porque, na hierarquia das assim chamadas raças, os negros eram considerados o elo perdido entre o macaco e o homem", diz Thuram.

"Nossa cultura carrega as marcas da teoria da superioridade racial e dos zoológicos humanos, mas, às vezes, não estamos conscientes de tudo isso. Se quisermos ir além desses problemas, temos de entender como tudo surgiu", diz o ex-jogador de futebol.

Os "zoológicos humanos" acabaram saindo de moda. Essa forma de entretenimento vivenciou um grande declínio por volta dos anos 1930, mas não porque a pessoas mudaram seus conceitos, mas porque, aos poucos, apareceram outras formas de entretenimento. Naquela década, o mundo presenciava o início do apogeu do cinema.

O último show desse tipo aconteceu em Bruxelas, em 1958. O fim chegou depois que uma revolta se anunciou na aldeia congolesa montada dentro da Exposição Universal, após a maioria dos atores contratados disseram estar fartos de fazer o papel de "selvagens".

Autor: John Laurenson (br)
Revisão: Carlos Albuquerque