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"Meu corpo é minha casa", diz Erlend Øye

Philipp Jedicke (rc)4 de novembro de 2014

Fundador da banda Kings of Convenience, músico norueguês domina tanto as sonoridades acústicas quanto as eletrônicas. Em entrevista, ele fala do novo álbum solo, do período em que morou em Berlim e da vida na Sicília.

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Foto: Daniele Testa/Powerline Agency

Nascido na cidade norueguesa de Bergen, em 1975, o músico Erlend Øye causou uma verdadeira revolução acústica na virada do século, ao lado de Eirik Glambek Bøe no duo Kings of Convenience.

Em 2003, Øye fundou em Berlim a banda The Whitest Boy Alive, que fazia uma mistura singular de música eletrônica com música ao vivo. Agora, o norueguês acaba de lançar seu segundo álbum solo, intitulado Legao.

Em entrevista à DW, o músico fala sobre a carreira, as experiências mundo afora e o novo disco.

Deutsche Welle: Depois da Alemanha, do Brasil e da Noruega, você vive agora na Sicília, no sul da Itália. Pretende ficar lá por mais tempo?

Erlend Øye: Por enquanto não tenho outros planos. Mas quem sabe o que o futuro vai trazer? A imprensa tenta sempre fixar as coisas, mas eu nunca estou somente num lugar. Isso também se faz presente no meu último álbum e em tudo o que faço. Meu corpo é a minha casa. O lugar onde moro fica em segundo plano.

Além de ter dois músicos italianos em sua banda, você também costuma exaltar em entrevistas a música pop italiana.

Para mim, a Itália é um universo musical único. Quase todas as canções famosas cantadas em inglês nos anos 1960 e 1970, também existem em italiano. Antes da Inglaterra e dos Estados Unidos, a Itália era o país número um em exportação de música. Canções como Volare são conhecidas em todo o mundo. Mas nos anos 1980, os italianos começaram a fazer uma música pop bastante abobada, com cantores com vozes enjoadas, exageradamente roucas.

CD Cover Legao von Erlend Öye
Capa do segundo álbum solo de Erlend Øye, "Legao"Foto: Bubbles Records

Você gravou seu último álbum, Legao, com a banda islandesa Hjálmar.

Eu os vi tocar num festival na Noruega e, desde então, tenho escutado suas canções. Logo ficou claro para mim que eu gostaria de trabalhar com essa banda. Eles tocam reggae – não pelo estilo de vida, mas por razões musicais. O reggae se encaixa facilmente em seu estilo de compor, uma vez que eles têm várias canções lentas, assim como eu. Para torná-las dançáveis, o reggae é a única coisa que funciona.

Em Legao há algumas referências ao chamado "Yacht Rock" (Rock de Iate), um tipo de rock mais leve dos anos 1970 e 1980. Seria essa a referência tomada para o álbum?

Eu gosto dessa estética. Ela vem da época dos grandes estúdios de gravação do final dos anos 1970, antes de a música ser programada com a ajuda de computadores. Acho muito mais bonito o material gravado ao vivo. Quero trabalhar com grandes músicos e tocar com eles. Assim se cria uma música durável que pode ser ouvida diversas vezes. É muito mais divertido trabalhar assim do que ficar em frente a uma tela de computador editando as músicas. Isso não é nada sexy.

Dessa forma, já se sabe como tocar as músicas na turnê.

Exatamente. Muitos músicos conhecidos hoje escreveram suas músicas no computador. Quando recebem uma proposta de um festival, têm que, de um dia para o outro, formar uma banda de verdade. No palco, se veem alguns caras com laptops e o baterista tentando acompanhar os ritmos eletrônicos. Isso não faz sentido algum, e eu não quero ter nada a ver com isso. Quero ser parte de um mundo que surgiu do ideal de Woodstock [o lendário festival de rock de 1969], em que as bandas tocavam, as pessoas ouviam e as coisas aconteciam espontaneamente.

Deutschland Norwegen Musik Sänger Erlend Öye mit Eirik Boe Archiv 2013 Hamburg
Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe, os fundadores do duo Kings of ConvenienceFoto: picture alliance/Jazzarchiv

Você já experimentou desde as sonoridades acústicas dos violões até a música eletrônica. Você perde rapidamente o interesse numa determinada sonoridade?

Atualmente, minha intenção é me libertar da música eletrônica. Não posso mais viver nesse mundo, porque se tornou muito perigoso para meus ouvidos. E não quero mais me apresentar às três horas da madrugada. Isso leva a um estilo de vida ruim. O mais importante é fazer aquilo que te dá mais inspiração. Se você se der conta de que está se repetindo, então, é melhor parar.

Durante sua permanência em Berlim, a cidade se tornou um local de desejo de muita gente em todo mundo. Ao deixar Berlim, você queria se afastar das grandes badalações?

Não, não foi esse o motivo. Berlim está bem melhor agora do que em 2002. Naquela época em que eu vivia em Kreuzberg [, bairro berlinense,], Berlim era uma verdadeira cidade do rock'n roll. Gostaria que tivesse alguns poucos hipsters, assim teria com quem conversar. Me mudei para me afastar do fedor dos cigarros nos bares. Não conseguia sair à noite. Após uns vinte minutos, no máximo, eu precisava de ar fresco. Se você não pode ter uma vida social em Berlim, melhor não morar lá.

Por que Berlim é melhor hoje do que em 2002?

Agora, os jovens que vão a Berlim com ideias novas têm como colocá-las em prática. Isso é o que empolga: viver num lugar onde as pessoas com boas ideias podem fazer algo delas. Por isso, os jovens italianos e espanhóis sonham com Berlim – um lugar onde podem realizar seus sonhos.

Pode-se também realizar sonhos na Escandinávia, onde há uma ótima promoção da cultura. Por que tantos músicos escandinavos vivem no exterior?

Eu me pergunto se toda essa promoção cultural é boa para a música. Não acho que um músico deva ser bom em escrever propostas de financiamento. Eu nunca recebi verbas, onde quer que tenha ido, tendo conhecido pessoas da indústria musical. Afinal, a história de uma viagem a outro lugar é sobre o que se escreve! Vivi em Londres quando era um jovem músico. Foi bastante duro, uma porcaria mesmo, me sentia muito só. Mas isso me deixou numa situação em que podia compor muito, o que foi importante.

Deutschland Norwegen Musik Sänger Erlend Öye
Erlend Øye quer se libertar da música eletrônicaFoto: Daniele Testa/Powerline Agency

No palco, você entretém muito bem o público. Foi sempre assim ou você costumava ser tímido?

Eu era sempre o primeiro a ir à pista de dança, para quebrar o gelo. Mesmo quando tinha dez anos.

Na escola, você era o "palhaço" da classe?

Não, eu era mais do tipo que sabia tudo. Eu ia muito bem nos estudos, era o favorito dos professores. Quase não tinha contato com as outras crianças. Tive uma infância muito solitária.

Quando você descobriu que podia ser divertido?

Em 2001, quando vim à Itália pela primeira vez. Foi aí que me dei conta que não sou estranho, sou norueguês. E isso aconteceu não apenas na Itália. Em todo o mundo, há lugares onde as pessoas são mais extrovertidas.

A Sicília é considerada um bastião do machismo. Esse é apenas um clichê?

Por um lado, sim. O reconhecimento de tudo o que é divertido ou agradável é bastante alto por lá. Coisas que em outros lugares são tidas como "gay" são altamente apreciadas, como homens se abraçando ou se beijando com frequência.

Por outro lado, é difícil estabelecer contato com as mulheres sicilianas, porque, na maioria das vezes, elas estão interessadas apenas em se casar. Tenho amigas lá que eu gostaria muito de convidar para fazer algo juntos, mas isso não é possível, porque seus parceiros ficariam enciumados. Isso é um pouco estranho.