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Real completa 20 anos com desafios

Marina Estarque, de São Paulo1 de julho de 2014

Plano acabou com escalada de preços e pôs país em novo patamar de desenvolvimento. Para especialistas, porém, não corrigiu ineficiências da economia e hoje governo tem problemas para aliar crescimento e baixa inflação.

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Foto: Comugnero Silvana/Fotolia

O Plano Real, que completa 20 anos nesta terça-feira (01/07), é considerado um divisor de águas na história do Brasil. Ele deixou para trás as remarcações diárias de preços e debelou a hiperinflação, que corroia o poder de compra dos brasileiros e desorganizava a economia.

Segundo especialistas, entretanto, o plano não solucionou entraves econômicos básicos, que hoje prejudicam o crescimento e impulsionam o aumento de preços. Entre os problemas atuais estão um índice de inflação que ultrapassa o centro da meta oficial do Banco Central de 4,5% e, também, as taxas de juros, que estão entre as mais altas do mundo.

"O Plano Real foi uma estratégia muito inteligente para acabar com a hiperinflação, principalmente com o regime de câmbio fixo, a partir de 1995. Mas as ineficiências da economia foram varridas para debaixo do tapete", afirma o economista Carlos Eduardo Soares Gonçalves, da Universidade de São Paulo (USP).

A economista Luciana Rosa de Souza, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que os planos anteriores também foram importantes no processo de estabilização econômica. "A partir do que veio antes do real, foi possível ver o que estava errado. Só com isso pudemos fazer um plano mais ousado e bem desenhado."

Apesar das conquistas, especialistas consideram, porém, que o modelo inaugurado pelo Plano Real – que se baseou no tripé política fiscal mais restritiva, câmbio flutuante a partir de 1999, e política monetária voltada para controlar a inflação – não é aplicado atualmente de forma correta ou chegou ao seu limite.

Política fiscal

Entre as atuais fragilidades da economia, apontam especialistas, está a política fiscal. Em 2012, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recorreu ao que ficou conhecido como "contabilidade criativa" para fechar as contas públicas. A alteração no cálculo foi mal recebida pelo mercado, e diminuiu a credibilidade fiscal brasileira.

Em março deste ano, a nota dada ao Brasil pela agência de classificação de risco Standard&Poor's (S&P) para a dívida de longo prazo em moeda estrangeira caiu de BBB para BBB-, a última do chamado grau de investimento. Apesar de o país ainda ser considerado seguro para investir, o rebaixamento foi um golpe para o governo.

Guido Mantega
Mantega recorreu à chamada "contabilidade criativa" para fechar contas públicasFoto: picture alliance/ALEXANDRE MOREIRA

O Plano Real não significou também uma diminuição dos gastos públicos. Segundo Gonçalves, da USP, o ajuste fiscal foi abandonado durante o primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, responsável pela implantação do plano, na qualidade de ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco.

"O Plano Real não impediu um aumento dos gastos, simplesmente mudou a forma de financiar, de receitas inflacionárias para formas mais tradicionais de imposto", defende Gonçalves. Ele afirma que a política fiscal funcionou bem durante o segundo mandato de Cardoso e o governo de Luíz Inácio Lula da Silva.

Já no governo da presidente Dilma Rousseff, segundo ele, esse panorama mudou. "Houve uma grande expansão da política fiscal: o gasto público aumentou e cortaram muitos impostos."

Souza, da Unifesp, concorda que houve piora nesse aspecto da economia. "O tripé funcionou até 2011, quando a Dilma alterou a política fiscal, que passou a ser calcada no superávit primário para fazer face ao pagamento da dívida. Do meu ponto de vista, ela mexeu mal porque não anunciou isso ao mercado."

Para a economista, o principal problema foi a perda de credibilidade. "Mantega simplesmente alterou o cálculo do superávit primário. Fizeram um malabarismo e não cumpriram as promessas do governo."

Investimentos públicos

Além da solidez fiscal, Souza avalia que o governo perdeu a capacidade de coordenar e incentivar investimentos públicos e privados em infraestrutura. Ela argumenta que o tripé e o sistema de metas são muito bons para controlar a inflação, mas geram uma "camisa de força". Em contrapartida, a economista da Unifesp sugere que se mantenha o tripé, mas que a forma de calcular o superávit seja modificada.

"O orçamento não leva em conta a qualidade do gasto, se é custeio da máquina pública ou investimento. Parece-me interessante a ideia do economista Delfim Netto de ter um deficit nominal zero. É possível também aplicar parte dos investimentos em títulos da dívida pública brasileira em infraestrutura", propõe a economista, para quem a falta de investimentos também é causada por má gestão dos recursos públicos.

Transferleistungsprogramm der brasilianischen Regierung "Bolsa Familia"
Para especialista, falta de investimentos em infraestrutura pode ameaçar avanços sociaisFoto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images

O economista Eduardo Strachman, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), concorda: "É preciso garantir os investimentos. Do contrário, o crescimento vai continuar baixo." A projeção do Banco Central de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano é de 1,6%.

Souza destaca, ainda, que a falta de investimentos em infraestrutura pode ameaçar os avanços das últimas décadas. "Os problemas na política fiscal impedem que a sociedade aprofunde certos aspectos que o Plano Real trouxe, como a diminuição das taxas de pobreza."

Ainda de acordo com a especialista, após anos de políticas bem-sucedidas de transferência de renda, a redução da desigualdade atualmente passa pelos investimentos em infraestrutura. "Estudos mostram que a transferência de renda está chegando a um limite de eficiência. Agora, que já atingimos outro patamar, o impacto na redução da pobreza é maior se investirmos nos aparelhos públicos de educação, saúde e transporte."

Juros altos e inflação

Para conter a inflação, o Plano Real apostou numa política monetária dura, que manteve os juros altos, e no sistema de metas. Em 2012, entretanto, o governo Dilma tentou reduzir a taxa Selic, que atingiu a mínima histórica de 7,25%. A iniciativa visava aumentar o crescimento, que já dava sinais de desaceleração.

Ao mesmo tempo, a inflação tomou fôlego, obrigando o governo a subir novamente os juros para o atual patamar de 11%. Em 2014, o BC prevê que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação, subirá para 6,4%.

De acordo com Gonçalves, da USP, a manobra do governo foi um erro. "A política monetária foi muito rapidamente afrouxada, deixando de lado o foco no controle da inflação, que hoje é relativamente alta, perto de 7% ao ano." Para ele, o governo tentou baixar os juros "na marra".

"O crime foi baixar os juros ao mesmo tempo em que se expandia a política fiscal. Isso foi incentivo demais para a inflação, e acaba afastando os investimentos e prejudicando o crescimento, que continuou baixo", defende.

Já para Luciana Rosa de Souza, a decisão de baixar os juros foi acertada. "O problema foi o malabarismo fiscal. Como foi feito de forma muito atrapalhada, o efeito da queda da Selic, que era importante, se perdeu."

Strachman, da Unesp, também não considera que a queda dos juros foi temerária. "Isso inclusive influencia positivamente o orçamento público. Há uma preocupação excessiva com a inflação no Brasil, que está em limites razoáveis. Assim acabamos comprometendo o crescimento", argumenta.

O economista acredita que as regras do sistema de metas brasileiro deveriam ter sido alteradas ao longo do Plano Real. "No Chile, por exemplo, a meta de inflação é trianual. É possível traçar um objetivo de longo prazo e trabalhar com tendências."

Câmbio e desindustrialização

No Plano Real, o câmbio também foi usado como mecanismo de controle da inflação. Nos primeiros anos, a taxa era fixa e a moeda, bastante valorizada. O objetivo era permitir a entrada de produtos importados, para gerar competição e incentivar a modernização da indústria brasileira.

"A manutenção do câmbio fixo e valorizado por muito tempo, aliado a uma abertura da conta de capitais e comercial, foi um exagero. A entrada de bens importados foi massiva. Isso foi importante para romper oligopólios nacionais, mas, ao mesmo tempo, quebrou micro e pequenas empresas que não tinham chance de competir com o mercado internacional", diz Souza.

Para a economista, faltou preparar determinados segmentos brasileiros, especialmente o de calçados e tecidos, para a entrada dos concorrentes. Ela diz que o câmbio supervalorizado, de 1995, desencadeou um processo de desindustrialização, com a destruição de cadeias produtivas. "Posteriormente, houve um aumento no preço das commodities, o que reforçou mais ainda esse problema", afirma.