1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

"Levaremos tristeza e culpa por aqueles que morreram", diz Mustafa Najem

Oleksandra Indiukhova / Roman Goncharenko (cn)21 de novembro de 2014

O jornalista foi um dos organizadores do protesto na Praça da Independência da Ucrânia, há um ano, que culminou na atual guerra no leste do país. Em entrevista à DW, ele faz um balanço dos acontecimentos.

https://p.dw.com/p/1Dr2g
Foto: Mustafa Najem

Em 21 de novembro de 2013, manifestantes se reuniam na Praça da Independência (Maidan) em Kiev para protestar contra a política do então presidente Viktor Yanukovytch em relação à União Europeia (UE) e à Rússia.

O protesto foi o estopim para o conflito que se alastrou pelo país e dura até hoje. Um dos organizadores da manifestação foi o jornalista, blogueiro e ativista Mustafa Najem, eleito parlamentar na votação de 26 de outubro.

"Geopoliticamente não havia outro caminho a não ser essa luta, na qual muitas pessoas perderam a vida. Não podíamos permanecer sob a influência da Rússia e do sistema de poder seguido por Yanukovytch", opina Najem. Em entrevista à Deutsche Welle ele falou sobre os protestos, a situação atual no país e fez críticas à posição da EU em relação à guerra no leste ucraniano.

Deutsche Welle: No dia 21 de novembro de 2013, o governo ucraniano surpreendentemente colocou de lado o acordo de associação com a União Europeia. No mesmo dia, você convocou espontaneamente um protesto na Praça da Independência (Maidan) em Kiev. Esse foi o estopim das manifestações em massa contra o governo. O que o levou a esse passo?

Mustafa Najem: Quando o governo anunciou que estava se afastando da União Europeia houve uma reação violenta no Facebook. Eu e muitos outros tínhamos certeza de que era uma jogada política. Nós ainda tínhamos a esperança de que o então presidente Viktor Yanukovytch iria assinar o acordo. A data era simbólica, pois no dia 21 de novembro de 2004 começou a Revolução Laranja na Ucrânia. Por isso, nós organizamos o encontro na Praça Maidan.

Era apenas um protesto e não um chamado à revolução. Meu apelo foi dirigido a pessoas ativas no Facebook, meus amigos e colegas. Os políticos não acreditavam que as pessoas fossem aparecer, mas elas apareceram. E à meia-noite milhares de pessoas estavam reunidas na Praça Maidan.

Hoje qual é o balanço que você faz? O que valeu a pena e o que não?

O mais importante, mesmo sendo uma conquista pequena, é que nós finalmente decidimos qual o caminho que queríamos seguir [a Ucrânia assinou o acordo de associação com a UE este ano]. A Ucrânia não irá mais seguir na outra direção. Ainda é muito cedo para falar sobre todo o resto. Infelizmente, uma guerra aconteceu depois do movimento em Maidan.

Tudo que acontece agora é resultado dessa guerra. Eu acredito que Maidan mobilizou muitas pessoas que queriam mudar algo. Elas agora se envolveram com a política. Eu espero que elas tenham sucesso e vou fazer de tudo para não perdemos a energia que acumulamos no ano passado.

O movimento da Praça Maidan pedia uma mudança de poder na Ucrânia e conseguiu. Mas milhares de pessoas morreram e o país perdeu uma parte de seu território. O preço pago não foi muito alto?

Naturalmente cada vida perdida é um preço alto demais. Por outro lado, para mim hoje é claro que geopoliticamente não havia outro caminho a não ser essa luta, na qual muitas pessoas perderam suas vidas. Não podíamos permanecer sob a influência da Rússia e do sistema de poder seguido por Yanukovytch. Sim, uma parte do território ucraniano está ocupada. Mas eu acho que isso não vai durar muito.

Eu não tenho dúvidas que quando conseguirmos construir um país atraente aqui, essa região voltará ser ucraniana. Não vamos festejar a data de hoje por respeito às vítimas. Levaremos tristeza e culpa por aqueles que morreram. Esse é um reconhecimento importante.

A Ucrânia queria integrar a Europa, mas a União Europeia se comporta de maneira contida. Você está decepcionado com a forma como a UE tem agido em relação aos acontecimentos na Ucrânia?

O problema é que a UE não percebe a Ucrânia dentro da sua esfera de influência, mesmo depois de a Ucrânia ter mostrado com a perda de vidas que quer pertencer à Europa. A UE não acredita ainda que precisa proteger a Ucrânia de forma concreta, não somente com palavras e sanções.

Pode parecer radical, mas eu acho que todo sucesso que a Ucrânia alcançou nesse conflito não se deve à Europa, mas às pessoas do leste do país que deram suas vidas. Eu estou decepcionado com a Europa nesse aspecto.

Qual ajuda você espera da Alemanha?

Eu espero que a Alemanha entenda que é sua obrigação defender a Ucrânia. A UE tem culpa também em tudo que está acontecendo agora na Ucrânia e na Rússia. Bruxelas sempre soube que as elites ucranianas e russas guardavam seu dinheiro na Europa. A UE demorou muito tempo para decretar as sanções e bloquear contas bancárias. Isso poderia ter sido feito muito mais rápido.

Eu espero que em algum momento decisivo, tanto a Alemanha quanto a UE tenham coragem de reconhecer os acontecimentos na Ucrânia como uma verdadeira guerra. Eu espero que tomem uma posição e não tentem – sob o pretexto da diplomacia ou geopolítica – fechar os olhos e não ver que um lado ataca o outro.