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Lentidão da Justiça diminui impacto da Ficha Limpa

Marina Estarque, de São Paulo4 de setembro de 2014

Por meio de recursos, candidatos conseguem adiar decisão judicial e se manter na disputa. Apesar disso, especialistas avaliam que lei é eficaz para afastar corruptos.

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Foto: Fotolia/olly

A um mês das eleições, candidatos enquadrados na Lei da Ficha Limpa ainda recorrem em tribunais para se manter na disputa eleitoral. Enquanto houver recursos, o político pode concorrer e até ser empossado. "A morosidade do Judiciário torna mais difícil impedir que candidatos com ficha suja concorram. Isso precisa ser enfrentado", defende o juiz eleitoral Márlon Reis, do Maranhão, um dos idealizadores da Ficha Limpa.

O sistema de recursos não está previsto na Lei da Ficha Limpa, mas está na Constituição e em outras lei eleitorais. "Isso dá ao candidato a oportunidade de contestar as decisões judiciais e adiá-las bastante", afirma Reis. Apesar de os recursos serem um direito, a lentidão da Justiça em julgá-los acaba gerando casos em que, anos após a realização do pleito, votos são anulados, governantes são cassados e novas eleições são convocadas.

No estado de São Paulo, sete prefeitos foram cassados com base na Ficha Limpa, depois de eleitos em 2012, de acordo com o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo). O prefeito de Pinheirinhos, Anderson Luis Pereira (PV), é um deles, mas entrou com recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e segue no cargo.

Nas últimas semanas, casos como o de Paulo Maluf (PP), candidato a deputado federal por São Paulo, e José Roberto Arruda, candidato ao governo do Distrito Federal pelo PR, tiveram destaque nos noticiários. Ambos tiveram seus registros negados pela Justiça Eleitoral com base na Ficha Limpa e recorreram da decisão.

Pela Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010, fica inelegível por oito anos – além da perda dos direitos políticos – quem for condenado, em decisão colegiada, por ato doloso de improbidade administrativa com lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Prejuízos para o eleitor

O ideal seria que todos os recursos fossem julgados antes das eleições. "Essa lentidão prejudica o eleitor, que fica sem saber em quem pode votar. Às vezes ele pensa que o candidato é ficha suja, mas depois o político ganha o processo lá na frente. Aí como é que faz?", argumenta o advogado e professor de direito eleitoral Alberto Luis Rollo, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Por outro lado, se o candidato perder todos os recursos, seus votos serão anulados. "É justo o eleitor perder o voto? Não está certo, tinha que julgar mais rápido", diz Rollo.

Os especialistas ressaltam, entretanto, que os candidatos não podem ser punidos pela demora do Judiciário. "A resolução dá prazos para julgar os processos. Aqui em São Paulo, esse prazo já não foi cumprido pelo TRE. Com isso, demora mais tempo para os recursos chegarem ao TSE, em Brasília", aponta Rollo.

Novidade no cenário político

Como a lei é relativamente recente – foi usada em apenas duas eleições – há também muitas dúvidas sobre a sua aplicação. Em alguns casos específicos não há consenso nem mesmo entre os especialistas, o que seria outro motivo para a demora no julgamento dos processos. "A Ficha Limpa rompeu com todos os paradigmas anteriormente. Ela ainda é uma novidade no cenário jurídico", afirma Reis.

Com o tempo, a jurisprudência será consolidada, facilitando as decisões dos tribunais regionais. "Ainda serão necessárias quatro ou cinco eleições para as questões serem resolvidas de forma mais automática. Se consome muito tempo nos tribunais com debates novos", afirma.

Para o vice-presidente da comissão de direito eleitoral da OAB-SP, Silvio Salata, há algumas falhas na aplicação da lei. "Ela está iniciando uma fase de adequação. Acho que ainda há interpretações erradas e algumas falhas, porque a lei acaba antecipando uma condenação que ainda não ocorreu", diz. Não há, porém, necessidade de promover correções na própria lei. "O debate no Judiciário vai dar conta disso."

Impactos da lei

Uma consequência da Ficha Limpa é que muitos políticos desistem de se candidatar ou indicam nomes de pessoas próximas – como a esposa ou o marido – para concorrer em seu lugar. "Esse impacto invisível é um dos mais importantes. O que a gente vê na Justiça são só os casos dos candidatos que decidiram levar as candidaturas adiante", afirma Reis.

Ele avalia que a lei está sendo eficaz em afastar políticos corruptos. Em 2012, nas eleições para prefeitos e vereadores, 1.200 pessoas foram barradas pela Ficha Limpa. "É um número sem precedentes. Nessas eleições está acontecendo algo similar, só que em menor quantidade, porque o número de candidatos não é o mesmo", explica Reis.

Este ano, o Ministério Público Federal impugnou 497 candidaturas pela Ficha Limpa. Além disso, a lei está sendo aplicada com maior rigor. Para o cientista político Bruno Speck, da USP, a pressão da opinião pública tem contribuído para essas decisões, segundo ele até mais rigorosas do que a lei sugere.

Expectativas da sociedade

Ainda assim há certa descrença da sociedade em relação à eficácia da Ficha Limpa, já que muitos políticos vistos como corruptos conseguem se eleger. "A Justiça decide diferente da opinião de um ou outro. Não é porque alguém acha que tal candidato não possa concorrer que o processo vai ser julgado da mesma forma", explica o diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Abramo.

Além disso, há muitos requisitos para que um político seja enquadrado na lei. "Muitos candidatos que, na visão da sociedade, são notoriamente corruptos, não se encaixam na Ficha Limpa. Seja porque não tiveram nenhuma condenação, seja porque ainda estão respondendo a processos", diz Reis.

No Distrito Federal, o caso de Arruda ganhou repercussão. O candidato a governador teve o registro negado com base na Lei da Ficha Limpa. Ele havia sido condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios por improbidade administrativa, dano ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

A defesa alegou que Arruda não poderia ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, pois sua condenação em segunda instância aconteceu cinco dias após o pedido de candidatura. Para o TSE, entretanto, o argumento não é válido porque a legislação permite considerar as condenações mesmo depois do pedido de candidatura.

Com o impasse, o caso vai para o Supremo Tribunal Federal, que poderá decidir somente após as votações de outubro, havendo risco de o Distrito Federal ter que realizar nova eleição. O Ministério Público Federal pediu o cancelamento da campanha, mas enquanto isso não ocorre, Arruda segue nas ruas, na TV e no rádio pedindo votos. "Eu me mantenho na luta", diz o candidato.