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José Ramos-Horta aberto a mediar crise na Guiné-Bissau

20 de abril de 2012

A DW África conversou com o Presidente cessante de Timor-Leste, José Ramos-Horta, sobre a situação na Guiné-Bissau. A Guiné poderá beneficiar da experiência timorense no que toca à reforma militar defendeu.

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Timor-Leste's President Jose Ramos-Horta talks to the media during a joint press conference with European Union Commission President Barroso, unseen, following their meeting at the EU Commission headquarter in Brussels, Tuesday July 22, 2008. Foto: Wiktor Dabkowski +++(c) dpa - Report+++
Jose Ramos Horta Präsident von Ost-TimorFoto: picture-alliance/dpa

O Comando Militar da Guiné-Bissau convidou o Presidente cessante de Timor-Leste José Ramos-Horta para mediar a crise no país. O chefe de Estado timorense mostrou-se disponível para aceitar a missão desde que a ordem constitucional seja reposta e sob a condição de Raimundo Pereira, Presidente interino da Guiné-Bissau e Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro e candidato presidencial deste mesmo país, serem libertados. Ambos foram detidos pelas forças do Comando Militar na altura do golpe de Estado na Guiné-Bissau, dia 12 de abril.

Nesta sexta-feira (20.04), José Ramos-Horta concedeu uma entrevista à DW África onde salienta que embora haja diferenças entre a experiencia timorense e guineense, a bem sucedida reconciliação nacional timorense e de reforma das Forças Armadas pode ser aplicada na Guiné-Bissau. O Prémio Nobel da Paz esclarece que não se pode comparar as Forças Armadas da Guiné-Bissau com as de Timor-Leste, o país teve uma crise dentro das Forças Armadas, problema que depois afetou a polícia do país e criou "uma certa onda de violência e a quebra de lei e da ordem em Díli", explica, mas ressalta que nunca houve um golpe para derrubar o poder civil eleito.

DW África: De que forma a experiência de reconciliação nacional em Timor-Leste poderá ajudar a Guiné-Bissau?

Ramos-Horta defende reforma nas forças militares
Ramos-Horta defende reforma nas forças militaresFoto: Reuters

José Ramos-Horta: [Na altura da crise ], o governo democrático manteve-se. Houve apenas substituição do primeiro-ministro por resignação, por exigência de manifestantes civis nas ruas. Mas o partido no poder continua o mesmo, a Fretilin [Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente].

No caso da Guiné-Bissau é diferente porque têm sido as Forças Armadas, ao longo de mais de uma década, sempre, a depor primeiro-ministros eleitos. A Guiné-Bissau deveria estudar e aplicar reformas no país, sarar as feridas, profissionalizar oficiais, instigar orgulho e amor próprio nas Forças Armadas.

As Forças Armadas na Guiné-Bissau são constituídas por seres humanos com todos seus defeitos e suas virtudes. Precisamos ver quais são estas virtudes e defeitos e tentar fazer prevalecer as virtudes sobre os defeitos.

DW África: O representante das Nações Unidas em Bissau Joseph Mutaboba disse na reunião do Conselho de Segurança, que aconteceu na última quinta-feira (19.04), que a comunidade internacional poderia ter feito mais e que o tempo é crítico. Concorda com esta posição?

JRH: Com certeza, sem dúvida creio que a comunidade internacional pouco fez por Guiné-Bissau. Tentou-se, mas houve sempre desapontamentos. A Comissão Europeia, por exemplo, ao longo de anos, teve uma presença forte na Guiné-Bissau. Financiou grandes projetos e infraestruturas que eu testemunhei. Guiné-Bissau é um país potencialmente rico, plano, com muitos rios, e a Comissão Europeia financiou grandes obras de infraestrutura na Guiné-Bissau.

No início, depois da independência do país, o maior parceiro internacional e mais generoso da Guiné-Bissau foi a Suécia. Porém, o país europeu desapontou-se e já abandonou a Guiné há mais de uma década. Portugal foi um dos poucos países que sempre se manteve solidário e leal a Bissau, mas também o público e os jornais portugueses se cansam. Portanto, houve apoio internacional. Talvez o representante esteja querendo dizer que não houve uma presença maior das Nações Unidas. Mas esta depende também da vontade do governo. A ONU não pode impor a sua presença aos países".

A Guiné-Bissau passa por uma crise política desde o golpe militar dia 12 de abril
A Guiné-Bissau passa por uma crise política desde o golpe militar dia 12 de abrilFoto: Reuters

Hoje, talvez, estejam criadas as condições para que seja estabelecida na Guiné-Bissau uma missão da ONU nos moldes em que foi solicitada pela CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e pela CEDEAO [Comunidade Económica dos Países da África Ocidental]. Tem que haver uma missão robusta no plano político, uma missão de caráter militar para com as autoridades civis e militares da Guiné-Bissau trabalhar em parceria como irmãos, ajudar as forças armadas da Guiné-Bissau a resolver os problemas que têm ao longo de muitos anos, como a falta de legislação, de equipamentos, de infraestrutura, de salários e de formação dos oficiais.

É necessário avaliar que tipo de força armada a Guiné-Bissau quer. No caso de Timor-Leste, o país recorreu à uma universidade para fazer um estudo, que serviu de base para formarmos as nossas forças armadas depois da guerrilha. Como transformar a guerrilha numa força armada moderna... Portanto, a Guiné-Bissau pode beneficiar da nossa experiência, país da mesma dimensão que a nossa, embora com algumas diferenças na origem e na raíz dos problemas.

DW África: O senhor disponibilizou-se para mediar no quadro da CPLP a crise na Guiné-Bissau. Face a evolução da situação, ainda mantém a sua disponibilidade para regressar a Bissau como enviado especial?

JRH: Sim, eu irei em qualquer altura caso as autoridades na Guiné-Bissau, civis e militares, assim o desejarem. Quem vai a um país tem de ser convidado, não pode se impor. Se eu for convidado, em primeiro lugar pela CPLP, porque é para esta organização que eu dou prioridade em termos de responsabilidade, de solidariedade.

Prefiro atuar neste quadro quando falamos de problemas ou iniciativas na CPLP. Havendo uma decisão do Conselho de Segurança da ONU, obviamente cabe ao secretário-geral escolher algum enviado especial . Estou disponível. Também para missões de curta duração, de visitas de avaliação, de primeiros contatos. Estou disposto para uma missão também a longo prazo porque o processo da Guiné-Bissau exige um compromisso por parte da ONU de muitos anos. Não podem ser missões de apenas seis meses ou um ano. Tem que se pensar a médio e a longo prazo.

Autora: Helena Ferro de Gouveia
Edição: Bettina Riffel / António Rocha

20.04.12 Entrev. Ramos Horta - sobre a Guiné Bissau (Longa) - MP3-Mono