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Acordo nuclear Brasil-Alemanha é posto em xeque

Clarissa Neher5 de novembro de 2014

Parceria que está em vigor há quase 40 anos possibilitaria ao Brasil adquirir conhecimento para alcançar melhor posição política no cenário internacional. No entanto, pouco do que estava previsto foi de fato realizado.

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Foto: picture-alliance/dpa

A Alemanha decide nesta quinta-feira (06/11) sobre o destino do acordo nuclear com o Brasil, que completa 40 anos em 2015. Mas o resultado da parceria, que deveria vigorar inicialmente por 15 anos, foi bem diferente do previsto, e muitas propostas acabaram ficando somente no papel e na imaginação de seus idealizadores.

No dia 18 de novembro de 1975 entrava em vigor o acordo assinado por Alemanha e Brasil para cooperação bilateral na utilização pacífica de energia nuclear. Pelo acordo, na teoria, o Brasil se comprometia a desenvolver um programa com empresas alemãs para a construção de oito usinas nucleares, além do desenvolvimento de uma indústria teuto-brasileira para a fabricação de componentes e combustível para os reatores. Além disso, o país tinha interesse no repasse da tecnologia para poder dominar o ciclo de enriquecimento de urânio.

Mas na prática muito pouco saiu como o assinado. Com o acordo, o Brasil pôde trocar o até então parceiro nesse setor, Estados Unidos, pela Alemanha. Em 1974, o governo americano, com quem o país tinha um acordo de desenvolvimento de energia atômica desde 1955, suspendeu o fornecimento de urânio enriquecido para laboratórios de pesquisa no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.

Bomba atômica brasileira

Com essa suspensão, o governo brasileiro, comandado por Ernesto Geisel e com orientação desenvolvimentista e nacionalista, resolveu mudar sua política para o setor e viu a possibilidade de firmar alianças para alcançar a autonomia na área nuclear. E assim se firmar com potência regional, ao obter tecnologia e conhecimento para a fabricação de uma bomba atômica.

"Um país não tem autonomia no cenário internacional se depende totalmente de conhecimento tecnológico externo. A ala nacionalista dentro do governo Geisel desenhava um projeto de 'Brasil Grande Potência', e para isso teria que desenvolver tecnologia na área nuclear com a possibilidade de fabricação da bomba atômica", afirma a historiadora Albene Miriam Menezes Klemi, da UnB.

Perante a possibilidade de fazer grandes negócios e estreitar a aliança com país em pleno desenvolvimento, o governo da antiga Alemanha Ocidental, que desde 1969 era comandado por uma coalizão entre o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Liberal Democrático (FDP), pareceu não se importar em assinar um acordo com um país governado por uma ditadura militar.

"Para a Alemanha, o acordo se inseria dentro de uma lógica de estender alianças políticas no mundo ocidental dentro do cenário da Guerra Fria. Além disso, havia o interesse principalmente econômico, porque a economia alemã vivia da exportação de alta tecnologia. Portanto, a exportação da tecnologia nuclear, muito cara e de grande valor agregado, era muito interessante", afirma o diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Dawid Bartelt.

Parceria natural

Assim, o acordo nuclear estreitava ainda mais os laços alemães com um país que acaba de passar por um milagre econômico. "Isso foi de significado maior para o governo alemão, que fechou os olhos para a realidade política brasileira sob a ditadura, mesmo que na época o governo alemão estivesse oficialmente comprometido com os direitos humanos", completa Bartelt.

A parceira entre Brasil e Alemanha no setor também era natural. Os dois países já trabalhavam juntos em outras aéreas e possuíam um acordo de cooperação científica e tecnológica, assinado em 1969.

Além disso, esse não foi o primeiro acordo nuclear entre os países. Segundo a historiadora Klemi, na década de 1950 foi assinado um acordo secreto, no qual a Alemanha venderia reatores para o Brasil, com a possibilidade desenvolver essa tecnologia em território brasileiro, o que não podia fazer em seu próprio país devido às restrições que sofreu após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a venda dos reatores foi descoberta pelo serviço secreto britânico, e os Estados Unidos impediram o envio do material ao Brasil.

Com o acordo de 1975, o Brasil via novamente a chance de ganhar conhecimento e poder no setor, já que a proposta previa o repasse de tecnologia. A Alemanha também tinha a possibilidade de ampliar seu conhecimento na área e, além disso, teria acesso ao urânio para seus reatores. "A Alemanha ainda não dominava algumas das tecnologias nucleares e poderia vir a desenvolver no Brasil, onde havia matéria prima", reforça Klemi.

Kernkraftwerk Angra 1 und Angra 2 Brasilien
Apenas Angra 2 saiu do papel no âmbito do acordoFoto: Getty Images/Afp/Vanderlei Almeida

Acordo falho

No entanto, devido à pressão americana, às críticas internacionais e à crise econômica que atingiu o Brasil, o acordo começou a fracassar já nos primeiros anos. Descontente com os rumos da situação, quatro anos após o início da parceria, o governo brasileiro começou a desenvolver um programa nuclear paralelo, que visava ao total conhecimento do ciclo de enriquecimento de urânio, o que possibilitaria a fabricação da bomba atômica.

A crise econômica da década de 1980 também levou ao cancelamento dos planos de construção de usinas nucleares. Somente uma usina saiu do papel, a Angra 2 – Angra 1 foi erguida em parceria com a companhia americana Westinghouse no início dos anos 1970, e Angra 3 está em construção.

Mas apesar das mudanças de planos, após seu prazo inicial de 15 anos para expirar, o acordo foi renovado por mais cinco vezes. Em 2004, ele esteve prestes a ser encerrado, segundo o ministro alemão de Meio Ambiente da época, Jürgen Trittin.

O ex-ministro e político do Partido Verde afirmou que os ministérios do Meio Ambiente dos dois países estavam negociando o fim da parceria, mas a então ministra brasileira de Minas e Energia, Dilma Rousseff, pediu a renovação.

Atualmente, no âmbito do acordo, são realizados encontros anuais entre representantes da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da Sociedade Alemã para a Segurança de Usinas e Reatores Nucleares (GRS), para a troca de informações e experiências, além de workshops e cursos.

Para Bartelt, os interesses de ambos os países de preservar o acordo ainda são os mesmos de 1970 . "O governo alemão querer continuar porque sua economia depende vitalmente da exportação de alta tecnologia, e governo brasileiro continua e, mais do que nunca, querendo melhorar sua posição geopolítica", completa.