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"Ágeis como cães galgos, resistentes como couro, duros como aço da Krupp"

26 de março de 2013

O nacional-socialismo não instaurou na Alemanha apenas uma ditadura brutal que controlava todos os aspectos da vida. O regime pretendia também criar um novo tipo de ser humano, que servisse incondicionalmente ao sistema.

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Foto: picture-alliance/akg-images

A imagem é bizarra. Disciplinadamente enfileirados num estádio gigantesco, 50 mil adolescentes da Juventude Hitlerista ouvem atentos por pelo menos uma hora – de acordo com o manuscrito – o discurso de um homem baixinho, pouco atraente, de colarinho meticulosamente abotoado, vestindo um uniforme esquisito e apertado.

De vez em quando, ele acentua suas palavras com um gesto brusco, exibindo o punho cerrado. Seu discurso é constantemente interrompido pelos brados eufóricos de "Sieg Heil!", lançados pelo público. Quanto mais longo o discurso, maior o entusiasmo da plateia. Adolf Hitler critica o enfraquecimento da juventude durante a República de Weimar e proclama o "novo" ideal dos nazistas. A partir de agora, os jovens deveriam ser "ágeis como cães galgos, resistentes como couro, duros como o aço da Krupp".

Se realmente todos os ouvintes se entusiasmaram com o discurso, se eles sequer compreenderam o seu conteúdo ou se foram apenas arrebatados pela experiência coletiva, não se pode constatar com base nas imagens. Pois os registros preservados do discurso proferido por Hitler à Juventude Hitlerista durante o congresso do partido em Nurembergue, em 14 de setembro de 1935, são encenados. Uma encenação totalmente no estilo de O triunfo da vontade – o infame filme de propaganda da cineasta Leni Riefenstahl sobre o congresso do partido, também em Nurembergue, no ano anterior.

Tomadas em primeiro plano de jovens loiros, imagens de enormes estádios superlotados e a figura do "líder e chanceler do Reich" pairando sobre todos, criam a atmosfera de um culto pagão. Imagens tão calculadamente elaboradas como os desfiles de massa que caracterizaram o Terceiro Reich e as aparições de Adolf Hitler.

No Instituto de História Contemporânea de Munique, Othmar Plöckinger trabalha numa edição crítica do livro Minha luta, de Adolf Hitler. Durante longo tempo, ele pesquisou sobre os discursos do ditador. "Hitler foi, com certeza, um orador bem sucedido, especialmente no início de sua ascensão. Desde 1930, em especial a partir de 1933, seus discursos são cada vez mais dominados por sua encenação", observa Plöckinger. Já nas campanhas eleitorais de 1932, pode-se mostrar que a divulgação e encenação desses discursos na imprensa de direita surtia o efeito desejado.

Propaganda perfeitamente encenada

A gigantesca organização por trás dos eventos de massa, que hoje consideramos grotescos, foi registrada pelo escritor expressionista e de esquerda Franz Jung, num opressivo depoimento sobre as paradas de 1º de Maio, logo após a tomada do poder pelos nazistas em 1933: "Segundo o comunicado de imprensa, uma multidão de 1,5 milhão de pessoas seria reunida pela primeira vez na história numa única área, o Campo de Tempelhof. O Ministério da Propaganda divulgou o seguinte relatório: com uma largura de seis fileiras, 18 mil indivíduos podem ser liberados a partir de um ponto de concentração no prazo de uma hora. [...] Os primeiros pelotões alcançam o Campo de Tempelhof às 14 horas. A manifestação se inicia às 20 horas."

A perfeita divulgação em todos os veículos da mídia garantia que os discursos de Hitler produzissem o efeito desejado. Já no dia seguinte, quase todos os principais jornais publicavam o texto integral dos discursos. Eles eram o tema de destaque no rádio e, em pouco tempo, as filmagens eram exibidas nos cinemas alemães durante o noticiário semanal. Também o apelo nazista para que a juventude fosse ágil, resistente e dura foi propagado com a mesma eficácia. A frase virou um ditado conhecido, o qual ainda hoje é repetido esporadicamente na Alemanha de forma irrefletida. Os anos ajudaram a esquecer que originalmente foram palavras de Adolf Hitler.

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Assembleia de 1934 do NSDAP, em "Triunfo da vontade"Foto: picture alliance / akg-images

Militarização da sociedade

Resistente como couro? Cães como modelo para a juventude? Que estranhos ideais impostos pelo ditador, que deixa de mencionar em seu discurso aos jovens as virtudes clássicas do Iluminismo como educação, sabedoria e justiça. Note-se ainda que a frase célebre não foi escrita especialmente para o encontro com a Juventude Hitlerista em 1935. Hitler repete aqui uma formulação que já usara dez anos antes em Minha luta, onde apresentou tais características como "virtudes militares", sem relacioná-las, porém, a objetivos pedagógicos, salienta Othmar Plöckinger.

"Em Minha luta não existe ainda uma relação direta com a formação e a educação, embora o livro deixe claro o apreço de Hitler pela forma de pensar e agir dos militares. Sendo assim, é claro que o aspecto militar seja ponto de referência essencial de uma sociedade nacional-socialista."

E só nesse contexto a formulação tem algum sentido. Em 1935, o poder de Hitler estava consolidado, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) contava 3,9 milhões de afiliados e a oposição fora eliminada. Agora, os nazistas podiam pensar em expandir seu domínio. Pouco antes, eles haviam reinstituído o serviço militar obrigatório, dissipando assim o último obstáculo imposto pelo Tratado de Versalhes, através do qual as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial quiseram impedir que a Alemanha se reorganizasse militarmente.

As palavras de Hitler aos jovens nazistas na cidade de Nurembergue tiveram consequências. Em 1936, a Juventude Hitlerista foi decretada por lei como única organização jovem da Alemanha, com adesão obrigatória a partir de 1939. Desde então, quase 8 milhões de jovens com mais de dez anos de idade marchavam uniformizados, exercitavam-se nos pátios de escola, treinavam tiro e juravam a bandeira, tudo com um único objetivo: serem ágeis como galgos, resistentes como couro e duros como o aço da Krupp, para matar e morrer durante a Segunda Guerra Mundial.

Autor: Martin Roddewig (smc)
Revisão: Roselaine Wandscheer