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Greenwald: "O Brasil ousou mais do que a Europa"

Nina Haase/Kristin Zeier (ca)13 de junho de 2014

Em entrevista exclusiva à DW, o jornalista Glenn Greenwald falou sobre o escândalo de escutas telefônicas denunciado por Snowden. Para ele, a reação alemã a esse monitoramento poderia ter sido muito mais forte.

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Glenn Greenwald Journalist
Foto: picture-alliance/dpa

Em entrevista à Deutsche Welle, o jornalista Glenn Greenwald, que ajudou Edward Snowden a divulgar a espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, afirmou que empresas como a Google devem agora pensar duas vezes antes de cooperar com os serviços de inteligência nacionais e que o governo brasileiro teve muito mais coragem que a maioria dos outros países ao criticar a posição dos EUA.

A entrevista é parte de uma mensagem de vídeo enviada para o DW Global Media Forum, que se realizará em Bonn de 30 de junho a 2 de julho de 2014.

Deutsche Welle: Você acha que os serviços alemães de inteligência estavam envolvidos no grampo do telefone celular da chanceler federal Angela Merkel?

Glenn Greenwald: Os documentos divulgados pela revista Spiegel sobre o grampo do telefone celular da chanceler federal Merkel por parte da NSA não indicam claramente até que ponto os serviços secretos alemães tinham conhecimento disso ou se teriam, de alguma forma, participado da escuta. Por isso é difícil responder a essa pergunta detalhadamente. Mas o que posso dizer, no geral, é que existe uma relação clara entre a NSA e o serviço secreto alemão.

Essa relação é muito mais limitada e discreta do que com o GCHQ, no Reino Unido, ou com os serviços secretos canadenses, australianos ou neozelandeses. Mas tal relação existe. Com base no que, para mim, resulta dos documentos, eu ficaria surpreso, todavia, se – pensando meramente de forma hipotética – os serviços alemães de inteligência tivessem realmente conhecimento da forma mais abrangente de espionagem dos cidadãos alemães ou do governo alemão pela NSA.

A grande raiva dos europeus quanto às atividades de espionagem se dirigem contra a NSA. Mas, como você também descreve, o britânico GCHQ atua de forma muito mais agressiva, mesmo que seja bem menor, do que seu homólogo nos EUA. Você se surpreende com o fato de a União Europeia (UE) não reagir de forma mais sensível às atividades de espionagem de um país-membro?

É quase um exagero falar da NSA e do GCHQ como duas unidades diferentes. Eles trabalham em parceria, em quase todas as áreas. Às vezes, eles também compartilham o trabalho, para que possam contornar limitações legais em casa ou obstáculos tecnológicos. Em praticamente todos os casos, eles trabalham de mãos dadas. A NSA paga ao GCHQ. E, como quase todas as instituições britânicas, o GCHQ recebe de forma obediente as instruções da elite política dos EUA.

Por isso, não é muito produtivo falar dos dois como duas unidades diferentes. Ao mesmo tempo, é verdade que o GCHQ esteja frequentemente disposto a praticar a forma mais abrangente de monitoramento e faça coisas que a NSA não faria. Perante os seus vizinhos da UE, os britânicos se comportam, possivelmente, de forma até mais agressiva do que a NSA – já devido à proximidade geográfica e o acesso aos sistemas de telecomunicação.

Por esse motivo, na minha opinião, a discussão na UE se concentrou muito na NSA e muito pouco naquilo que o vizinho e parceiro da UE, Reino Unido, está praticando. No ataque à imprensa livre e na invasão da privacidade de centenas de milhões de pessoas, o governo do Reino Unido não teve nenhum limite e abusou severamente do seu poder. Dessa forma, para mim, um foco claro sobre as atividades dos britânicos seria urgentemente necessário.

Você também mostrou como é grande a dependência dos serviços nacionais de inteligência da cooperação consciente ou tácita de grandes firmas de internet e telecomunicação, que têm, de fato, os mesmos objetivos que os serviços de inteligência: ou seja, coletar o máximo de informação possível sobre a maior quantidade possível de pessoas. Naturalmente, a vigilância por parte do Estado tem, potencialmente, um impacto maior. Mas até que ponto é preocupante a coleta de dados, onipresente e constante, de grandes firmas de internet como a Google?

Não há dúvida de que a coleta de dados por gigantes da internet como Google, Facebook e Yahoo representa um ameaça séria e profunda à privacidade do indivíduo e da democracia. Essas firmas estão, de fato, fora de qualquer sistema de controle democrático. Naturalmente, há diferenças entre a espionagem pelo Estado e aquela praticada por empresas particulares: Google pode coletar somente as informações deixadas em sua máquina de busca, que não dispõe, por exemplo, dos bate-papos do Facebook, dos e-mails do Yahoo ou das conversas pelo Skype.

O governo americano e a NSA, por outro lado, tentam coletar todas as informações sobre alguém num único local. A meu ver, isso é uma diferença importante. Outra diferença é que o Estado possui muito mais poder que as empresas. Ele tem, por exemplo, o poder de confiscar propriedades ou decretar ordem de prisão, ou, como no caso dos EUA, colocar alguém numa lista da morte.

Mas não há dúvida de que, antes das revelações de Edward Snowden, empresas privadas no Vale do Silício cooperaram de muito bom grado em quase todas as áreas com a NSA – e muito além do previsto pela lei. O que as revelações de Snowden conseguiram, entre outros, é que, para essas firmas, agora é perigoso dar continuidade a essa cooperação, devido aos seus próprios interesses comerciais futuros. Desde as revelações, essas empresas estão sob pressão e têm de provar à opinião pública que não estão dispostas a continuar fornecendo acesso aos dados de seus clientes à NSA.

Muitas pessoas veem a Alemanha e a posição alemã em termos de vigilância e de futuras questões digitais como um caso especial em comparação com a maioria dos outros países, menos preocupados com tais temas. Você concorda?

Eu não vejo a Alemanha como um caso à parte. Em muitos países, a reação ao monitoramento de dados foi tão intensa, ou até mais intensa que na Alemanha. Isso inclui o Brasil, o país onde vivo. Aqui os políticos e a presidente Dilma Rousseff reagiram de forma muito mais veemente e agressiva. Rousseff reprovou o comportamento dos EUA, recusando o convite para a primeira visita de Estado aos EUA, desde várias décadas. Ela criticou então o comportamento dos EUA perante as Nações Unidas, enquanto o presidente Obama esperava fora do plenário, no corredor. A meu ver, nenhum dos chefes de Estado e governo europeus mostrou tanta coragem. E os cidadãos europeus também não reagiram com tanta irritação quanto os brasileiros. Em muitos outros países da América Latina, a reação teve a mesma intensidade.

Então, por esse motivo, eu não chamaria a Alemanha de um caso à parte. Numa escala de países que reagiram fortemente, a Alemanha tende para os países em que tais histórias foram realmente motivo de preocupação. Por um lado, é claro, devido ao papel histórico que os ataques à privacidade exerceram na política alemã. E, pelo outro, devido ao grande volume de relatórios existentes sobre as atividades da NSA, que se direcionaram contra os alemães. Em comparação, a reação dos alemães foi melhor que em muitos outros países. Mesmo assim, eu não classificaria a Alemanha como um caso especial. Em todo o mundo, essa discussão já acontece há um ano. E, em muitos países, a reação foi muito mais intensa.