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Grampo em celular de Merkel leva Alemanha a elevar tom contra EUA

Marcel Fürstenau (av)27 de outubro de 2013

Enquanto desconfiança era de espionagem apenas sobre cidadãos comuns, governo alemão foi brando nas críticas aos americanos. Discurso muda radicalmente com revelações de que a chanceler federal também foi vítima da NSA.

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Foto: Reuters

Por vezes a política consegue ser bem engraçada. Um desses raros momentos se deu nesta sexta-feira (25/10), diante da grande imprensa reunida na capital alemã. O vice-porta-voz do governo, Georg Streiter, afirmou que Berlim "jamais declarara encerrado" o caso de espionagem pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla original) dos Estados Unidos.

Os numerosos jornalistas nacionais e internacionais ali reunidos tiveram que rir. Em reação, Streiter tentou explicar: somente um "aspecto parcial" teria sido dado por esclarecido. Ele se referia à suposta espionagem de milhões de alemães pela NSA.

Em agosto último, o chefe da Casa Civil alemã, Ronald Pofalla, declarara que essa acusação estava totalmente esclarecida e fora de discussão. "Na Alemanha não existe violação dos direitos fundamentais em escala milionária", afirmou, após uma das numerosas reuniões do Grêmio Parlamentar de Controle para os serviços secretos alemães.

Essa afirmativa era duplamente significativa, pois Pofalla não apenas é assessor próximo da chefe de governo (ambos pertencem à União Democrata Cristã – CDU), como também é coordenador dos serviços secretos nacionais.

Confiança abalada

Na época, assim como agora, as mais sérias dúvidas a essa representação dos fatos partiram sobretudo dos grupos de oposição, o Partido Social-Democrata (SPD), o Verde e o A Esquerda. Com razão, eles presumiam que Angela Merkel não tinha qualquer interesse em questionamentos críticos, por encontrar-se em plena campanha para as eleições legislativas de 22 de setembro.

Como seria de se esperar, seu principal adversário eleitoral, o social-democrata Peer Steinbrück, a abordou ofensivamente a respeito, acusando-a de falta de vontade de esclarecimento no escândalo da NSA. "A Sra. Merkel não se distancia dos americanos e aceita, sem crítica, que direitos e interesses alemães sejam contrariados", disse Steinbrück na época, em reação à declaração de Pofalla.

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Social-democrata Peer Steinbrück (e) e Angela Merkel em debate eleitoralFoto: Nigel Treblin/Getty Images

Mas já no meio do ano houve indicações isoladas de que a premiê não mais confiava totalmente no principal aliado dos alemães. E, no dia da crítica do adversário social-democrata, ela se pronunciou a favor do fortalecimento da tecnologia europeia de internet. Como justificativa, mencionou que todas as grandes vias de dados e a indústria de roteadores estão em mãos chinesas e americanas. "Parece-me duvidoso que isso seja bom", disse.

"Demonização" dos americanos

Apesar das dúvidas de Merkel, o secretário da CDU, Hermann Gröhe, acusou o SPD de antiamericanismo. "O governo dos Estados Unidos é demonizado como se o perigo partisse dele, e não do terrorismo internacional", indignava-se o democrata-cristão em meados do ano.

Pouco depois, em seguida a outra reunião do Grêmio Parlamentar de Controle, Pofalla anunciou que o governo iria esclarecer passo a passo os detalhes ainda em aberto. Documentos e cartas, inclusive da NSA, seriam apresentados em caráter confidencial ao setor parlamentar encarregado dos serviços secretos, a fim de serem examinados, explicou o chefe da Casa Civil.

Peter Schaar
Peter Schaar, encarregado do governo alemão para proteção de dadosFoto: picture-alliance/dpa

O encarregado do governo alemão para proteção de dados, Peter Schaar, era um dos que gostariam de ter visto esses documentos – que, até mesmo por sua função, deveria ter sido designado a isso. No entanto, o ministro do Interior Hans-Peter Friedrich negou-lhe acesso aos arquivos, alegando não se tratar de competência do departamento de Schaar.

Protesto popular

Contudo, não se pode dizer que o governo Merkel tenha se mantido totalmente passivo. Em julho, poucas semanas após as primeiras revelações do ex-colaborador da NSA Edward Snowden, Friedrich viajou para Washington a fim de conversar sobre o caso com o vice-presidente americano, Joe Biden, a assessora do presidente para assuntos de segurança, Lisa Monaco, e o secretário de Justiça, Eric Holder.

Encerrado o encontro, o ministro alemão do Interior afirmou ter-se tratado de um intercâmbio de opiniões aberto e construtivo. Entre pontos, ficara claro que "os EUA conseguem compreender o choque vivido pelo lado alemão".

À medida que o escândalo da NSA se ampliava, os protestos fora do Parlamento também se tornavam mais fortes. No início de setembro, diante do canteiro de obras da nova central do Serviço Federal de Investigações (BND) em Berlim, ativistas da associação Digitalcourage, de proteção de dados pessoais, protestaram contra toda forma de espionagem. O slogan da manifestação era: "Cidadãos estão de olho nos serviços secretos".

O ato simbólico foi uma espécie de ensaio geral para a grande passeata de 7 de setembro, para a qual foram convidados numerosos grupos de direitos civis e associações de jornalistas, assim como os partidos Verde, A Esquerda e Pirata. Segundo os organizadores, 20 mil manifestantes estiveram reunidos sob o slogan "Liberdade em vez de medo".

Demonstration "Freiheit statt Angst" für Bürgerrechte und Datenschutz
Ativistas em Berlim exigiram "Liberdade em vez de medo", 7/09/2013Foto: picture-alliance/dpa

Mudança no tom

Pouco mais de seis semanas mais tarde, também Berlim parece ter mudado seu modo de agir. As notícias de que, com grande probabilidade, um dos telefones celulares da chefe de governo alemã teria sido grampeado suscitaram reações bem mais fortes do que a espionagem contra milhões de cidadãos.

Agora, de súbito, o ministro do Interior Friedrich passou a exigir desculpas por parte dos americanos. O ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, convocou o embaixador dos EUA em Berlim e condenou publicamente o procedimento da NSA. A vítima, Merkel, censurou a espionagem dirigida contra sua pessoa com as palavras "isso não dá".

Não está claro quando a chanceler federal, o governo alemão ou os serviços secretos a ele subordinados receberam informações sobre a investida contra o celular de Merkel. Na coletiva de imprensa em Berlim, o vice-porta-voz Streiter respondeu de maneira evasiva às perguntas nesse sentido.