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"Falta de controle torna a arte atraente para criminosos"

Clarissa Neher20 de março de 2015

Criminosos de todo o mundo se voltam para o mercado de obras de arte na hora de lavar dinheiro, garante estudioso. Principais motivos são falta de controle e má preparação das autoridades.

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Foto: Fotolia/delux

Durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) apreendeu centenas de obras de artes suspeitas de terem sido usadas para lavar dinheiro. Nesta quinta-feira (19/03), 139 peças recolhidas na décima fase da investigação foram destinadas ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba. Só na casa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, a PF encontrou 131 obras.

Desde o início da operação, o museu curitibano recebeu 203 obras apreendidas. O acervo conta com quadros de artistas internacionalmente conhecidos, como Joan Miró, Salvador Dalí, Amílcar de Castro, Di Cavalcanti, Romero Brito, Aldemir Martins e Miguel Rio Branco. A coleção da Lava Jato ficará sob custódia provisória do MON até o fim da investigação e o julgamento dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.

O uso do mercado de artes em esquemas de lavagem de dinheiro, no entanto, não é algo novo nem exclusivo do Brasil. Durante seis meses, o desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sanctis pesquisou nos Estados Unidos como o mercado de arte é usado mundialmente para lavar dinheiro. A pesquisa resultou em um livro, lançado em 2013 nos Estados Unidos e posteriormente na Europa.

A obra, com o título provisório Lavagem de Dinheiro por meio de Obras de Arte, foi atualizada e traduzida para o português e será lançada em breve no Brasil pela editora Del Rey. Em entrevista à DW Brasil, De Sanctis falou sobre as relações entre a lavagem de dinheiro e o mercado mundial de obras de arte.

DW Brasil: O que torna o mercado de artes um espaço atraente para a lavagem de dinheiro?

Brasilianischer Richter Fausto Martin De Sanctis
"O mercado da arte sempre foi relativamente livre", afirma o desembargador Fausto Martin De SanctisFoto: privat

Fausto Martin De Sanctis: O mercado da arte sempre foi relativamente livre. Ele é uma arena real e, ao mesmo tempo, clandestina. Poder-se-ia dizer que constitui um ecossistema à parte, porque sempre existiu, com muita tolerância, o uso de documentação falsa ou, muitas vezes, a documentação de posse sequer existe.

Então é um mercado em que a ética de suas práticas deve ser discutida. Ele acabou se tornando atraente para a criminalidade organizada, pois é muito mais fácil lavar [dinheiro] diante da ausência de controle por parte das agências governamentais.

Essa ausência de controle se deve a que fatores?

Há um furo de regulamentação e regulação mundial desse mercado. Assim, delinquentes de crimes econômicos, corrupção, fraudes financeiras e, mais recentemente, tráfico de drogas usam esse mercado diante dessa falta de controle e da facilidade de transporte da obra de arte, sem que ninguém questione esse comportamento.

Hoje é mais difícil transportar dinheiro em espécie do que a obra de arte. Num tubo pode ser colocada uma obra que vale 8 milhões ou 10 milhões de dólares e ninguém se dá conta. Não há, no mundo inteiro, preparação por parte das autoridades alfandegárias e por parte das autoridades da receita federal.

Por outro lado, as grandes casas de leilão internacional vendem obras e admitem pagamento em espécie. E, quando ocorre o pagamento em espécie, pouco é questionado sobre quem são os compradores dessas obras.

Onde são adquiridas as obras compradas para a lavagem de dinheiro?

Elas podem ser compradas diretamente com o proprietário ou em casas de leilões internacionais. Um aspecto importante desse setor é que ele é marcado pela confidencialidade, ou seja, quem vende não quer mostrar seu nome, não quer aparecer como vendedor, porque, na versão melhor desse fato, a pessoa que está vendendo uma obra de arte está indo para a bancarrota.

Assim, seria uma vergonha se mostrar com vendedor de arte, o que não necessariamente é verdade. O mercado faz questão de preservar a confidencialidade com esse argumento. Só que a confidencialidade não pode existir para as autoridades públicas. Se houver suspeita, os nomes do vendedor e do comprador precisam ser comunicados.

Obras roubadas também são compradas no esquema de lavagem de dinheiro?

Existe de tudo. Roubo de obra de arte é frequente. Eu tive casos grandes de tráfico, por exemplo, nos quais peças estavam sendo negociadas para fins diversos, inclusive de fuga, ou seja, obras de artes estavam sendo negociadas e o setor não estava fazendo nada. Quando há o combate à lavagem de dinheiro e se permite esse furo, então não há um combate à altura do crime organizado.

Então, no esquema de lavagem de dinheiro, a pessoa compra a obra para lavar o dinheiro e, depois, caso precise do dinheiro, ela revende a peça...

Exatamente. Na lavagem de dinheiro há três fases. Na primeira, a pessoa coloca o dinheiro num local que não seja ligado a ela. Depois ela afasta esse valor ainda mais para quebrar a cadeia de evidências. A terceira fase é a reintegração, ou seja, o montante que estava em algum lugar escondido volta para o mercado com a aparência de licitude. Eu falo também numa quarta fase, a reciclagem, quando a pessoa começa a apagar todos os indícios de lavagem de dinheiro.

Existe um motivo que leve uma pessoa a escolher o mercado da arte, e não outro meio, para a lavagem de dinheiro?

Quem recebe dinheiro ilegal adquire a obra de arte para não chamar atenção, pois poucos conhecem arte de verdade, ainda mais arte moderna. Uma obra de arte muitas vezes não acarreta sinais exteriores de riqueza. A pessoa pode ter um monte de obras de arte em casa e ninguém percebe que ela é milionária ou bilionária, dependendo do valor das obras.

Como é provado que as obras apreendidas em alguma operação são oriundas de lavagem de dinheiro?

No crime de lavagem de dinheiro, a pessoa desejar ocultar das autoridades o dinheiro obtido ilicitamente. Então, cabe ao Ministério Público provar que a pessoa adquiriu determinada obra de arte com o objetivo de não chamar a atenção das autoridades públicas para o dinheiro obtido ilicitamente. Lavagem de dinheiro é indício, basta a comprovação de indícios, ou seja, o conjunto de indícios é que vai dar a certeza ou não da existência do crime.

Com relação ao Brasil, existe alguma legislação que determina o destino final de obras de arte oriundas de crimes de lavagem?

A legislação não fala exatamente sobre o destino a ser dado ao bem obra de arte quando apreendido. O Brasil é signatário da convenção da Unesco de 1970 sobre proteção à arte no mundo, que deixa claro que os estados têm dever de preservar obras de arte para gerações futuras. Assim, obras de arte apreendidas, a meu ver, têm que ser destinadas a entidades culturais para acesso público.

Então, na verdade, a decisão do destino final fica na mão do juiz que está julgando o caso?

É. Mas a minha tese é que a legislação internacional conjugada com a legislação brasileira sobre arte determina que essas obras sejam destinadas a entidades culturais. A minha interpretação jurídica disso é que não pode ser dada outra destinação a não ser entidades culturais, não é possível a venda das obras para ressarcir quem quer que seja.